segunda-feira, 29 de abril de 2013

Chico Lopes: A Selic e a meta efetiva


Artigo bem interessante de um dos nossos melhores macroeconomistas. Confesso que acho a tese do Pastore criativa, mas nenhum pouco convincente.

Affonso Pastore é um dos melhores economistas brasileiros. Em palestra recente apresentou análise econométrica rigorosa demonstrando que a meta de inflação efetivamente praticada pelo Banco Central (BC) desde 2010 parece ser superior a 4,5% ao ano. Sua conclusão é que "não se pode rejeitar a hipótese de que a sociedade passou a perceber, nesse período, que a verdadeira meta perseguida pelo BC é de 5,5%".

Admitamos que isso é de fato o que está na mente da maioria dos membros do Comitê de Política Monetária (Copom). Para eles o objetivo de longo prazo da política monetária, num horizonte, digamos, de cinco anos, ainda seria fazer a inflação convergir para os 4,5%. Esta seria a "meta teórica". Já a meta efetiva, relevante para um horizonte de 12 meses a 24 meses, seria de 5,5%. Isto significa que, nesse horizonte de tempo, se a inflação for maior do que 4,5% mas menor do que 5,5% o Copom não estaria disposto a operar a taxa Selic para trazer rapidamente a inflação até a meta teórica. Naturalmente ninguém de fora do Copom pode saber se a conclusão do Pastore é correta ou não. Podemos apenas especular sobre suas implicações.

A rigor a discrepância entre meta teórica e meta efetiva não chega a ser um pecado capital. Governos muitas vezes se comprometem com objetivos ambiciosos de longo prazo e terminam buscando objetivos bem mais modestos no curto prazo. No governo FHC, por exemplo, o Conselho Monetário Nacional (CMN) fixava periodicamente uma banda de flutuação bastante ampla para a taxa de câmbio, com distância da ordem de 10% entre o piso e o teto, enquanto na prática a mesa de operação do BC trabalhava com uma minibanda quase igual a uma taxa fixa. Claro que seria melhor se o governo reconhecesse oficialmente que trabalha com uma meta de curto de prazo de 5,5%. Talvez pudesse alterar também o intervalo de tolerância, que poderia ser reduzido para mais ou menos 100 pontos de percentagem em torno da meta. Devia deixar claro, porém, que continua comprometido com um objetivo mais ambicioso de longo prazo, contemplando uma meta teórica até inferior a 4,5%.


É interessante notar que se a meta verdadeira for de fato 5,5% o processo de elevação da Selic iniciado agora poderia ser considerado tecnicamente desnecessário. A razão é que a inflação projetada para os próximos 12 meses, segundo a última pesquisa Focus do BC, está exatamente em 5,5%. Ou seja, a expectativa de inflação está ajustada à meta efetiva; logo não há nada a fazer dentro da concepção do regime de metas. Isto parece ser o raciocínio em que se baseava a noção da convergência não linear da inflação sugerida por Tombini. A inflação acumulada em 12 meses supera agora os 6,5%, é verdade. Não obstante, como é possível inferir da projeção para os próximos 12 meses, deverá convergir para 5,5%. Portanto o próprio mercado acredita que a inflação vai convergir para a meta efetiva.

Como vimos o BC decidiu não bancar essa aposta da convergência não linear. Ficou impossível enfrentar a artilharia pesada da mídia e dos formadores de opinião quando a inflação acumulada em 12 meses superou os 6,5% (não importando o fato de ter sido uma evolução absolutamente previsível!). A ameaça de perda de reputação ficou muito forte.

Estaria a autoridade monetária submetida a uma restrição política no manejo do seu principal instrumento? Estaria ela assumindo uma aposta arriscada contra o mercado? Todo mundo sabe que um bom banco central, como instituição guardiã da moeda, deve ser conservador e avesso a apostas de risco.

Então fica combinado assim. O BC vai elevar gradualmente a Selic enquanto a inflação 12 meses não começar a ceder. Isto só deverá ocorrer por volta de setembro ou outubro, o que sugere que a taxa atingirá um patamar de 8,25% a 8,5%. A partir desse ponto, com a inflação 12 meses caindo, a Selic poderá permanecer estável. Acontece, porém, que, em janeiro ou fevereiro de 2014, a inflação 12 meses vai cair abaixo da meta efetiva de 5,5%. Logo, usando a mesma lógica que motiva o atual ciclo de alta, o BC poderia promover um novo ciclo de baixa, levando a Selic de volta ao ponto de partida de 7,25% ou mesmo abaixo dele.

Pensando bem essa estratégia de política monetária tem mesmo alguns méritos. Primeiro, defende a reputação do BC eliminando a suspeita de que a Selic estaria congelada por determinação superior. Depois, aumenta a volatilidade na taxa, o que num regime de metas deve ser considerado uma virtude, não um defeito. O que deve ser estável é a inflação, o objetivo da política, não a taxa de juros, o instrumento. A volatilidade da Selic indica apenas que a autoridade está disposta a atuar sempre que julgar necessário, se as condições objetivas da economia assim o demandarem. Finalmente, há o benefício de que, se o quadro inflacionário se deteriorar em 2014 muito além do que está sendo projetado pelo próprio mercado, o Copom já terá iniciado em 2013 o movimento da taxa de juros na direção correta. Nesse caso, será necessário apenas tornar o movimento mais amplo e complementá-lo com medidas fiscais e macroprudenciais.

Francisco Lafaiete Lopes


Fonte: Valor