quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Ainda o financiamento do déficit externo


Bom artigo do Vinicius Torres Freire, colunista do jornal da ditabranda , sobre o o setor externo. Como mencionado em outros posts, o financiamento do déficit externo não é mais um problema e, portanto, impedimento para o desenvolvimento econômico do grande bananão. Ele ainda tem dúvidas, mas isto já é um grande avanço, se comparado a sua posição anterior e a geração de bons economistas que não consegue superar o trauma do passado.


No terço final de 2010, houve uma surpresa positiva nas contas externas do Brasil: a deterioração no saldo das transações correntes foi menor do que a estimada. Além do mais, o deficit foi coberto por investimento externo dito produtivo.
O saldo em transações correntes é a diferença entre entradas e saídas de dinheiro relativas a pagamentos de juros, lucros, serviços e comércio, grosso modo. Considera-se saudável, em tese, que o deficit nas transações correntes seja financiado por capital externo "produtivo" (não por dívida) -desde que o deficit não cresça rápido demais e não passe de um certo nível em relação ao PIB. Mas qual é esse nível?
A discussão desse trauma histórico da economia brasileira ressuscitou em 2008, quando o país voltou a apresentar deficit externos após raros anos de superavit. De modo recorrente, o Brasil entrava em crises ou mesmo quebrava depois de um ciclo de crescimento, de consumo e endividamento externo excessivos. Seguiam-se uma debandada de investidores externos temerosos de calote, desvalorizações radicais da moeda, inflações, recessões e pedidos de esmola ao FMI. A última crise desse tipo ocorreu no final de 1998 (em 2002, o rolo deveu-se também ao medo da vitória do PT).
Nos anos Lula, mas apenas em parte devido ao governo Lula, o estado das contas externas melhorou muito. O valor das exportações cresceu rápido, houve superavit externos e a dívida externa foi, na prática, paga por volta de 2007. Na rubrica "rendas" das contas externas, o pagamento de lucros e dividendos para o capital externo superou em muito o pagamento de juros a partir de 2006 (quando essa relação foi inversa, quase sempre o Brasil esteve no bico do corvo). Melhorou a composição do "passivo externo".
Na conta de rendas, os pagamentos ora pois devem-se mais a investimentos, não a dívidas: à renda do capital "produtivo", o que implica também vantagem "cíclica". Numa economia em recessão, a remessa de lucros e dividendos também tende a cair, o que não é o caso de juros de dívida, o que tanta vez obrigou o país a tirar leite de pedra a fim de tentar honrar seus compromissos.
A incógnita maior nas contas externas segue sendo o tamanho financiável do deficit externo e sua velocidade aceitável de crescimento. O deficit foi de zero no final de 2007 a 2,28% do PIB no final de 2010. O Brasil quebrava quando o deficit chegava a uns 4% do PIB.
Mas então a economia e o setor público eram muito desarrumados. E não havia a perspectiva de crescimento do PIB, das exportações de commodities que o Brasil produz (efeito China-emergentes) e dos investimentos externos associados a tal fenômeno (mas não só a ele).
Deficit em conta-corrente significa que um país consome e/ou investe excessivamente. O excesso tem de ser coberto por dinheiro ou produção do exterior. Estima-se que o deficit chegue a quase 3% do PIB neste ano, mesmo com o esfriamento da economia. Mas o resultado de 2010 permite alguma dúvida positiva sobre o deficit e seu financiamento (excluída a hipótese de quebras na Europa ou na China). A pergunta que fica é se também teria mudado de forma duradoura o problema do financiamento do deficit externo: poderemos crescer durante muitos anos com um deficit grande? Desta vez seria diferente?

Fonte: FSP