segunda-feira, 13 de maio de 2013

Dani Rodrik: Para que servem os economistas?



Rodrik tem razão: "infelizmente, economistas raramente são humildes, especialmente, em público."





Quando as apostas são altas, não é surpresa que oponentes políticos se aproveitem de qualquer apoio que possam arregimentar entre economistas e outros pesquisadores. Foi o que ocorreu quando políticos conservadores dos Estados Unidos e autoridades da União Europeia valeram-se do trabalho de dois professores de Harvard - Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff1 - para justificar sua defesa de uma maior austeridade fiscal.

Reinhart e Rogoff publicaram um estudo2 que parecia mostrar uma obstrução significativa ao crescimento econômico quando os níveis de dívida pública estavam acima de 90% do Produto Interno Bruto (PIB). Então, três economistas da University of Massachusetts, em Amherst, fizeram o que os acadêmicos supostamente deveriam fazer de forma rotineira: replicar o trabalho de seus colegas e submetê-lo a críticas.

Além de um erro relativamente menor de cálculo na planilha eletrônica do estudo, eles identificaram algumas escolhas metodológicas no trabalho original de Reinhart/Rogoff que colocaram em dúvida a solidez dos resultados. Ainda mais importante, as evidências de que haveria tal limite de 90% mostraram-se bastante fracas. E, como muitos argumentaram, a própria correlação poderia ser resultado de baixo crescimento provocando alto endividamento, em vez de uma correlação na direção contrária.
Reinhart e Rogoff contestaram com firmeza as acusações3 feitas por muitos comentaristas de que foram participantes dispostos - se não de forma intencional - a entrar no jogo de enganação política. Eles defenderam seus métodos empíricos e insistiram em não ser "falcões do déficit" - defensores de uma linha dura contra as contas públicas negativas -, como seus críticos os retrataram.

A tempestade resultante acabou por deixar em segundo plano o que foi um processo salutar de escrutínio e refinamento da pesquisa econômica. Reinhart e Rogoff rapidamente admitiram o erro que cometeram no Excel. As análises duelistas esclareceram a natureza dos dados, suas limitações e a diferença que métodos alternativos de processá-los tiveram para os resultados. No fim das contas, Reinhart e Rogoff não estavam tão longe de seus críticos, tanto em termos do que as evidências mostraram como em termos das implicações para as políticas econômicas.

O ponto positivo, então, nesse ruidoso embate foi o fato de ter mostrado que as ciências econômicas podem ter progressos valendo-se das regras da ciência. Não importa a distância dos pontos de vista políticos, os dois lados compartilharam uma linguagem comum sobre o que constitui uma evidência e - em grande parte - uma abordagem comum para resolver as diferenças.

O problema é outro. É a forma como economistas e suas pesquisas são usados em debates públicos. O caso Reinhart/Rogoff não foi apenas uma discussão de minúcias acadêmicas. Como o marco de 90% tornou-se uma bandeira política, sua posterior desconstrução também ganhou significado político mais amplo. Reinhart e Rogoff, apesar de seus protestos, foram acusados de proporcionar uma justificativa acadêmica para um conjunto de políticas para as quais havia, na verdade, evidências limitadas de suporte.
Uma solução que não daria certo seria que os economistas tentassem adivinhar como suas ideias serão usadas no debate público e com base nisso passem a moldar seus comentários públicos. Por exemplo, Reihart e Rogoff poderiam ter minimizado a importância de seus resultados para evitar que fossem usados de forma inadequada. Poucos economistas, contudo, têm a sintonia fina suficiente para ter uma ideia clara dos desdobramentos políticos futuros. Além disso, quando economistas ajustam suas mensagens para adaptá-las ao público o resultado é o oposto do pretendido: rapidamente perdem credibilidade.

Vejamos o que ocorre no comércio exterior, campo em que essas pesquisas adaptadas ao público são prática estabelecida. Por receio de fortalecer os "bárbaros protecionistas", economistas especializados em comércio exterior têm propensão a exagerar os benefícios do comércio e minimizar as questões de distribuição e outros custos. Na prática, isso faz seus argumentos serem aproveitados por grupos de interesse na outra ponta - conglomerados internacionais que buscam manipular as regras de comércio em benefício próprio. Como resultado, economistas raramente são vistos como agentes honestos no debate público sobre a globalização.

Economistas, entretanto, deveriam combinar honestidade quanto ao que suas pesquisas dizem com honestidade quanto à natureza inerentemente condicional do que se transmite como sendo evidência em sua profissão. As ciências econômicas, diferentemente das ciências naturais, raramente geram resultados definitivos. Em primeiro lugar, todo raciocínio econômico é contextual; existem tantas conclusões quanto existem circunstâncias possíveis no mundo real. Todas as proposições econômicas são proposições condicionais. De forma correspondente, descobrir qual solução funciona melhor em determinado cenário é mais uma arte do que uma ciência.

Nas palavras4, memoráveis, do economista-chefe do Banco Mundial, Kaushik Basu, "algo que os especialistas sabem, e que os não especialistas não sabem, é que sabem menos do que os não especialistas pensam que eles sabem". As implicações vão além de meramente não alardear demais qualquer resultado em particular de uma pesquisa. Jornalistas, políticos e o público em geral têm tendência a atribuir ao que os economistas dizem uma autoridade e precisão maiores do que os próprios economistas deveriam realmente aceitar. Infelizmente, economistas raramente são humildes, especialmente, em público.

Há outro ponto que o público deveria saber sobre economistas: é sua esperteza, e não sabedoria, que faz carreiras avançarem. Professores nas principais universidades não se distinguem por estar certos sobre o mundo real, mas por desenvolver evidências originais ou elaborar reviravoltas teóricas imaginativas. Se essas habilidades também os tornam observadores perspicazes da sociedade real e lhes conferem um bom poder de discernimento, provavelmente é por mero acaso.

Dani Rodrik, professor de Economia Política Internacional na Universidade de Harvard

Fonte: Valor