quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Entrevista com Thomas Sargent

Valor: Quase cinco anos depois do colapso do Lehman Brothers, o desemprego nos EUA continua alto. Isso se deve a motivos cíclicos ou estruturais?

Thomas Sargent: Em parte pelos dois. Os EUA estão de acordo com um padrão empírico que mostra que recuperações de recessões acompanhadas por crises bancárias são muito mais lentas que recuperações de recessões "normais", não acompanhadas por crises bancárias. No entanto, questões estruturais provavelmente também contribuem para o lento declínio do desemprego. Um fator estrutural é que os EUA aumentaram a duração do benefício de desemprego de 26 semanas para um período muito maior. Embora seja compreensível como uma política de compaixão, estender a duração do seguro-desemprego tem efeitos adversos não desejados sobre os incentivos para trabalhadores desempregados buscarem e aceitarem empregos. Outros fatores estruturais talvez se devam à situação do mercado imobiliário, que torna difícil para as pessoas se mudarem de localidade.
Valor: Quais as melhores políticas para enfrentar o desemprego?

Sargent: Provavelmente algo na linha do que fez o governo de Gerhard Schroeder na Alemanha no começo dos anos 2000 ao pensar em caminhos para reduzir o desemprego estrutural, e evitar o seu surgimento. O desemprego estrutural é um problema muito mais custoso porque ele é persistente. Felizmente, os economistas e outras pessoas entendem muito mais do desemprego estrutural do que sobre o cíclico. Políticas que aumentam a flexibilidade do mercado de trabalho e que ajustam os incentivos dos subsídios públicos ao desemprego e incapacidade física são fundamentais aqui.

Valor: O Fed adotou uma política monetária muito expansionista nos últimos anos, com os juros básicos próximos de zero e uma política agressiva de compra de ativos. Ela é apropriada para o pós-crise?

Sargent: Essa é uma questão complicada por causa das teorias em que banqueiros centrais e economistas monetários confiam tanto para duvidar como para apoiar os programas de compras de ativos. Há um famoso "teorema" devido a Neil Wallace que diz que, sob algumas condições específicas, esses programas de compra de ativos são irrelevantes. Eles não fazem bem ou mal. Se você ler o discurso de Bernanke, na conferência do ano passado em Jackson Hole, o "teorema" de Wallace era um esqueleto no armário que o preocupava. Bernanke e outros defensores do afrouxamento quantitativo apontam para o que consideram violações das condições presumidas por Wallace. Mas se essas violações de fato ocorrem ou se aplicam é algo complicado de se verificar. Esse é o motivo pelo qual há espaço legítimo para debater e duvidar dessa política. Uma coisa curiosa sobre o debate é que, embora os defensores do afrouxamento quantitativo se distanciem do "teorema" da irrelevância de Wallace, na entrada do programa, eles frequentemente apontam para o teorema de Wallace quando descrevem uma "estratégia de saída". Se você ouvir com atenção às autoridades quando elas explicam por que eles não estão preocupados com a saída do QE, eles invocam partes do argumento da irrelevância de Wallace.

Valor: Muitos analistas, inclusive do FMI, veem muita consolidação fiscal no curto prazo nos EUA, e apontam a falta de uma trajetória crível no longo prazo. O sr. compartilha dessas visões sobre política fiscal ou acha que é o momento para apertar as contas públicas?

Sargent: Economistas simplesmente não sabem muito sobre os efeitos das diferenças do timing dos ajustes fiscais. Modelos que dizem oferecer um caminho detalhado sobre o timing não são estimados com precisão estatística suficiente para inspirar a nossa confiança. Nós sabemos muito mais sobre os efeitos de programas amplos. Economistas e autoridades que fazem afirmações sobre a política fiscal ser mais frouxa no curto prazo, mas mais apertada no longo, estão se arriscando intelectualmente. Mas talvez venda bem politicamente.

Valor: Nos últimos anos, houve discussões duras entre democratas e republicanos sobre o orçamento, elevando a incerteza sobre o panorama fiscal. Como isso afeta as expectativas de consumidores e empresários?

Sargent: Eu não sei. Políticas fiscais têm que ser factíveis e sustentáveis, independentemente do que as leis atuais de um país prometam. As leis americanas atuais fazem promessas que não são factíveis. Algumas delas terão que ser quebradas (por exemplo, alguns impostos serão elevados e/ou alguns gastos e programas sociais terão de ser cortados). Isso é certo. A incerteza é sobre quais benefícios serão reduzidos ou impostos serão aumentados.

Valor: Depois da crise, houve algum reforço da regulação financeira. Em que medida passos como a lei Dodd-Frank pode reduzir o risco de outra grande crise financeira?

Sargent: A lei Dodd-Frank é muito longa e complicada. Eu suspeito que a maior parte dos congressistas que a aprovaram não a leu, ou nem uma pequena parte dela. Muitas recomendações são vagas e ambíguas. É difícil saber quais efeitos a lei Dodd-Frank terá. No século XIX, o Congresso americano aprovou leis que tinham entre uma e cinco páginas. A Dodd-Frank tem 800 páginas, e muitas partes são difíceis de entender.

Valor: O Brasil tem hoje uma combinação de inflação alta, baixo crescimento e uma política fiscal considerada expansionista por muitos analistas. O sr. tem algum conselho para o ministro da Fazenda do Brasil, como o sr. já fez no passado [Sargent escreveu em 1986 e 1993 cartas abertas aos ministros da Fazenda brasileiros]?

Sargent: A minha política nos dias atuais é não dar conselho a outros países até que as autoridades fiscais do meu próprio país coloquem a casa em ordem. Conselhos sobre políticas fiscal e monetária vindos de um cidadão americano não são muito críveis hoje em dia.

Fonte: Valor