É uma pena que as coisas são um pouco mais complicadas que o retrato em branco e preto apresentado por Bresser Pereira, no artigo abaixo. O seu discurso, no entanto, não é muito diferente do discurso de outros membros da mesma geração da esquerda católica, ainda vagando, sem rumo, em um mundo pós-marxista.
Neste ano , devido à crise global, as taxas de crescimento dos países ricos serão fortemente negativas, as da América Latina serão moderadamente negativas e os países asiáticos continuarão a crescer, ainda que a taxas um pouco menores. Não há novidade nesse fato. Como os países asiáticos contam com nações e elites independentes, que adotam políticas econômicas segundo seus interesses nacionais e não segundo a recomendação dos países ricos, desde o fim da Segunda Guerra crescem muito mais que o Brasil e a América Latina.
Isso fica mais claro se eu contar uma pequena história. No século 16, enquanto os europeus colonizaram as Américas, na Ásia limitaram-se a estabelecer entrepostos comerciais porque as grandes civilizações asiáticas eram suficientemente poderosas para evitar a colonização. A Inglaterra e a França, porém, estavam em pleno processo de desenvolvimento capitalista e completaram sua Revolução Industrial no início do século 19. Assim, tornaram-se fortes o suficiente para, nesse século, reduzir a Índia e a China à situação de colônia formal (caso da Índia) ou informal (caso da China). Nos 150 anos seguintes, esses países, dominados pelo imperialismo, viram suas economias regredir fortemente e uma imensa pobreza dominar todo o continente. Enquanto isso, os países latino-americanos ganhavam independência da Espanha e de Portugal com o auxílio da Inglaterra.
Em agradecimento a essa ajuda desinteressada, nossas elites aceitaram para seus países a condição semicolonial. Entretanto, as nações latino-americanas contavam com um Estado para definir e implantar políticas nacionais, de forma que lograram algum crescimento. Em 1950, enquanto a Ásia apresentava níveis baixíssimos de crescimento, os países da América Latina tinham um razoável nível de renda por habitante, e alguns países, como o Brasil, estavam em plena industrialização.
Mas esse quadro mudaria nos 60 anos seguintes. Nos primeiros 30 anos, países como o Brasil e o México, que haviam alcançado alguma autonomia nacional, ainda lograram adotar políticas nacionais e se desenvolveram. Desde a grande crise da dívida externa dos anos 1980, porém, esses países, e principalmente o México, se dobraram ao Norte, voltaram à condição de países dependentes ou semicoloniais -agora subordinados aos EUA- e se submeteram às políticas neoliberais.
Enquanto isso, os países asiáticos cresciam a taxas aceleradas desde os anos 1950, primeiro com um modelo de substituição de importações, depois com um modelo voltado para as exportações, mas usando sua própria poupança, e, o que é mais importante, sua própria cabeça -sua própria visão do que é o interesse nacional. Em consequência, nestes últimos 30 anos os países asiáticos dinâmicos cresceram a taxas entre três e quatro vezes mais do que a América Latina. Cresceram porque suas elites asiáticas -em vez de "europeias" como as nossas- não se submeteram ao Norte. Cresceram porque adotaram políticas econômicas que neutralizavam as duas tendências que impedem o desenvolvimento econômico dos países em desenvolvimento: a tendência de os salários crescerem menos que a produtividade e a tendência à sobreapreciação da taxa de câmbio.
E assim vamos ficando para trás.
Nosso "consolo" é que os países ricos também estão ficando para trás, porque, como vimos nesta crise, acabaram se tornando vítimas da globalização financeira e das políticas neoliberais que nos recomendavam. Pobre consolo, triste pequena história do mundo.