Alexandre "eram os Deuses astronautas" tem razão: a tese que a apreciação do câmbio levará a desindustrialização não tem fundamento e é um grande equivoco de alguns desenvolvimentistas. Contudo, a apreciação do câmbio não é, naturalmente, um fato a ser celebrado, a situação inversa é a recomendada em qualquer processo de desenvolvimento econômico - vide ampla literatura sobre o tema -a questão é como obte-la e se de fato ela é tão fundamental no atual estágio da economia brasileira. Afinal, não estamos mais nos anos 50...
Começo este artigo algo constrangido. Voltar a temas que já visitei me parece falta de imaginação, mas, acredite, não é minha culpa. Se há -independentemente da avassaladora evidência empírica acumulada no período- quem ainda insista em teses rejeitadas pelos dados, só me resta continuar apontando as incongruências entre estas e a crua realidade.
Refiro-me, é claro, aos faniquitos sobre a taxa de câmbio. A acreditar no que certa corrente de economistas afirma, a apreciação do câmbio real nos levará a crescimento medíocre, desindustrialização e espinhela caída. Por outro lado, câmbio fraco curaria tudo, de unha encravada a coração partido.
Não é a primeira vez que ouvimos essa conversinha. Quem se interessar pode encontrar no meu blog um levantamento que fiz no começo do ano passado sobre afirmações de ilustres "keynesianos de quermesse" alertando sobre a iminente destruição do nosso parque industrial (maovisivel.blogspot.com/2008/02/cmbio-internacionalizao-e.html#comments) feitas em 2006 e 2007. O curioso é ouvi-la de novo, logo após a previsão ter se mostrado completamente errada pelo desenvolvimento do país nos últimos anos até a eclosão da crise.
De fato, o crescimento, não só da produção industrial, mas do PIB, acelerou-se consideravelmente até setembro de 2008. No que se refere à primeira, a taxa média de expansão em quatro anos atingiu algo como 4,5% ao ano, quase três vezes superior à registrada em períodos anteriores. Além disso, como já destacado aqui, o crescimento foi liderado pelos setores de maior intensidade exportadora, fenômeno difícil de conciliar com a afirmação acerca da influência negativa do câmbio sobre a atividade industrial.
É verdade que o melhor desempenho desses setores poderia resultar da maior demanda global por commodities, mas há dois fatos que sugerem não ser esse o motivo. Primeiro porque o peso de commodities nos setores mais e menos expostos à exportação é muito semelhante. Além disso, um exame mais detalhado do desempenho industrial nos últimos anos mostra predomínio de segmentos não produtores de commodities entre os que mais cresceram.
Observa-se também uma aceleração apreciável da produção de bens de capital para uso industrial, indicando aumento do investimento no setor. Vale dizer, enquanto certas lideranças do setor vaticinavam a decadência inevitável da indústria brasileira, os industriais propriamente ditos tratavam de modernizar e ampliar suas instalações, um desenvolvimento também incompatível com a noção de desindustrialização.
Por fim, se é verdade que houve queda da participação de manufaturados na pauta exportadora, tal queda não resultou da redução (ou desempenho medíocre) das exportações de manufaturados, que cresceram além do comércio internacional nos últimos anos (até a crise), mas sim da expansão excepcional dos produtos primário, impulsionados pelo aumento extraordinário dos preços internacionais de commodities.
Tiro disso duas conclusões. A primeira, mais simples, é que a tese da desindustrialização simplesmente não sobrevive ao confronto com os dados.
A segunda, mais importante, é que certas correntes de pensamento econômico local insistem em formular teses cuja correspondência com os fatos varia do tênue ao inexistente. Não à toa, têm se provado consistentemente equivocadas e continuarão a sê-lo até abandonar o apriorismo e mostrar um mínimo de respeito à realidade. Pelo que vejo, apenas o abuso de substâncias liberadas na Holanda poderia explicar o apreço incompreensível à tese da "doença holandesa".
Fonte: FSP