quarta-feira, 16 de março de 2011

Martin Wolf e o Japão,

Martin Wolf, como sempre, uma leitura indispensável. Desta vez para entender, um pouco, o futuro da economia do Japão.


"Do que não se pode falar, é preciso ficar no silêncio". Assim o filósofo Ludwig Wittgenstein determinou limites a nosso discurso. Sobre o sofrimento e ansiedade de seres humanos fustigados pelas forças da natureza, não escreverei. Persiste, no entanto, a necessidade de avaliar as consequências para o Japão e o resto do mundo.

Se há alguma civilização acostumada a tais tragédias, essa é a japonesa. Seu povo vai superar. Uma questão maior é saber se o que emergirá da tragédia será algo mais positivo.

Quais são, então, as consequências econômicas de uma calamidade dessa escala? Mais diretamente, tal tragédia destrói a riqueza e desestabiliza a economia. É notável, neste caso, o impacto da calamidade nas atitudes em relação à indústria nuclear mundial. Os prejuízos terão de ser compartilhados entre os que os sofreram diretamente e as seguradoras, tanto privadas como públicas. Depois, virá uma onda de reconstrução, que realocará os gastos e, em tempos de vagarosidade econômica, provavelmente também os aumentará. Esse impacto nos gastos vai, por sua vez, afetar as posições fiscal e monetária do país, além da balança externa.

Tudo isso está claro, qualitativamente. É bem mais difícil fazer estimativas quantitativas razoáveis, até porque há uma crise nuclear em andamento. O Goldman Sachs, em sua maneira minuciosa, divulgou estimativa em torno a 16 trilhões de ienes (US$ 198 bilhões) para o custo total de danos a prédios, instalações produtivas e assim por diante. É 1,6 vez o valor da destruição provocada pelo terremoto de Hanshin, em 1995. Se a soma estiver correta, o custo será de 4% do Produto Interno Bruto (PIB) e de menos de 1% da riqueza nacional. O mercado acionário japonês, no entanto, perdeu US$ 610 bilhões desde sexta-feira, 12% do PIB - provavelmente uma reação exagerada.

A desestabilização econômica desta vez será mais grave do que em 1995, em parte, pelas interrupções da energia elétrica. Muito dependerá da duração dessas interrupções. Se continuarem até o fim de abril, argumenta o Goldman Sachs, o declínio no PIB real no segundo trimestre deverá ser seguido por uma recuperação no terceiro trimestre. Se continuarem por todo o ano, o PIB deverá contrair-se em 2011.


De qualquer forma, parece extremamente improvável que o impacto será da mesma magnitude que o da crise financeira mundial, que derrubou o PIB do Japão em 10% entre os primeiros trimestres de 2008 e 2009, o maior declínio dentro do G-7, grupo dos sete principais países de alta renda. O impacto, desta vez, certamente será bem menor.

O golpe nas seguradoras será grande. Estimativas iniciais para a cobertura das perdas vão de US$ 10 bilhões a US$ 60 bilhões. Essas previsões vêm sendo elevadas constantemente. Poderá ser um dos desastres mais caros da história. Além disso, segue-se a dois grandes terremotos na Nova Zelândia e às enchentes na Austrália. O setor mundial de seguros será colocado à prova. Os governos, no entanto, são as seguradoras de última instância. Isso também será verdade no Japão. O setor bancário também perderá dinheiro. Os números das perdas, contudo, sugerem que não serão muito difíceis de superar.

Os gastos fiscais relacionados ao terremoto de Hanshin totalizaram 5,2 trilhões de ienes (US$ 64 bilhões) ao longo de cinco anos. Se o custo para o governo com o terremoto atual chegar a 1,6 vez o custo anterior, o total ficaria em torno a US$ 100 bilhões, o que representa 2% do PIB ou uma media anual de 0,4% do PIB em cinco anos. Também haverá algum impacto nas receitas fiscais. É cedo demais para ter confiança nesses números. Ainda assim, as somas são pequenas demais para ter qualquer influência significativa na solvência fiscal.

Previsões da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) colocam a dívida bruta governamental em 204% do PIB no fim deste ano e o endividamento líquido em 120%. O déficit fiscal do governo é previsto em 7,5% do PIB neste ano. Contra esses números, os custos esperados com a reconstrução pós-terremoto parecem quase uma bagatela. Além disso, o impacto de curto prazo de qualquer aumento nos gastos deverá ser benigno. No quarto trimestre de 2010, o PIB ficou 4% abaixo do nível em que estava no primeiro trimestre de 2008. Há espaço substancial para aumentos na demanda e elevações correspondentes na produção.

Algumas pessoas, olhando de fora, se perguntam se o governo do Japão pode arcar com gastos adicionais. Eles precisam fazê-lo: O Japão pode e inquestionavelmente pagará essas somas relativamente modestas. O setor privado japonês possui superávit financeiro grande o suficiente para cobrir o déficit do governo e exportar capital substancial ao exterior. O Japão, como um todo, é o maior credor mundial, com ativos externos líquidos equivalentes a 60% do PIB. Em resumo, os ativos do setor privado japonês excedem amplamente os passivos do setor público.

A dívida do governo é uma forma de o Japão dever dinheiro a si mesmo. Em algum ponto, sem dúvida, a dívida se transformará em tributação, seja aberta ou encoberta (esta última na forma de inflação e reduções no valor das dívidas governamentais japonesas). Como o total de arrecadação do governo ainda é de apenas 33% do PIB, elevar os impostos não deverá ser realmente complicado. A ideia de que o governo se depara com uma iminente crise fiscal me soa demasiado bizarra.

O banco central tem um papel importante a desempenhar na provisão de liquidez, o que vem fazendo. À medida que o capital japonês volte para casa, o iene se valorizará. As autoridades deveriam responder a isso tentando mantê-lo baixo. Minha visão de longa data é a de que nunca se deveria ter permitido o iene subir tanto. Se isso tivesse sido cumprido com determinação, teria detido a deflação.

Enquanto isso, o governo tem a oportunidade de unir o país em torno a um programa de reformas e de fortificação. O foco de tal programa não seriam esforços para elevar o crescimento da produtividade. Desde 1990, a produção japonesa por hora subiu tanto quanto a dos Estados Unidos. Um problema maior para o Japão é o superávit da poupança das empresas. Uma política que encorajasse as empresas a distribuir entre os acionistas bem mais de seus lucros ajudaria. Se isso ocorresse, os planos para cortar os déficits fiscais no longo prazo também funcionariam.

É na adversidade que um país mostra sua bravura. Os japoneses, certamente, farão exatamente isso nesta ocasião. Cabe aos líderes acompanhar a valentia do povo. Se tiverem capacidade de fazê-lo, a partir do grande desastre talvez ainda esteja por vir a ressurreição.

Fonte: Valor