Valor: Uma das discussões no Brasil, hoje, é o perigo de aceleração da inflação e como isso compromete o crescimento do país. Como o senhor vê essa relação?
Philip Arestis: Em termos gerais, entre inflação e crescimento do PIB há uma relação negativa, mas também existe uma relação positiva. Estudos importantes do Fundo Monetário Internacional sugerem que, quando a inflação não é maior do que dois dígitos (superior a 10%), essa relação é positiva. E quando há taxa de inflação maior do que isso, então a relação pode se tornar facilmente negativa. Nos países onde se dá o primeiro caso, deveria haver preocupação maior com outros elementos da economia, que importam mais do que a inflação, como o crescimento do PIB, aumento da taxa de emprego e a redução da taxa de desemprego, entre outros. Quando há inflação, por exemplo, acima de 20%, como ocorreu no Reino Unido nos anos 1970, o governo, naquele momento, adotou uma política que foi bem-sucedida por um período, de controle de aumento de salários e de preços.
Valor: E sobre o Brasil?
Arestis: No caso do Brasil, existe uma meta de inflação de 4,5%, podendo a taxa se situar dois pontos acima ou abaixo. Se for de 2,5% ou 6,5%, não há muito motivo para se preocupar. A inflação está hoje ligeiramente acima de 6,5%. Mas acho que a taxa de inflação no momento não é um problema sério, já que está abaixo de dois dígitos.
Valor: O senhor é crítico do regime de metas de inflação adotado por diferentes países....
Arestis: Acho que existem problemas com esse tipo de regime. Antes da crise financeira de 2007, os países que perseguiam metas de inflação pareciam ser bem-sucedidos. Mas os dados mostram: antes de agosto de 2007, países que não perseguiam metas de inflação estavam também indo bem, tão bem quanto os que perseguiam essas metas, e algumas vezes até melhor. Nossa conclusão é que, antes de agosto de 2007, a globalização, a influência da China e de outros países mantiveram a inflação baixa e sob controle.
Valor: Quais países que não perseguem metas de inflação neste momento merecem ser mencionados?
Arestis: Os Estados Unidos são o melhor exemplo. O ato de reforma do Federal Reserve (Fed), de 1977, não fala em metas de inflação, mas sugere que o banco central deve perseguir estabilidade de preços e, ao mesmo tempo, precisa se preocupar com o crescimento econômico, taxa de desemprego baixa e taxa de juros estável. Mesmo considerando que o Fed estipula a taxa de juros básica da economia, isso não é o mesmo que uma política de metas de inflação. A União Europeia é outro exemplo interessante. Embora exista uma meta de menos de 2% de inflação, também se dá atenção ao crescimento da oferta de dinheiro em circulação na economia. É uma informação adicional para a estabilidade no médio e longo prazos. Isso é um pouco diferente dos sistemas de metas de inflação puros.
Valor: O senhor recomenda que o regime de metas de inflação deve ser abandonado?
Arestis: Sim, e não sou o único a dizer isso. No regime de metas, há um único instrumento, que é a taxa de juros, e um único objetivo, que é a estabilidade de preços. Deveríamos ter uma coordenação entre política monetária e política fiscal e, aliada a isso, instrumentos de estabilidade financeira. Coordenação significa as autoridades monetárias e fiscais se orientarem por objetivos comuns. E é preciso ter mais objetivos do que simplesmente a estabilidade de preços, como o pleno emprego, que é muito importante, assim como o crescimento sustentável do PIB. Não sugiro que se ignore a inflação completamente, mas existe um ponto em que a inflação talvez não seja o grande problema que as pessoas acham que é. E, nesse caso, a meta de inflação não é o regime certo a ser usado.
Valor: Entre as lições importantes da crise está esse novo modo de tratar a macroeconomia?
Arestis: Antes de 2007, a economia e os bancos centrais de diversos países aceitavam o preceito teórico que nos deu o regime de metas de inflação, consubstanciado no que se passou a denominar "novo consenso macroeconômico". Segundo essa corrente de pensamento, deve haver apenas um objetivo da política macroeconômica [estabilidade de preços] e apenas um instrumento para isso [manipulação da taxa de juros]. O banco central deve mirar a taxa de curto prazo e a taxa de médio e longo prazos deve ser deixada para um ajuste do próprio mercado. Essa crença foi posta em xeque, porque o mercado às vezes produz problemas. O abandono do regime de metas de inflação, passando-se a ter mais instrumentos e mais objetivos, é provavelmente a melhor lição a extrair dessa experiência. Outra lição é que as autoridades devem se importar mais com a estabilidade financeira.
Valor: O que se deve entender por estabilidade financeira?
Arestis: A estabilidade procurada pode ser microprudencial, quando há preocupação com indivíduos e instituições específicas, ou macropudencial, quando nos preocupamos com todo o sistema financeiro. Essa preocupação, em particular, não existia antes de agosto de 2007. Mas alguns países têm levado isso mais a sério atualmente. O Banco da Inglaterra, por exemplo, criou o Comitê de Estabilidade Financeira, que se preocupa com o que ocorre com todo o sistema financeiro. Esse tipo de coordenação é muito mais importante do que uma meta de inflação. É importante para a estabilidade macroeconômica e para o crescimento. Se um país persegue apenas metas de inflação, não garante a estabilidade econômica. Prova disso é que, antes de 2007, por exemplo, autoridades do Fed diziam que vivíamos o período da Grande Moderação [fase de baixa volatilidade da economia americana, a partir dos anos 1980], e o presidente do Banco da Inglaterra afirmava que vivíamos em um período sem grande expansão da inflação, denominado Nice [sigla em inglês para "non-inflationary, consistently expansionary"]. De repente, em agosto de 2007, tivemos essa horrível instabilidade que deu inicio à crise, que ainda sofremos.
Valor: As autoridades monetárias e fiscais estão prestando mais atenção na estabilidade financeira depois da crise?
Arestis: Posso dar alguns exemplos. Nos Estados Unidos, de fevereiro ou março de 2008 até janeiro de 2009, houve tantos problemas com o setor bancário que o governo, o Fed e os comitês, no Congresso, estavam muito ocupados resolvendo os problemas dos bancos. Alguns estavam falindo, outros eram vendidos e houve tentativas do governo e do Fed de estabilizar o sistema financeiro porque perceberam a importância da estabilidade financeira geral. Sabiam que, sem ajuda e intervenção, instituições financeiras poderiam produzir não só outros problemas, como uma segunda recessão, ainda pior. No Reino Unido, a criação do Comitê de Estabilidade Financeira mostrou que as autoridades sabem que precisam colocar em evidência a estabilidade financeira. Os Estados Unidos produziram uma lista de mudanças que deveriam ser feitas para evitar outra crise dessa magnitude e elaboraram o Dodd-Frank Act, em 2010, que tem propostas para a estabilidade financeira. Mas não tenho visto muito mais esforços do que isso, nem nos Estados Unidos nem no Reino Unido. Temos evidências de que estão tentando, mas ainda não observamos mudanças reais e substanciais.
Valor: E por que é assim?
Arestis: Isso requer mudanças importantes. Mas tanto nos Estados Unidos quanto no Reino Unido o sistema financeiro não está feliz com essas alterações e produz argumentos contrários.
Valor: Se fossem implementadas, essas mudanças evitariam no futuro uma crise similar à de 2007?
Arestis: Não evitariam, mas seria melhor que fossem implementadas. Na minha opinião, deveriam ser feitas outras coisas, como separar mais detalhadamente as atividades de bancos comerciais das dos bancos de investimentos. Em 1933, o Glass-Steagall Act estabeleceu essa separação. Daí em diante, não houve problemas financeiros nos Estados Unidos, com apenas uma exceção, em 1965, quando um pequeno banco entrou em colapso. Nada parecido, portanto, com o que ocorreu entre 2007 e 2009. Devemos olhar mais para esse passado e aprender mais sobre o Glass-Steagall Act, revogado pelo presidente Bill Clinton em 1999.
Valor: Por que países ainda resistem e não abandonam a política de metas de inflação?
Arestis: Existe a crença de que o tamanho do setor público deve ser administrado por políticas que limitem a importância de seu papel na economia. Por trás disso está a ideia de que o setor privado é estável e o setor público, instável. Quanto menos o setor instável interferir no estável, menos problemas existirão. Se você deixar tudo para o setor estável, em suma, o mercado vai criar bem-estar. Muitas pessoas acreditam nessas hipóteses, o que pode explicar por que diferentes países preferem não usar política fiscal. Se for feita essa opção, os agentes econômicos, que são racionais e têm expectativas racionais - e sabem como a economia opera -, imaginam que vão pagar no futuro taxas maiores por causa de um aumento do déficit do governo no presente, em razão dos gastos maiores. Então, reduziriam seus gastos hoje, para pagar maiores impostos no futuro (necessários para cobrir o aumento do déficit público). Dessa forma, nada aconteceria em termos de impacto da política fiscal no crescimento econômico. Aquela racionalidade não é, porém, consensual. Muitos não acreditam que as pessoas são totalmente racionais e acreditam, claro, que o déficit do governo pode ser importante para ajudar nos problemas da economia, como o desemprego.
Valor: A política fiscal ficou em evidência com a crise, mas depois houve um certo ceticismo em relação ao seu uso...
Arestis: Na reunião do G-20 de abril de 2009, decidiu-se recomendar o uso da política fiscal para evitar mais consequências negativas da crise iniciada em 2007. Essa tentativa em particular nos salvou de uma segunda Grande Depressão [como a dos anos 1930] e só tivemos uma Grande Recessão. Mas, de repente, as pessoas decidiram que a política fiscal poderia não ser a forma certa de agir e isso teve a ver com mudanças nos governos de vários países, que elegeram presidentes mais conservadores. Em 2009, houve também algumas implicações do uso da política fiscal no crescimento do déficit dos governos, que decidiram passar a evitar esse caminho para reduzir o déficit. Mas acho que isso é um grande erro porque, como vemos hoje na Europa, existe uma área periférica, Grécia, Portugal, Espanha e Chipre, que está sofrendo muito por causa desse tipo de ideia.
Valor: Há outros exemplos, na história, que deveriam ser olhados, de governos que fizeram uso amplo da política fiscal?
Arestis: Em 1816, no Reino Unido, depois das Guerras Napoleônicas, chegou-se a uma relação dívida/PIB de 250%. As pessoas, naquela época, incluindo Adam Smith, defendiam o recuo imediato dos gastos. Mas o governo decidiu que continuaria a acelerar os gastos, sob o argumento de que a expansão da economia reduziria a dívida no futuro. Em 1865, houve de fato um crescimento econômico vigoroso e a dívida caiu de modo correspondente. Crescer é, provavelmente, a melhor forma de reduzir a relação dívida/PIB. Mais do que a austeridade.
Valor: O momento agora é de recuperação da Europa e dos Estados Unidos? O senhor diria que os países que compõem os Brics perderam uma oportunidade de crescer mais?
Arestis: Quando os Estados Unidos e a Europa estavam indo bem, os Brics iam bem. E eles ainda não sofreram tanto quanto a Europa ou os Estados Unidos. O Brasil tem crescido, ainda que a taxas menores. A China diminuiu seu crescimento, a Índia tem taxas menores agora e a Rússia teve alguns problemas, mas não são iguais aos problemas da Europa. Esses países têm dificuldades por causa da situação da Europa no momento e porque a China não tem se saído tão bem quanto poderia. Mas o nível de crescimento do PIB na Zona do Euro [de 0,3% no segundo trimestre do ano] não pode ser generalizado. O próximo indicador pode vir ruim. Há taxas de desemprego muito altas ainda em vários países. Na Grécia, por exemplo, está em 27%. Na Espanha, 26%. Claro que há um ou dois países que vão bem, como Alemanha e França, e que produzem aquele aumento do PIB regional. Mas, se olharmos bem o que ocorre na Europa, esse 0,3% não diz nada. Há sérios problemas que devem ser analisados mais de perto.
Fonte: Valor