terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Depois do annus horribilis

Meu último artigo para o jornal da Arquidiocese  de São Paulo
 
 

O ano de 2016 apenas terminou, mas já é possível classificá-lo como um ano terrível, em diferentes áreas da vida nacional. A tragédia chapecoense é a mais recente e a mais dolorosa, sem dúvida alguma. Na esfera política, a crise foi se avolumando ao longo do ano até transformar-se em crise institucional que, temo, nos fará companhia por algum tempo, até o seu desfecho final que rezo para não ser trágico.
Na economia, a mais longa recessão da nossa história econômica não dá sinais de se arrefecer: a expectativa de que ela mudaria de curso, com a posse definitiva da nova administração, mostrou ser apenas mais um exercício de autoengano dos analistas econômicos, entre os quais me incluo. Imaginávamos que os novos inquilinos melhorariam as expectativas dos agentes econômicos, o que, por sua vez, traduzir-se-ia em recuperação, ainda que tênue, da economia. Não contávamos, naturalmente, com a queda em série de membros do novo gabinete presidencial e, com a fragilidade das instituições que aumentaram, infelizmente, a insegurança jurídica.
Nesta inacreditável algaravia nacional, questões fundamentais para a retomada do crescimento econômico transformaram se em verdadeiro fla-flu, em que a razão cedeu espaço para emoções e discursos inflamados. Estamos falando, naturalmente, da controvérsia a respeito da PEC 241. Em que pese todos os seus limites, ela coloca em discussão uma questão importante: a descoordenação crescente entre gastos e receitas públicas e a necessidade de se colocar um teto aos gastos. Como fazê-lo? O que incluir? Por quanto tempo? São questões importantes que devem ser debatidas com serenidade, já que a partir delas formata-se a sociedade que desejamos construir no país: mais inclusiva, ou a nossa velha conhecida fundada na defesa de privilégios?
A questão da Previdência é outro tópico que promete debates acalorados, mas que se trata de um problema real que deve ser enfrentado. Estamos vivendo mais, com isto o número de trabalhadores aposentados mantidos pelo número de trabalhadores na ativa tende a aumentar e constitui-se, portanto, em verdadeira bomba relógio. A solução do problema passa, necessariamente, pela discussão do tempo de contribuição, valor da contribuição e valor do benefício. Para que não se perpetuem injustiças, é fundamental incluir na reforma a revisão de privilégios inaceitáveis de castas bem organizadas do setor público civil e militar.
A proposta apresentada pelo atual governo acerta ao definir uma idade mínima, mas erra ao escolher 65 anos, haja vista a expectativa de vida dos brasileiros ser de 75,5 anos. Erra, também, na definição do tempo mínimo de contribuição. Esses dois erros implicam em redução no valor do benefício, já que para receber aposentadoria integral seria necessário trabalhar 49 anos.  O financiamento da aposentadoria rural ainda não está definido, mas é de fundamental importância que ela seja mantida.
Felizmente, há boas notícias em relação à inflação, que continua caindo, e o Banco Central parece ter finalmente reconhecido que esta queda permite uma redução da taxa de juros, que deverá contribuir com o esforço de evitar que a nossa longa recessão se transforme em depressão, o que nos levaria a sentir saudades do annus horribilis.

   
Fonte: Jornal "O São Paulo", edição 3134, 18 a 24 de janeiro de 2017.