quarta-feira, 21 de julho de 2010

Ainda a questão fiscal....


Ótimo artigo do Martin Wolf do TF sobre a delicada questão fiscal. Ele apresenta os argumentos dos dois lados do debate.




Uma "década perdida" à la Japão ameaça o mundo desenvolvido. Isso é provável se todos fizerem um ajuste fiscal ao mesmo tempo.

Ajustar ou não ajustar - eis a questão. E é uma questão para a qual as autoridades de política econômica começaram a alterar suas respostas. Elas estão certas em fazê-lo? Esse é o assunto em questão nesta semana em artigos no "Financial Times", ecoando os ferozes debates dos anos 30. Se os argumentos a favor do ajuste fiscal estiverem corretos, deixar de promovê-lo traria choques financeiros e fiscais em alguns dos países mais importantes do mundo. Se os argumentos a favor do aperto forem falsos, a decisão de promovê-lo coloca em risco a recuperação econômica e pode desencadear mais choques financeiros.

Qual a posição das autoridades? A declaração divulgada após a reunião de cúpula do G-20 asseverou: "Há o risco de que ajustes fiscais sincronizados em várias economias importantes possam impactar adversamente a recuperação. Também há o risco de que falhar em adotar a consolidação (fiscal) onde for necessário corroa a confiança e obstrua o crescimento. Refletindo esse equilíbrio, as economias avançadas se comprometeram a planos fiscais que reduzirão os déficits pelo menos em 50% até 2013 e estabilizarão ou reduzirão as proporções entre dívidas e Produto Interno Bruto até 2016".

A linguagem é notavelmente mais cautelosa que a do encontro de cúpula de Pittsburgh, em setembro de 2009, onde ousadamente declarou-se: "Nos comprometemos hoje a sustentar nossa forte resposta de política econômica até que se assegure uma recuperação durável. Agiremos para assegurar que quando o crescimento voltar, o mesmo ocorra com os empregos. Evitaremos qualquer retirada prematura dos estímulos. Ao mesmo tempo, prepararemos nossas estratégias de saída e, quando o momento for oportuno, retiraremos nosso apoio de políticas extraordinárias de apoio de uma forma cooperativa e coordenada, mantendo nosso compromisso com a responsabilidade fiscal".

O que foi que mudou, então?

A primeira resposta é que a economia mundial se recupera com mais força do que se imaginava. Em abril de 2009, época da reunião de cúpula do G-20 em Londres, a previsão consensual era de crescimento econômico mundial de 1,9% em 2010. Em setembro passado, a taxa de expansão havia chegado a 2,6%. Em junho deste ano, a 3,5%. Nos EUA, o consenso das previsões para este ano era de 1,8%, em abril de 2009; 2,4%, em setembro passado; e 3,3%, em junho deste ano. Até para a região do euro, as previsões subiram um pouco, de 0,3%, em abril de 2009; para 1%, em setembro passado; e 1,1%, em junho de 2010.

A segunda resposta está na crise fiscal grega e de outros países periféricos da região do euro, reforçada pela eleição da coalizão de governo do Reino Unido. A fuga dos investimentos de risco foi drástica: em maio, o rendimento dos bônus governamentais gregos de dez anos chegou a um pico superior a 12%. Isso levou a um pacote de resgate do Fundo Monetário Internacional (FMI) e de outros países da região do euro, assim como à formação de uma nova linha de crédito de estabilização conjunta do FMI e da região do euro, de € 750 bilhões.

Os "cortadores" argumentam que déficits fiscais imensos desse tipo - nunca vistos antes em tempos de paz em grandes países desenvolvidos, mais notavelmente nos EUA - ameaçam a credibilidade fiscal de longo prazo, além de deprimir os gastos e a confiança privada. Embora agregar estímulos fiscais aos estabilizadores inerentes do sistema fazia sentido durante o pânico em 2008 e início de 2009, chegou o momento de uma rápida consolidação fiscal. De outra forma, nos aproximamos de uma disparada nos custos dos empréstimos, o que teria resultados desastrosos. A perda permanente de produção e receita deixada pela crise, somada ao envelhecimento das populações, torna inevitável e premente agir.

Os "postergadores" concordam que deve haver uma desaceleração decisiva do crescimento nos gastos de longo prazo. Enfatizam, no entanto, a fragilidade da recuperação e, em particular, os imensos superávits financeiros do setor privado. Essa frugalidade privada provocou os déficits fiscais, insistem, e não o contrário. A sequência de eventos torna isso evidente.

Além disso, acrescentam os postergadores, vivenciamos uma ampla fuga em direção à segurança: para os que têm mais pânico, não há alternativa a não ser os bônus de governos com altas classificações de crédito, particularmente o dos EUA, emissor da moeda mundial de segurança. Desde a crise da região do euro, esse papel do país fortaleceu-se. Além disso, as taxas de juros de longo prazo dos principais países estão em baixa, não em alta: nos EUA, as taxas dos títulos de dez anos do Tesouro estão em 3%. Onde está, então, a ameaça à confiança?

Os postergadores, ademais, poderiam acrescentar que, com taxas de juros próximas a zero, a política monetária é ineficiente, a não ser na medida em que sustenta o afrouxamento fiscal. Por sorte, os países com bancos centrais próprios podem financiar diretamente déficits fiscais. Isso não vale para os países da região do euro, que estão, na prática, operando com uma moeda estrangeira. Enquanto o excesso de capacidade continuar tão grande e os empréstimos bancários normais tão enfraquecidos, tal dependência em relação à "gráfica" do banco central não cria perigos inflacionários. Ao contrário, o perigo maior é que um aperto fiscal prematuro possa desencadear uma desaceleração econômica acentuada, como no Japão na década de 90, arremessando dessa forma economias importantes em uma deflação.

A interação de alto endividamento e deflação poderia, argumentam, criar uma espiral descendente. Uma "década perdida" à japonesa ameaça o mundo desenvolvido. Isso é particularmente provável se todos promoverem um ajuste fiscal ao mesmo tempo. Na verdade, precisa-se de mais afrouxamento: no primeiro trimestre de 2010, o PIB de todos os membros do grupo das sete principais economias ainda estava abaixo de seus níveis pré-crise.

Os leitores podem decidir-se sobre os méritos dos argumentos nesta semana. Minha forma de ver está fortemente ao lado dos postergadores. Em um ponto, entretanto, todos concordam: o debate é importante. Não podemos ter certeza sobre quem está certo. Mas podemos estar certos de que, se os responsáveis por formular as políticas agirem de forma errada, os resultados podem muito bem ser desastrosos. Os médicos precisam preparar-se para reagir com rapidez a reações adversas ao tipo de tratamento escolhido