quarta-feira, 23 de junho de 2010

Martin Wolf e a politica monetaria

Ótimo artigo do Wolf do FT sobre os dilemas da politica econômica. Concordo com as críticas à tese do cenario idílico criado pelo forte aperto fiscal - o contexto é diferente -, mas será que a expansão monetária é realmente uma alternativa melhor?



Uma retração fiscal estrutural sólida e coordenada, focada em gastos, promoverá a prosperidade

Festina lente - apressa-te devagar - é um conselho que herdamos dos antigos romanos. Os legisladores ocidentais deveriam levá-lo a sério agora. Confrontados com colossais déficits fiscais, muitos concluíram que eles deveriam apressar o aperto fiscal, na esperança de que ele comprove ser expansionista. Quais são as probabilidades de que estejam certos? Pequenas, creio eu. Além disso, há alternativas bem melhores à mão. Seu inconveniente, porém, é que elas são heterodoxas: lamentavelmente, muitas pessoas "sólidas" preferem recessões ortodoxas a recuperações heterodoxas.

Por que um forte aperto fiscal estrutural promoveria recuperação? Como observam Alberto Alesina e Silvia Ardagna, de Harvard, num artigo influente, déficits potenciais menores poderão melhorar o grau de confiança entre consumidores e investidores, consequentemente elevando o consumo e reduzindo os prêmios de risco nas taxas de juros ("Large changes in fiscal policy", working paper 15438, www.nber.org ). Entrementes, no lado da oferta, o aperto fiscal poderá aumentar a oferta de mão de obra, de capital ou de empreendedorismo. As conclusões abrangentes do artigo deles são que os ajustes fiscais "baseados em cortes de despesas e sem aumentos de impostos têm maior probabilidade de reduzir déficits e dívida em relação às taxas do PIB que as baseadas em aumentos de impostos. Além disso, ajustes no lado do gasto em vez do lado do imposto têm menos probabilidade de criar recessões". Essa linha de argumento reforçou a determinação de George Osborne, o novo ministro das Finanças do Reino Unido.

É convincente? Em uma palavra, não. Os autores agrupam dados para membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico entre 1970 e 2007. Mas o impacto do aperto fiscal dependerá das circunstâncias.

Uma redução no déficit fiscal deverá ser compensada por mudanças nas contas externas e no setor privado. Para a retração fiscal ser expansionista, as exportações líquidas deverão crescer e os gastos privados deverão aumentar, ou a poupança privada deverá cair. Portanto, a experiência da retração fiscal deverá ser muito diferente quando ocorrer em alguns países pequenos, não em muitos países grandes simultaneamente; quando o setor financeiro estiver saudável, não incapacitado; quando o setor privado estiver sem dívidas, não altamente alavancado; quando as taxas de juros estiverem elevadas, não próximas de zero, quando a demanda externa estiver aquecida, não debilitada; e quando as taxas de câmbio reais se depreciarem acentuadamente em vez de permanecerem fixas.

Em suma, quando, como agora, as economias afetadas pela fragilidade do setor financeiro compuserem metade da economia mundial (de fato, junto com a ainda debilitada economia japonesa, perto de 60%); quando a mais dinâmica grande economia do mundo - a China - for mercantilista; quando as taxas de juros estiverem próximas de zero; e quando as companhias e as famílias estiverem limitadas em crédito, a noção de que um aperto fiscal prematuro comprovará ser intensamente expansionista é certamente heroica. Espero que isso seja verdade. Há poucos motivos, porém, para acreditar nisso.

Outro estudo, elaborado pelo Comitê dos EUA por um Orçamento Federal Responsável, examinou os casos do Canadá, Dinamarca, Finlândia, Irlanda e Suécia. O que emerge é a importância da demanda externa e, em vários casos, de enormes depreciações na taxa de câmbio. Será que esses exemplos bem sucedidos são realmente relevantes para os EUA e a União Europeia hoje? Duvido muito.

Outra abordagem seria identificar uma situação que realmente se pareça com a de hoje, O paralelo mais próximo é a década de 1930, em termos da proporção da economia mundial afetada pela crise, as baixas taxas de juros e o cenário desinflacionário (ou, naquele caso, deflacionário). Um estudo publicado no ano passado concluiu que o estímulo fiscal foi eficaz quando tentado (Almunia et al, "The effectiveness of fiscal and monetary stimulus in depressions", www.voxeu.org ).Conclui-se que o aperto fiscal teria sido recessivo à época.

Nas circunstâncias atuais, a crença de que um aperto fiscal coordenado por todo o mundo desenvolvido se comprovará expansionista é, para não dizer algo pior, otimista. Nessa etapa, inevitavelmente serei questionado: qual é a alternativa? Se esses déficits enormes continuarem, os mercados levarão um susto, as taxas de juros darão um salto e a dinâmica da dívida se tornará verdadeiramente terrível.

Tenho duas respostas para isso. A primeira, que formulei há uma semana, é que o ciclo de desalavancagem está gerando enormes superávits financeiros no setor privado em todo o mundo desenvolvido. A segunda resposta é que se os governos precisam administrar déficits para apoiar a demanda num momento de debilidade do setor privado eles sempre poderão tomar emprestado dos bancos centrais. Sim, isso é "imprimir moeda". É também uma política insanamente radical recomendada por ninguém menos radical que Milton Friedman, nos idos de 1948. Sua opinião era que o governo poderia expandir a base monetária durante recessões, e contraí-la nas expansões subsequentes. Um país com uma moeda fiduciária ("fiat currency") e uma moeda com taxa de câmbio flutuante poderia, portanto, estabilizar a economia sem desestabilizar os mercados de crédito. A perfeição nessa proposta é que não é preciso decidir se a política fiscal ou a política monetária fará o serviço pesado: elas são dois lados de uma moeda.

O argumento favorável a uma expansão monetária agressiva permanece sólido, embora não uniforme, uma vez que o crescimento da base monetária e do PIB nominal é fraco. Portanto, a política de "afrouxamento quantitativo" de Friedman, como é chamada, ainda faz muito sentido. Estaria eu recomendando a política econômica de Robert Mugabe? Não. Como em todas as demais coisas, o que interessa é o contexto. No momento, temos "uma quantia de dinheiro pequena demais perseguindo um número grande demais de mercadorias". Nesse ambiente, a política monetária precisa ser agressiva. Quando a economia se recuperar, os efeitos monetários deverão ser retirados, por meio de superávits orçamentários obtidos por meio de controles de longo prazo sobre os gastos. No curto prazo, mudanças nas exigências de reservas poderão compensar o impacto do crescimento dos depósitos dos bancos comerciais no banco central sobre a expansão monetária.

A crença generalizada reza que uma retração fiscal estrutural sólida e coordenada, focada em gastos, promoverá a prosperidade privada. Espero que isso se confirme. Mas duvido. Os governos devem se apressar devagar. Se eles se apressarem rapidamente, eles, e nós, poderemos nos arrepender muito em breve

Fonte: Valor