Martin Wolf levanta questões importantes sobre política monetária, entre as quais um conhecido tabu. Vale, como sempre, a leitura.
"Não é o que você não sabe que te coloca em apuros. É o que você tem certeza que sabe, mas na verdade não sabe." O comentário de Mark Twain se aplica bem às políticas monetária e bancária. Alguns têm certeza de que as economias ocidentais sofrem de excesso de dinheiro. Enquanto isso, formuladores de políticas ortodoxas acreditam que a maneira certa de reanimar as economias é forçar o aumento dos gastos privados. Quase todos concordam que o financiamento monetário dos governos é letal. Essas crenças são, todas, falsas.
Quando argumentam que a política monetária já está demasiado frouxa, os críticos apontam para as taxas de juros excepcionalmente baixas e para a expansão do balanço patrimonial dos bancos centrais. Ainda assim, o próprio Milton Friedman, decano entre os economistas monetários do pós-guerra, argumentou que só a quantidade de moeda importa.
Indicadores da base monetária ampliada estão estagnados desde o início da crise, apesar das taxas de juros ultrabaixas e do alto crescimento dos balanços dos bancos centrais. Os dados sobre a base monetária "divisia" (uma forma bastante conhecida de agregar os componentes da base monetária ampliada) computados pelo Center for Financial Stability, em Nova York, mostram que em dezembro de 2012 a base monetária ampliada (M4) era 17% menor do que no período 1967-2008. Os Estados Unidos sofrem de falta, não de excesso.
Como Claudio Borio, do Banco de Compensações Internacionais (BIS), disse em recente estudo, "The financial cycle and macroeconomics: what have we learnt?" (o ciclo financeiro e macroeconômico: o que aprendemos?, em inglês), os "depósitos não são doações que precedem a formação de crédito; são os empréstimos que criam os depósitos". Portanto, quando bancos deixam de emprestar, os depósitos ficam estagnados. No Reino Unido, a contraparte de créditos M4 no fim de 2012 era 17% menor do que em março de 2009.
Os que estão convencidos da iminência da hiperinflação acreditam que os bancos expandem seus empréstimos como resposta direta ao que têm em suas reservas nos bancos centrais. Pelo padrão-ouro, as reservas são, de fato, limitadas. Os bancos precisam supervisioná-las com grande cuidado.
Sob o regime de moeda fiduciária (ou seja, moeda feita pelo governo), no entanto, a oferta de reservas é potencialmente infinita. É claro, os bancos centrais podem fingir que as reservas são limitadas. Na prática, contudo, os bancos centrais vão oferecer reservas sem limites a qualquer banco solvente (e, como vimos, aos insolventes também). Expandir as reservas bancárias não é uma forma perigosa de ampliar os créditos, é uma forma ineficiente.
Em circunstâncias normais, empréstimos bancários reagem a mudanças nas taxas de juros determinadas pelos bancos centrais. Como Adair Turner, presidente da Autoridade de Serviços Financeiros (FSA, órgão regulador do mercado financeiro britânico), argumentou em importante palestra na semana passada, "Debt, Money and Mephistopheles" (dívida, dinheiro e Mefistófeles), essa alavanca está quebrada.
A resposta das autoridades monetárias é tentar, com ainda mais empenho, levar o setor privado a conceder empréstimos e a gastar. Os bancos centrais podem de fato empurrar os preços do bônus, ações, moedas e outros ativos até as alturas e, com isso, estimular os gastos privados. Como defende Turner, no entanto, o custo dessa abordagem pode se revelar elevado. Há o "risco de que, ao se buscar escapar da armadilha da desalavancagem criada pelos excessos passados, possamos construir vulnerabilidades futuras". William White, ex-economista-chefe do BIS, expressou preocupação similar no estudo "Ultra Easy Monetary Policy and the Law of Unintended Consequences" (política monetária ultrafrouxa e a lei das consequências inesperadas), em 2012.
Há alternativas. Como destaca Turner, um grupo de economistas da University of Chicago respondeu à Depressão defendendo o corte do laço entre oferta de crédito ao setor privado e criação de dinheiro. Henry Simons foi o principal proponente. A ideia, no entanto, também foi apoiada por Irving Fisher, da Yale University, assim como por Friedman em "A Monetary and Fiscal Framework for Economic Stability" (um arcabouço monetário e fiscal para a estabilidade econômica), publicado em 1948.
A essência do plano era garantir 100% dos depósitos por títulos de dívidas públicas. Esse esquema, argumentavam, eliminaria a instabilidade do crédito e das dívidas privadas, reduziria drasticamente a dívida pública e eliminaria em grande parte os muitos defeitos de formas atuais de dívidas privadas. "The Chicago Plan Revisited" (o plano de Chicago revisitado), um recente estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI), conclui que o esquema de fato traria esses benefícios.
Não precisamos ir tão longe. Mas o plano ainda nos traz dois pontos importantes.
Primeiro, é impossível justificar a ideia convencional de que a moeda fiduciária deveria operar quase exclusivamente por meio do sistema atual de captação e concessão privada de empréstimos. Por que uma moeda criada pelo governo deveria ser usada predominantemente para garantir o dinheiro criado pelos bancos como subproduto de concessões de crédito muitas vezes irresponsáveis? Por que é bom apoiar a alavancagem de propriedades privadas, mas não o fornecimento de infraestrutura pública?
Segundo, nas atuais circunstâncias, quando expandir o crédito e os gastos privados é tão arriscado, é forte a justificativa em favor do uso do poder do Estado para criar crédito e dinheiro para sustentar os gastos públicos. O volume de dinheiro adicional dos bancos centrais necessário certamente seria menor que o de hoje com a escopeta do afrouxamento quantitativo. Por que não se valer do financiamento monetário para recapitalizar bancos comerciais, construir infraestrutura ou cortar impostos? A justificativa para que déficits fiscais facilitem a desalavancagem privada, sem uma expansão exagerada na dívida pública, certamente também é forte.
O que torna essa política tão forte é a combinação de gastos fiscais com expansão monetária: os keynesianos gostariam dos gastos; os monetaristas, da expansão. Desde que a decisão sobre o tamanho do financiamento fique nas mãos dos bancos centrais e estes, por sua vez, estejam atentos ao impacto da política na economia, isso não precisaria nem gerar uma inflação elevada, muito menos hiperinflação.
Pessoas precisam passar por tratamentos perigosos contra o câncer. O resultado, mesmo assim, pode ser a cura. Como destaca Turner, "o Japão deveria ter promovido certo financiamento direto monetário nos últimos 20 anos e, se o tivesse feito, agora teria um Produto Interno Bruto nominal maior, [teria] certa combinação de nível mais alto de preços com nível mais alto de produção real e [teria] um endividamento menor em relação ao Produto Interno Bruto". A política convencional acabou se revelando perigosa. Se isso vale também para os países hoje em apuros é algo passível de discussão. Mas a ideia de que nunca é certo reagir a uma crise financeira com financiamento monetário de um déficit fiscal conscientemente ampliado - em resumo, o "dinheiro do helicóptero" - é errada. Simplesmente, é algo que precisa fazer parte da caixa de ferramentas. (Tradução de Sabino Ahumada)
Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT
Fonte: Valor