terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Controversia sobre o PIB


A resposta do Considera ao artigo do Chico Lopes. Esta controversia ainda vai longe...



A produção de estatísticas acarreta, muitas vezes, reações contrárias entre os seus usuários, todas elas previsíveis: governo, analistas independentes e a oposição se rebelam, descontentes com eventuais diferenças entre o que haviam previsto e a realidade medida pelo IBGE. Uma vez mais esse script se materializou quando foram anunciados os resultados das contas nacionais do terceiro trimestre deste ano, revelando uma taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) bastante inferior àquela prevista por todos. O erro do IBGE, desta vez, teria sido na mensuração do produto das instituições financeiras que se reduziu em 1,3% no terceiro trimestre comparado com o segundo, acarretando assim um crescimento do PIB de apenas 0,6%, e não de 1,2% como fora previsto.

Antes de explicitar tecnicamente o cálculo do produto das instituições financeiras e porque ele está correto e erradas estão as críticas, é interessante olhar com atenção e de forma abrangente os resultados divulgados pelo IBGE: eles indicam que das 12 atividades medidas no PIB, quatro tiveram quedas em relação ao trimestres imediatamente anterior e oito cresceram, com destaque para a agropecuária (+2,5%) e para a indústria de transformação (+1,5%). O destaque negativo foi o das instituições financeiras (-1,3%). Desnecessário lembrar que nos últimos meses a sociedade brasileira se habituou às críticas da presidente Dilma Rousseff à elevada taxa Selic, aos elevados spreads bancários, à elevada rentabilidade do setor bancário e às altas tarifas cobradas pelos bancos. Todos esses indicadores sofreram queda e, em consequência, a rentabilidade das instituições financeiras reduziu-se. O IBGE revelou que o PIB dessas instituições desabou. Por que a surpresa? O governo entregou o que corretamente prometeu.

Com a queda da taxa Selic, o real se desvalorizou, as importações caíram, o consumo das famílias cresceu, o produto da indústria de transformação cresceu; a despeito da limitação do consumo como fator de crescimento de longo prazo, o crescimento do produto industrial é um objetivo desejável. Uma boa surpresa, mas sem destaque pelos analistas.

Com a queda da taxa Selic, as taxas de juros domésticas se reduziram, mas diferentemente do desejado, o investimento não cresceu. O ambiente de negócios é ruim, o governo tem forte viés estatizante, as privatizações ou as concessões não deslancham frente ao excessivo controle exigido pelo governo. Em consequência a formação bruta de capital fixo tem caído há cinco trimestres. Há alguma razão para a surpresa?

Surpreendente é o espanto dos analistas com a queda dos serviços de intermediação financeira, apontado como um erro de medida do IBGE. O produto das instituições financeiras é medido pelo IBGE de acordo com as recomendações internacionais, o que o torna coerente quando comparado no tempo e com os demais países. Segundo a metodologia do IBGE, pública e disponível no seu site, o produto das instituições financeiras compõe-se de: serviços auxiliares (serviços de apoio), remunerações diretas (tarifas bancária) e da remuneração indireta (ganhos das atividades financeiras), denominada Serviços das Instituições Financeiras Indiretamente Medidos (Sifim). Sobre este último, que representa 50% do total, reside a discórdia: seu índice de volume é medido indiretamente a partir da soma dos valores da conta do ativo - operação de crédito (empréstimos) -, e a do passivo - depósitos - deflacionada pelo índice de preços (deflator do PIB). Por sua vez, o valor da produção desse serviço em valores correntes é obtido, nas contas trimestrais, pela diferença entre as receitas das operações que geram rendimento financeiro e as despesas financeiras.

Para reduzir a volatilidade dos ativos e passivos considerados nesse cálculo, a norma internacional é considerar seus estoques ao final de cada trimestre. Portanto, o índice de volume é estimado deflacionando-se o valor corrente do total dos estoques por um índice de preços (deflator do PIB), obtendo-se assim o "valor total dos estoques a preços constantes do ano anterior". Estima-se o índice de volume pela razão do valor dos estoques a preços do ano anterior e o valor corrente dos estoques no ano anterior.

A alternativa sugerida nos últimos dias na imprensa para a estimativa do índice de volume do SIFIM expande o conceito de depósitos considerado no Sistema de Contas Nacionais, substituindo-o por um conceito mais amplo, que é o agregado monetário M4. Neste agregado, além dos depósitos considerados nas contas nacionais, tais como, depósitos à vista, de poupança, a prazo etc. (operações de captações - passivo - dos bancos) estão incluídos, também, as quotas de fundos de investimentos, as operações compromissadas registradas no Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), títulos federais, estaduais e municipais em poder do público, dentre outras. Já na parte das aplicações (ativo) apenas as operações de crédito são consideradas. Com tal procedimento, haveria o descasamento entre as operações ativas e passivas. Ou seja, para considerar o M4 como proposto, outras operações ativas correlatas deveriam ser consideradas, como títulos e valores mobiliários e aplicações interfinanceiras de liquidez, por exemplo.

O IBGE, coerente e corretamente, não utiliza o M4. A estimativa do IBGE do valor da produção das instituições financeiras a preços correntes e constantes está absolutamente dentro das normas internacionais. O problema não está na medida do PIB. O problema de fato é estabelecer um ambiente de negócios que desperte o "espírito animal" dos empresários. A discussão que se deve levar adiante é sobre os determinantes do investimento, já que sem ele o Brasil vai continuar crescendo pouco.

Claudio Monteiro Considera é professor da Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense, pesquisador associado do Ibre/FGV e ex-chefe do Departamento de Contas Nacionais (atual CONAC) do IBGE.

Fonte: Valor