segunda-feira, 11 de novembro de 2013

"A Unicamp e o marketing da resistência (Luís Nassif, FSP, 06.09.1993)


Texto antigo que público, por considera-lo um serviço de utilidade pública.



"As denúncias formuladas pelo Professor Mario Possas contra o Departamento de Economia da Unicamp constituem-se, de longe, no mais completo retrato de um estilo acadêmico responsável pela mediocrização que tomou conta de parte da Universidade brasileira.

Possas é insuspeito – foi diretor do Instituto –, e a entrevista foi concedida ao Jornaleco, orgão dos estudantes de economia da Unicamp.

Nela, Possas comunica seu afastamento do departamento, e denuncia um processo que, no fundo, foi a pior herança legada pela repressão política.

Sabe-se de jornalistas que perderam o emprego, políticos que foram cassados, funcionários públicos que foram demitidos, professores universitários que foram proibidos de lecionar nos primeiros anos do regime militar.

Mas, o marketing da resistência política acabou exercitado pelos que ficaram em universidades e fundações públicas, com emprego e salário garantidos, como instrumento de reserva de mercado acadêmico.

Raio impiedoso

Sem risco pessoal ou profissional, esses grupos acabaram trazendo para a academia – que deveria ser o local por excelência da livre discussão de idéias –
o espírito militar stalinista que pontificaca nos grupos de esquerda (e direita) pré e pós 1964, a divisão do mundo entre brancos e pretos, a xenofobia primária, a utilização abusiva de rótulos, onde se conferia um tratamento moral, um patrulhamento grosseiro à divergência de idéias, apenas para garantir o sagrado direito de não prestar contas de seus atos aos contribuintes.

A entrevista de Possas traça um raio-x impiedoso desse estilo. “Uma coisa é voce ter uma certa tendência a ser gueto, quando se é perseguido pela ditadura”, diz ele na entrevista. “Outra coisa é, vinte anos depois, continuar como se o país não tivesse mudado”.

Medo da avaliação

Recentemente, denuncia ele, o professor Pedro Valls – que ele reputa o maior econometrista do país – foi preterido num concurso por um candidato sem nenhuma expressão acadêmica, mas ligado à patota.

Outro professor foi rejeitado por ter formação neoclássica. A matemática foi praticamente abolida dos cursos por preconceito ideológico.

A consequência foi a mediocrização geral, com dois resultados claros. O Instituto passou a fugir das reuniões anuais da Anpec( que reune cursos de pós-graduação de todo país), sob a alegação de que lá “so tem economista conservador”. No fundo, era o medo de muitos de submeter “suas abobrinhas” a avaliações externas.

Dinossauros

As tentativas de estabelecer avaliações internas também esbarraram em uma oposição esmagadora do corpo docente, que tentou levantar ressalvas ideológicas. Mas “era basicamente para evitar que esta pressão resultasse em obrigação de terem desempenho”, diz Possas.

Noutra ponta, recorreu-se a um patrulhamento pesado contra quem pensasse diferentemente. Professores de reputação nacional passaram a ser ameaçados de demissão, por divergências de idéias, deixaram de receber salários.

Quem desistiu do Instituto foi tratado como dissidente. Chegou-se a tentar obrigar um professor a efetuar uma autocritica pública. “Os dinossauros estão soltos nesse parque jurássico e não querem biodiversidade” denuncia ele.

Na primeira reunião interna do departamento, a entrevista de Possas foi qualificada como “o início de uma ofensiva fascista contra o Instituto”.

Sequelas

Não é apenas o descaso com que núcleos acadêmicos como este tratam o dinheiro público que merece o repudio geral. Nem o fato de se ter transformado a Universidade em cabide de emprego. Ou ainda da busca da excelência acadêmica ter sido substituida por um jogo político miúdo.

A questão é que, em tempos de crises estruturais , como a atual, cabe à Universidade o papel de batedora de novas idéias que depois são disseminadas pela indústria de livros e pela imprensa, deflagram o debate nacional que muda as cabeças e permite a saída da crise.

A Universidade não cumpriu seu papel, porque muitos dos grupos mais proeminentes, estavam mais interessados em utilizá-la como trampolim para o poder, em disfarçar sua falta de inclinação pelo trabalho, em garantir seu sagrado direito de gastar dinheiro público sem ser questionado, do que pensar no país."

Fonte: Folha de S.Paulo