quarta-feira, 15 de setembro de 2010

A tentação mercantilista


Bom artigo do alexandre "eram os deuses astronautas". A pratica mercantilista é difícil de resistir, mas continua, como no passado, sem fundamento téorico.




Não falta quem veja as contas do balanço de pagamentos como uma demonstração de resultados do país: superavit são associados a "lucros", enquanto deficit seriam as "perdas".
Não é uma visão muito diferente da que prevalecia no século 18, entre os chamados mercantilistas, que também identificavam o progresso de um país ao seu saldo comercial, noção devidamente refutada ao longo da história, mas incrivelmente resistente.
A questão ganha relevância porque o Brasil passou a registrar deficit externos de magnitude crescente. Usando os números dessazonalizados das contas nacionais, notamos que, depois de 44 trimestres, as importações (de bens e serviços, exceto remuneração do capital) finalmente superaram as exportações.
Assim, nos dois primeiros trimestres de 2010, o deficit externo atingiu, respectivamente, 0,8% e 1,2% do PIB, com perspectiva de valores maiores à frente.
Esse processo, por mais que nossos "keynesianos de quermesse" insistam no contrário, está intrinsecamente associado à elevação do investimento em relação ao produto.
Nos últimos 62 trimestres, observa-se clara relação positiva entre a razão investimento-PIB e o deficit externo, isto é, tipicamente o investimento e o deficit externo caminham na mesma direção.
Há, adicionalmente, outro fato interessante: praticamente toda vez que o investimento supera a fronteira dos 17,5% do PIB, as importações excedem as exportações; apenas em três trimestres (desde 1995) isso não ocorreu.
Obviamente, essas informações são insuficientes para determinar se é o aumento do investimento que leva ao deficit externo ou se, ao contrário, é a elevação do deficit externo (por exemplo, por maior apetite por ativos nacionais) que causa maiores investimentos.
Provavelmente esses dois fenômenos interagem entre si, o que torna a questão da relação causa-efeito bastante complexa. No entanto, independentemente dessa discussão, a experiência histórica sugere que taxas mais altas de investimento não ocorrem sem elevação correspondente do deficit externo.
Tal fenômeno reflete a baixa poupança nacional. De 2000 para cá, a poupança bruta atingiu, em média, pouco mais de 17% do PIB, tomando-se como base os números trimestrais sazonalmente ajustados, não por acaso patamar bastante semelhante àquele a partir do qual o nível do investimento corresponde a deficit externos.
A reduzida poupança nacional não parece, todavia, resultar de um consumo privado particularmente elevado. Apesar de o consumo brasileiro, em torno de 63% do PIB, ser bastante superior ao da China, por exemplo, ele não difere muito do observado nos demais países latino-americanos.
A bem da verdade, inclusive, o consumo privado no Brasil, além de inferior à média de Argentina, Chile, Colômbia e México, é também o menor nessa (limitada) amostra.
A grande diferença nesse caso refere-se ao consumo do governo. Em 2009, o gasto público nesse conceito atingiu pouco menos de 21% do PIB, enquanto na média desses países da região ficou em 13,6% do PIB, repetindo o padrão dos últimos anos.
Assim, se o governo estivesse mesmo preocupado com a evolução das contas externas, o remédio seria simples do ponto de vista econômico (ainda que politicamente complicado): um programa de austeridade fiscal que enfrentasse decisivamente o elevado patamar de gasto público no país.
Tal política abriria espaço para a expansão do investimento relativamente ao PIB sem que fosse necessário recorrer à poupança externa.
Concretamente, isso se traduziria em redução da demanda doméstica, permitindo a queda da Selic e a consequente depreciação cambial.
Vale dizer, mais eficaz do que limitar o ingresso de capitais num contexto de necessidade crescente de poupança externa seria reduzir essa própria necessidade.
Isso, porém, ainda parece além da compreensão de quem ainda vive no século 18.

Fonte: UOL