quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Mesquita e a questão cambial


Bom artigo do Mario Mesquita sobre questão tecnicamente/teoricamente complicada e que vem sendo debatida com a superficialidade, tradicional, nos debates sobre política econômica no grande bananão



A questão cambial volta a ganhar destaque no debate público, e não apenas no Brasil -vide a intervenção recente das autoridades japonesas para enfraquecer o iene.
Uma característica do debate sobre taxa de câmbio é que este se presta a avaliações quantitativas tão precisas quanto errôneas.
As avaliações sobre o nível de equilíbrio da taxa de câmbio têm longo histórico. A metodologia tradicional utilizada com esse fim é a teoria da paridade de poder de compra (PPC), segundo a qual as taxas de câmbio devem igualar os preços de cestas de mercadorias equivalentes em diferentes países.
Um exemplo de aplicação da teoria PPC é o índice Big Mac, compilado pela "The Economist", no qual o conhecido sanduíche serve como cesta de consumo representativa.
Por esse índice, o real estaria sobrevalorizado em 31% ante o dólar norte-americano. Como a própria revista reconhece, esse é um indicador simplista, já que nem o Brasil só comercia com os Estados Unidos, nem todo mundo pode viver todo o tempo à base de Big Mac (afinal, as pessoas precisam se vestir, morar em algum lugar, estudar etc.).
Mas análises derivadas da teoria da PPC volta e meia são apresentadas sem as qualificações da revista britânica. Escolhe-se uma base de comparação, ajusta-se a taxa de câmbio nominal do período-base pela diferença entre a inflação acumulada no Brasil e em seus parceiros comerciais e logo chega-se a uma estimativa do que seria a taxa de câmbio nominal de "equilíbrio".
Se a taxa de câmbio do dia está apreciada, com o dólar, por exemplo, mais barato do que essa taxa de equilíbrio, então fala-se em defasagem cambial ou sobrevalorização.
A chave da questão é a escolha da base de comparação, que deve buscar períodos típicos, e não extraordinários. Por exemplo, é pouco razoável tomar como base o final de 2002, e decretar que, como o real se apreciou consideravelmente desde então (mais de 50%, descontada a inflação doméstica e dos parceiros comerciais, segundo séries na página do Banco Central) estaria "mega", "hiper" valorizado.
Ocorre que, no final de 2002, como se sabe, o Brasil estava apenas começando a sair de uma severa crise de confiança, e todos os ativos brasileiros estavam a preço de liquidação. Tomar dezembro de 2002 como base para a avaliação da evolução posterior da taxa de câmbio é, portanto, bastante inadequado, e leva a conclusões enganosas.
Mas a análise no espírito PPC tem os seus méritos, se aplicada com a devida cautela. Em vez de utilizar um período específico como base, parece mais razoável considerar a média da taxa de câmbio real por um período suficientemente longo, que inclua tanto momentos de bonança externa como de crise. Tomando por exemplo a taxa média para os últimos 22 anos como base, a taxa de câmbio estaria atualmente apreciada em cerca de 20%.
Note-se que nem chegamos ao final do artigo e já consideramos três números diferentes para o grau de valorização da moeda nacional.
Essa é talvez a maior limitação da teoria PPC -pode-se chegar com certa facilidade a avaliações quantitativas precisas, mas bem distintas entre si.
Outra teoria considera a interação entre a dinâmica da economia e do balanço de pagamentos para avaliar o nível das taxas de câmbio.
Simplificando bastante a análise, se a economia combina atividade econômica fraca com resultados em conta-corrente piores do que a média histórica, então trata-se de um caso de sobrevalorização cambial (Brasil 1998, por exemplo).
Se, por outro lado, temos crescimento acima da média com saldo em conta-corrente melhor do que o normal, configura-se um caso de subvalorização (Brasil 2004?).
Só que há uma ampla área cinzenta: períodos de crescimento fraco e resultado em conta-corrente melhores do que a média e momentos que combinam crescimento extraordinário com resultados em conta-corrente piores do que o normal, na qual julgar sobre ou subvalorização é bem mais complexo. Em resumo, há que se avaliar com muita cautela e certo ceticismo analítico estudos que ofereçam medidas muito precisas de sub ou sobrevalorização cambial.

Fonte: FSP