Artigo franco e honesto do Dani Rodrik sobre as relações perigosas entre academicos e ditadores mundo afora. É a famosa tentação que um famoso filosofo grego não resistiu, argumentando que, afinal, tratava-se de um ex aluno.
Há não muito tempo, um colega de Harvard me escreveu para dizer que Saif al-Islam el-Gadafi, filho do ditador da Líbia, estaria na cidade e gostaria de me encontrar. É um sujeito interessante, com doutorado na London School of Economics and Political Science (LSE), me disse o colega; que eu gostaria de conversar com ele e que poderia ajudá-lo em seu modo de ver questões econômicas.
O encontro, no fim das contas, acabou sendo uma decepção. Previamente, um ex-funcionário da Monitor Company gentilmente deu a entender que eu não deveria esperar muito. Saif tinha fotocópias de páginas de um de meus livros nas quais havia feito anotações. Me fez muitas perguntas sobre o papel das ONGs internacionais, pelo que me lembro, assunto bem distante de minhas áreas de conhecimento. Não acho que ele tenha ficado com boa impressão sobre mim; nem eu fiquei bem impressionado com ele. Quando o encontro terminava, Saif convidou-me para ir à Líbia e eu disse mais por gentileza do que por outra coisa que teria satisfação em visitá-lo.
Saif nunca voltou a tocar no assunto; nem eu. Mas, se um convite realmente tivesse sido feito, será que eu teria viajado à Líbia e passado algum tempo com ele e possivelmente conhecido seu pai e seus amigos? Será que teria ficado tentado por argumentos como: Estamos tentando desenvolver nossa economia e você pode realmente nos ajudar com seu conhecimento?
Em outras palavras, será que eu teria seguido os passos de vários de meus colegas de Harvard que foram à Líbia para trocar ideias e assessorar seu ditador e que foram pagos por seus serviços?
Esses acadêmicos vêm sendo condenados na mídia nas últimas semanas, por supostamente terem se aproximado de Gadafi. Howard Davies optou por renunciar como diretor da LSE, que outorgou a Saif seu doutorado (que alguns dizem ter sido plágio) e recebeu dinheiro do regime líbio.
Há um forte sentimento de que os acadêmicos e instituições que colaboraram com um regime tão condenável frequentemente, com o encorajamento de seus governos, sem dúvida sofreram um grave erro de juízo. A conduta sanguinária de Muamar Gadafi durante o levante contra seu governo revelou sua verdadeira face, independente da posição mais moderada dos últimos anos. E o recente apoio de Saif al-Islam a seu pai sugere que ele não é o reformista liberal que muitos o consideravam ser.
É muito mais fácil, no entanto, fazer esses julgamentos olhando em retrospectiva. As implicações morais de lidar com os Gadafi eram tão óbvias antes das revoluções árabes se espalharem pela Líbia? Ou para colocar a questão de forma mais ampla: É algo tão claro assim que os assessores devem sempre ficar afastados de regimes ditatoriais?
Universidades por todo o mundo se acotovelam para tentar aprofundar seu envolvimento com a China. A maioria dos acadêmicos não hesitaria em aproveitar uma chance para encontrar-se com o presidente da China, Hu Jintao. Não ouvi tantas críticas a respeito de tais contatos, que tendem a ser vistos como normais e não problemáticos. E, no entanto, poucos negariam que a China é um regime repressivo, que lida duramente com seus oponentes. As lembranças sobre a Praça da Paz Celestial ainda estão frescas. Quem poderia dizer como a liderança chinesa reagiria a uma futura manifestação pró-democracia que ameaçasse minar seu regime?
E um país como a Etiópia? Tive intensas discussões político-econômicas com o primeiro-ministro do país, Meles Zenawi, em Adis Abeba. Devo confessar que desfrutei dessas conversas mais do que na maioria dos encontros que tenho em Washington, DC, ou em outras capitais democráticas. Não tenho ilusões quanto ao compromisso de Meles com a democracia ou a falta de. Mas também acredito que ele tenta desenvolver sua economia e eu ofereço assessoria política porque acredito que isso pode beneficiar os etíopes comuns.
O impasse que os assessores de regimes autoritários enfrentam é similar ao antigo problema da filosofia moral conhecido como o dilema das mãos sujas. Um terrorista mantém várias pessoas reféns e te pede para entregar água e alimentos a eles. Você pode escolher pela autoridade moral e dizer nunca negociarei com um terrorista. Mas você terá deixado passar uma oportunidade para auxiliar os reféns. A maioria dos filósofos morais afirmaria que ajudar os reféns é a coisa certa a se fazer nesse caso, mesmo se ao fazê-lo também se ajude ao terrorista.
Mas escolher uma ação pelo bem comum não nos absolve da culpabilidade moral. Nossas mãos de fato ficam sujas quando ajudamos um terrorista ou um ditador. O filósofo político americano Michael Walzer explica bem a situação: É fácil ficar com as mãos sujas na política. Ele acrescenta de imediato, no entanto, que ficar com as mãos sujas dessa forma é frequentemente a coisa certa a se fazer.
No fim das contas, um assessor de líderes autoritários não tem como escapar desse dilema. Frequentemente, os líderes buscam esse envolvimento apenas para legitimar seu governo, caso no qual o assessor estrangeiro simplesmente deve afastar-se. Mas quando o assessor acredita que seu trabalho beneficiará àqueles a quem o líder de fato mantém reféns, ele tem o dever de não negar conselhos.
Mesmo nesse caso, ele deve estar ciente de que há um grau de cumplicidade moral. Se o assessor não sair da interação sentindo-se um pouco manchado e algo culpado, provavelmente não refletiu o suficiente sobre a natureza da relação.
Dani Rodrik é professor de Economia Política na Harvard University e autor de The Globalization Paradox (o paradoxo da globalização, em inglês).