terça-feira, 14 de maio de 2013

Nakano, Câmbio: o longo prazo já começou


Cotado para ficar no lugar do Barbosa, o que seria estranho, já que neste caso seria na pratica o Ministro da Fazenda, Nakano volta com seu conhecido samba de uma nota só: o câmbio. Ele não menciona o valor que considera adequado, mas não ficaria surpreso se fosse em torno de 3 reais.


A taxa real de câmbio é sem dúvida o preço relativo macroeconômico vital e estratégico, particularmente para as economias emergentes. Veja a solidez da economia alemã e a recuperação da economia americana, entre os desenvolvidos, fatos que têm muito a ver com a prática de taxa real de câmbio competitiva. Entre os emergentes, também são exemplos a China e India que, nos últimos anos, dirigiram suas políticas cambiais para o desenvolvimento.

O cenário futuro destes países contrasta com o do sul da Europa e do Brasil, que descuidaram da taxa real de câmbio.

A taxa nominal de câmbio pode ser convertida num instrumento de política de crescimento, como agora no Japão, seguindo os Estados Unidos e a Europa, que acaba de fazê-lo. Nestes casos, em vez de intervir no mercado de câmbio, foi utilizada uma política monetária ultraexpansionista para depreciar a taxa. Todavia, é importante salientar que a taxa real de câmbio é resultado de um conjunto de medidas e depende de outras variáveis. É a gestão desse conjunto que pode tornar o país competitivo e, portanto, colocá-lo em uma trajetória de crescimento.


Destoando do conjunto de países mencionados acima, o Brasil se destaca por fazer o inverso. Permite enorme instabilidade cambial, portanto, dos preços relativos de "tradables" versus "non tradables" e da relação câmbio versus salário (margem de lucro dos "tradables"), de forma que gerou duas fortes ondas de desindustrialização e cristalizou uma nova estrutura produtiva, favorecendo o setor de serviços, cuja expansão não tem grande impacto no crescimento, mas influencia a inflação.

Trata-se do futuro, que parece não preocupar ninguém a não ser o autor destas linhas que, no entanto, tem a obrigação de alertar para o fato. O problema é muito mais grave no longo prazo. Basta ver a tendência de déficit crescente de transações correntes que os longos anos de câmbio apreciado já gerou. Isso está ocorrendo com a economia em semiestagnação, imagine se estivéssemos crescendo.

Portanto, inevitavelmente, em algum momento no futuro, a taxa de câmbio terá que se ajustar para equilibrar as transações correntes do país. Num cálculo muito conservador, o "Observatório de Taxa de Câmbio da FGV/EESP" estimou que a taxa real efetiva de câmbio de longo prazo de equilíbrio, em 2012, deveria ser 22% mais depreciada que a vigente naquele período. Observe-se que essa taxa seria aquela que teoricamente traria o equilibrio externo, no longo prazo, determinado pelos fundamentos da economia, considerando, inclusive os efeitos dos termos de troca. Nada diz sobre o ajuste temporal do câmbio.

Sabemos pelas experiências anteriores que as exportações levam pelo menos dois anos para começar a responder à mudança na taxa de câmbio, portanto, um período muito maior, tudo mais constante, para equilibrar as transações correntes do país. Mas lembre-se que a taxa de câmbio tem que ser estável e sustentável no longo prazo para o empresário responder com esforço exportador e novos investimentos.

Neste ano, o déficit em transações correntes piorou, bem como os termos de troca. Portanto, conservadoramente, a taxa de câmbio deveria ser depreciada em pelos menos 20% hoje e os exportadores convencidos de que o novo patamar vai se sustentar para que eles comecem a reagir. Se tudo isso ocorrer, em quatro ou cinco anos será invertida a tendência atual e, eventualmente, reequilibrada as transações correntes.

Sabemos que nada disso acontecerá pois a economia brasileira está presa ao curto prazo. Para neutralizar os seus impactos inflacionários, a desvalorização do real teria um custo de ajuste fiscal que certamente a elite política e os partidos de sustentação não estão dispostos a arcar neste momento.

Dessa forma, em algum momento no futuro, o "mercado" se encarregará de ajustar o câmbio, como aconteceu com a crise do balanço de pagamentos de janeiro de 1999. É verdade que temos hoje mais de US$ 370 bilhões em reservas cambiais que postergarão eventual crise. Mas não a evitarão. A duração dessas reservas e seu impacto sobre a taxa de câmbio dependerão do montante de ativos líquidos à disposição dos agentes econômicos. Se somarmos aos depósitos à vista e outras aplicações líquidas nos bancos as aplicações no mercado aberto, facilmente ultrapassaremos o valor das reservas cambiais. Uma vez criada a desconfiança de que uma depreciação se tornou necessária, ela se tornará inevitável. Todo agente racional para se defender terá que correr para o dólar para defender seu patrimônio.

É bom lembrar também que nesse tipo de desvalorização cambial sempre ocorre um "overshooting" - talvez necessário para rapidamente reduzir as importações e dar o empurrão inicial às exportações. Há aparentemente uma certa racionalidade nesse 'overshooting", a de cobrir o chamado "custo Brasil". Tomando apenas o diferencial que as empresas localizadas no Brasil pagam a mais em comparação com nossos principais parceiros comerciais só em impostos, capital de giro e tarifa de energia, chegamos a 20% do preço, sem considerar o custo direto e indireto da infraestrutura precária. Sei que ninguém se preocupa com o longo prazo, mas não custa alertar que ele já começou.

Yoshiaki Nakano

Fonte: Valor