quinta-feira, 18 de julho de 2013
Werlang & Fernando de Holanda: A macroeconomia com pleno emprego
Boa analise da nova dupla dinâmica da FGV-RJ. Excelente oportunidade para aprender o be-a-ba do novo cenário macroeconomico na leitura de dois dos mais qualificados representantes do pensamento econômico mainstream.
Naércio Menezes Filho publicou, em 18/01/13, um instigante artigo no Valor: "Enigma do Mercado de Trabalho". Nesse trabalho ele mostra que estruturalmente a taxa de desemprego caiu muito no Brasil, entre outros motivos porque o crescimento da oferta de mão de obra reduziu-se bastante. A taxa de crescimento da população em idade ativa (PIA) do Brasil caiu de 1,8% ao ano em 2000 para 1,4% ao ano em 2013. Nas regiões metropolitanas avaliadas na Pesquisa Mensal de Emprego (PME), o crescimento da PIA reduziu-se de 1,8% em 2003 para 1,2% em 2012. Combinando-se esse fato com o aumento expressivo dos salários reais médios no Brasil (desde março de 2006 o salário real cresceu a taxas superiores a 2% ao ano), é razoável concluir que a economia brasileira está passando por um fenômeno novo, a escassez relativa de mão de obra. Isto é, uma situação em que o país está vivenciando pleno emprego, embora o nível de utilização da capacidade instalada (NUCI/ FGV) médio dos últimos doze meses esteja em 84,2%, inferior ao pico de 85,9% ocorrido em agosto de 2008.
O pleno emprego foi atingido pela combinação de uma diminuição do crescimento da força de trabalho aliado a um crescimento (ainda que modesto) da demanda. Deve-se notar que, além do perfil demográfico, outros fatores contribuíram para a queda do desemprego, como o aumento da participação do setor de serviços na economia brasileira. O objetivo deste artigo é discutir quais são as implicações macroeconômicas do pleno emprego.
Sem dúvida, a mais importante consequência desse fenômeno é que estímulos de demanda não têm efeito relevante na atividade econômica. Isto porque a restrição de oferta é a que atua na economia. E como há excesso de capacidade instalada, o Produto Interno Bruto crescerá o que for permitido pela oferta de mão de obra. A oferta de trabalho é influenciada por inúmeros fatores. Dentre eles: a demografia (a PIA), a participação na força de trabalho (que é resultante, entre outras, da escolaridade, da idade em que as pessoas decidem começar a trabalhar e da decisão de um ou ambos do núcleo familiar ingressar na força de trabalho) e o salário real. Como houve aumento do salário real, é razoável supor-se que tal elevação tenha afetado a oferta de trabalho. Esse efeito, no entanto, foi pequeno: a taxa de participação, medida com dados da PME, aumentou de 57% em 2008 para 57,3% em 2012, após uma elevação dos salários reais nesse mesmo período de 13,5% (ou 3,4% ao ano).
Desta maneira, a única forma pela qual um aumento da demanda poderia influenciar a oferta de trabalho seria pelo aumento do salário real, e este tem impacto muito limitado. Portanto, para todos os fins práticos, uma elevação da demanda faz apenas com que o salário real aumente no curto prazo, e depois tenha efeito na inflação no médio prazo. Isto pode ser claramente visto no setor de serviços: salários reais subindo em média 3% ao ano desde 2004, inflação de serviços média de 6,8% ao ano enquanto que a inflação média foi de 5,3% ao ano.
Segue-se que não deve haver estímulos de demanda, pois estes só geram inflação. Ou seja, não há impacto relevante na atividade econômica de uma queda de juros (nem de aumento moderado), nem de uma expansão dos gastos do governo. Aqui é importante notar que não há efeitos nem das despesas públicas, nem dos gastos do governo ditos parafiscais (isto é, por exemplo, o subsidio implícito nos empréstimos do BNDES).
Mais ainda, incentivos que aqueçam a demanda de um setor da economia apenas deslocam a produção em favor deste setor em detrimento dos demais. Isto porque este setor poderá pagar salários mais elevados do que os outros por conta dos estímulos, e esta mão de obra extra deixará de atender a outros setores. Outro tipo de política que não tem o efeito desejado é a de incentivos à contratação de mão de obra. De fato, como a oferta de trabalho é o fator limitante, decorre daí que mais estímulos não aumentam de forma relevante o volume total de empregos. Apenas contribuem para aumentos salariais que terão impactos mais adiante na inflação e na competitividade.
E o que fazer então? Em primeiro lugar, se por um lado os incentivos de demanda não conseguem elevar a taxa de crescimento, por outro lado, o desaquecimento da demanda também tem pouco efeito no emprego e na atividade econômica. Significa dizer que o combate à inflação, que precisa ser efetuado com instrumentos de demanda, é pouco impactante no que se refere à taxa de crescimento da economia. Assim, aumento de juros e corte de gastos fiscais e parafiscais podem ser feitos sem consequência relevante na atividade. Haverá apenas queda da inflação. Em segundo lugar, políticas que elevem a produtividade do capital, (ou seja, que economizem mão de obra) são muito importantes, pois fazem com que a mesma força de trabalho possa ser empregada para diminuir o excesso de capacidade. Um exemplo que tem sido levantado é a nossa baixa produtividade do trabalho na área de construção civil, setor intensivo em trabalho no Brasil quando comparado com outros países. Logo, os incentivos do governo devem ser guiados à adoção destas tecnologias. Em terceiro lugar, há ainda um sem número de melhorias que podem ser feitas nas regulamentações dos contratos de longo prazo e dos mercados. Essas modificações têm que ter por objetivo reforçar a segurança jurídica, de modo a incentivar o investimento.
Um exemplo evidente nos dias de hoje é o do mercado de gás, que precisa urgentemente de uma nova regulamentação, caso o Brasil queira aproveitar suas reservas de gás de xisto eficientemente. Em quarto lugar, deve ser considerada a possibilidade de facilitar a imigração de trabalhadores qualificados. Hoje há desemprego e excesso de oferta de mão de obra na Europa. Por sua vez no Brasil tem-se falta de oferta. Por que não aproveitar esta conjuntura para fazer uma política de imigração mais ativa e atrair capital humano de qualidade para o país? Canadá e Austrália são exemplos de países que utilizaram e utilizam políticas favoráveis à aceitação de imigrantes.
As evidencias de que o país teve uma queda na sua taxa natural de crescimento (o "crescimento potencial") são cada vez mais convincentes. Houve queda na acumulação de fatores de produção e da produtividade. A taxa de incremento da oferta de trabalho caiu, resultado este proveniente essencialmente do envelhecimento da população brasileira. Em que pese ainda haver possíveis dúvidas sobre os efeitos mais precisos de cada uma das variáveis na taxa de crescimento potencial do PIB, não há dúvida sobre a relevância da demografia brasileira sobre esta taxa. Isto faz com que as políticas usuais de incentivo à demanda (também conhecidas como keynesianas) tenham efeito muito limitado sobre a atividade econômica. Mais ainda, o impacto sobre a taxa de inflação destas políticas é grande. Dessa forma, é importante que seja levado em consideração que as implicações macroeconômicas numa economia em pleno emprego são muito distintas daquelas a que tradicionalmente o país está acostumado.
Sérgio Ribeiro da Costa Werlang é assessor do presidente da FGV.
Fernando de Holanda Barbosa Filho é professor da FGV e pesquisador do Ibre/FGV
Fonte: Valor