segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Crise na Argentina

Ótimo artigo do Bresser Pereira sobre a situação econômica e política na Argentina.

Um presidente eleito segundo todas as boas regras da democracia cria um fundo fiscal usando para isso uma parte modesta das reservas do país no banco central. O presidente desse banco, em nome da "independência do BC", opõe-se ao uso das reservas do país depositadas no banco para constituir o fundo porque o governo teria outros recursos fiscais para pagar as dívidas. A presidente do país demite o presidente do banco por decreto. Indignação geral - indignação da direita e da esquerda: dos que querem que se pague a dívida do Estado e dos que não querem. Esse país é a Argentina. A presidente é Cristina Kirchner, que, como seu marido, embora fiel à democracia, tem um estilo de governo autoritário que foi fundamental para que o país lograsse sair muito bem da grande crise de 2001. Agora, porém, em nome da democracia, da lei, e do princípio da independência do BC, a oposição de direita, que nunca se conformou com o êxito da redução da dívida externa lograda pelos Kirchner, e a oposição de uma esquerda que está sempre em busca do governo perfeito, apoiam o presidente do BC e criam uma grave crise política no país.

Não vou discutir se a demissão por decreto é legal se o presidente do BC pode continuar no cargo enquanto a Justiça resolve mantê-lo ou não. A presidente da Argentina demitiu Martín Redrado por "falta de cumprimento dos deveres de funcionário público". Redrado recusou-se a cumprir a ordem porque a lei argentina garante que o BC não estará sujeito a ordens, indicações ou instruções do Poder Executivo na formulação e na execução da política monetária. Não vou também discutir o princípio antidemocrático da independência plena dos bancos centrais. Afirmo apenas que uma "razoável" independência -como a que existe nos Estados Unidos ou no Brasil- é algo muito bom uma independência plena é um absurdo. No caso, porém, ainda que a decisão da presidente tenha elementos financeiros e esses se confundam com os problemas fiscais, sua decisão não é uma decisão de política monetária, e sim de política fiscal.

Diz respeito à forma de utilizar os recursos do Estado. Quando o presidente do BC e os opositores do governo argumentam contra a utilização das reservas "porque o governo dispõe de recursos fiscais correntes para pagar a dívida, e porque a utilização das reservas abriria espaço para maiores gastos fiscais sem aumentar o deficit público", o argumento é estritamente fiscal. Nada tem a ver com a autonomia da política monetária que justificaria a independência dos bancos centrais. Para apoiar o presidente do BC, portanto, teremos de atribuir a essa instituição não apenas autonomia monetária, mas o direito de interferir diretamente na política fiscal do governo. É isso que queremos? A ditadura dos "técnicos"? A oposição já está, inclusive, falando em impeachment de um governo que, desde a traição do vice-presidente, Julio Cobos, no caso das "retenciones" variáveis (necessárias para neutralizar a doença holandesa), ficou enfraquecido. Os argentinos ainda não descobriram o caminho do desenvolvimento econômico não perceberam que a neutralização da doença holandesa originada na agropecuária é a condição fundamental de seu desenvolvimento. Mas a maioria dos argentinos sabe que a democracia é um valor universal. Por isso, apesar da violência da oposição, a democracia não está ameaçada na Argentina é o desenvolvimento econômico que continua em questão.

Fonte: UOL