Não sou tão pessimista, mas a análise me parece correta. Há sempre espaço para a política econômica e por isto o pessimismo não se justifica.
Os problemas fiscais da Grécia são, como argumentei muitas vezes, apenas a ponta do iceberg mundial. Pois a próxima rodada da recente crise financeira global será o risco soberano ascendente, especialmente nas economias avançadas que operem com grandes deficit orçamentários e acumulem dívida pública ampla, ao socializar prejuízos financeiros privados a fim de reanimar o crescimento econômico.
De fato, a história sugere que uma severa recessão e socialização de prejuízos privados muitas vezes conduzem a um acúmulo insustentável de dívida pública. Além disso, crises financeiras provocadas por dívidas excessivas no setor privado costumam ser seguidas alguns anos mais tarde por moratórias nacionais e/ou alta inflação.
A Grécia também serve como indicador de alerta para a zona do euro, na qual todas as economias conhecidas como Piigs (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha) sofrem o problema gêmeo da sustentabilidade de dívidas públicas e da sustentabilidade da dívida externa. A adesão ao euro e as "operações de convergência" conduzidas na alta das Bolsas levaram os rendimentos dos títulos desses países a se aproximar do oferecido pelos títulos da dívida pública alemã, e o boom de crédito resultante sustentou um crescimento excessivo do consumo.
A maioria dessas economias estava sofrendo de uma perda de mercados de exportação diante de concorrentes asiáticos cujos trabalhadores recebem salários mais baixos. Na Espanha e na Irlanda, um boom de habitação exacerbou os desequilíbrios externos ao reduzir a poupança nacional, estimulando o consumo e o investimento residencial. E a valorização do euro nos últimos anos serviu como golpe final contra a competitividade.
Assim, restaurar a competitividade, e não apenas um ajuste fiscal, é necessário para a retomada do crescimento sustentável. Existem apenas três maneiras de fazê-lo. Uma década de deflação seria uma resposta, mas isso seria acompanhado por estagnação econômica e, como aconteceu na Argentina no começo da década, resultaria em situação política insustentável, conduzindo a uma desvalorização (ou seja, ao abandono do euro) e a uma moratória.
Acelerar as reformas estruturais que estimulam a produtividade e manter sob controle o crescimento dos salários no setor privado e no setor público é a abordagem correta, mas igualmente difícil de implementar em termos políticos. Ou um euro mais fraco poderia ser adotado, se o BCE se dispusesse a afrouxar a política monetária ainda mais -o que não é provável. No entanto, um euro mais baixo não eliminaria a necessidade de reformas estruturais nesses países.
Alternativa FMI
Um programa informal de resgate ou um programa concreto do Fundo Monetário Internacional (FMI) poderia reforçar fortemente a credibilidade de uma política de reposicionamento fiscal e de reformas estruturais. Se o programa for informal, a Comissão Europeia imporia condições fiscais e estruturais à Grécia, enquanto a União Europeia e/ou o BCE ofereceria as verbas, que seriam necessárias.
Os mercados continuarão céticos, especialmente se a implementação resultar em manifestações de rua, tumultos, greves e manobras legislativas para postergar as medidas. Até que a credibilidade seja restabelecida, o risco de um ataque especulativo contra os títulos de dívida pública persistiria, dados os deficit orçamentários e a necessidade de rolar dívidas. Porque a União Europeia não tem histórico no que tange a impor condições e o financiamento pelo BCE seria percebido como uma forma de resgate, um programa formal do FMI seria a melhor abordagem. Os programas de mais sucesso empreendidos diante de um risco de crise de financiamento de dívida pública e/ou externa foram aqueles como no México, Turquia e Brasil.
Garantias de empréstimos pela Alemanha e/ou União Europeia são menos desejáveis do que um programa do FMI, porque é muito difícil desenvolver e implementar de maneira confiável a condicionalidade dessas garantias. O apoio do FMI, por outro lado, é desembolsado em parcelas e condicionado à realização de objetivos.
As autoridades gregas e a União Europeia vinham negando até recentemente que houvesse necessidade de um pacote de empréstimos, devido à preocupação de que isso pudesse ser visto como um sinal de fraqueza. Trata-se de um erro grave. Ajuste fiscal e reformas sem verbas de apoio são mais suscetíveis de fracasso.
Ao mesmo tempo, se a Grécia não ajustar plenamente suas políticas a fim de restaurar a sustentabilidade fiscal e a competitividade, um resgate parcial pela União Europeia e BCE continua provável, a fim de evitar o risco de contágio no restante da zona do euro. Uma moratória na Grécia, afinal, teria os mesmos efeitos mundiais que o colapso do Lehman Brothers teve em 2008.
A União Europeia e o BCE estão preocupados com o risco moral de qualquer "resgate". Mas é exatamente por isso que um programa confiável do FMI, vinculando apoio financeiro à realização gradual de reformas estruturais e fiscais, seria o caminho certo para salvar a Grécia e os demais Piigs.
Nouriel Roubini
Fonte: UOL.