segunda-feira, 10 de junho de 2013
David Kupfer:Dilemas da gestão macroeconômica
Kupfer foi muito feliz na analise dos dilemas colocados pela taxa de câmbio. Vale a leitura...
Após duas décadas no limbo, começam a se avolumar sinais de que a taxa de câmbio está entrando na esfera das prioridades da política macroeconômica. Para muitos analistas, o dólar atual na casa de R$ 2,10 não se mostra apreciado o suficiente para frear a inflação nem depreciado o necessário para estimular o investimento e as exportações líquidas. Predomina uma curiosa sensação de que, mesmo que ninguém saiba exatamente onde o câmbio está, todos têm a certeza de que ele está fora de lugar. Segundo os ditames dos manuais de economia, um consenso dessa natureza seria suficiente para colocar a taxa de câmbio em movimento, como de fato ocorreu ao longo do mês de maio. Mas o Brasil nunca foi um bom campo de testes para esses manuais e não há razão para que agora seja diferente.
Os números do PIB do primeiro trimestre de 2013 trazem um elemento novo importante para contextualizar essa questão. Muito mais do que o valor absoluto de 0,6% de crescimento em relação ao trimestre anterior, o comportamento dos componentes do PIB parece finalmente revelar um quadro de previsibilidade, com o investimento crescendo à frente do consumo e com um baita sinal amarelo piscando no front externo. Senão vejamos: primeiro, diante da retração do ritmo de crescimento econômico é ou não é mais fácil compreender a parada do consumo das famílias, que cresceu apenas 0,1% nesse primeiro trimestre, do que a excitação dos anos anteriores? Segundo, diante da concentração de estímulos mobilizados pela política econômica com o objetivo de promover investimentos é ou não é mais fácil compreender a retomada da formação bruta de capital fixo, que evoluiu muito à frente do PIB (4,6% no período), do que o desempenho frustrante dos anos anteriores? Terceiro, diante do quadro de câmbio apreciado em um mundo em guerra cambial é ou não é mais fácil entender a posição deficitária assumida pelas exportações líquidas (crescimento de 6,3% das importações e queda de 6,4% das exportações) do que os superávits dos últimos anos?
Para quem não tem bola de cristal, essa maior clareza do movimento do PIB ajuda a desenhar cenários para os caminhos e dilemas da política econômica para o futuro próximo. Um primeiro cenário seria imaginar uma estratégia macroeconômica que vise resgatar o dinamismo apresentado pelo consumo das famílias nos últimos anos. Dados os limites mais estreitos deixados pelo esforço fiscal já realizado para fomentar os investimentos, a subida da Selic para conter a inflação e o estreitamento do crédito para devolver as operações de financiamento ao consumo aos seus parâmetros usuais de segurança, não parece haver alternativa nesse cenário que não recolocar o real nos níveis ultravalorizados de 2011 ou antes. Impactos disruptivos sobre as contas externas desautorizam essa hipótese.
Um segundo cenário seria dado por uma estratégia voltada para buscar reproduzir o "investment-led" de 2004-2008. Uma desvalorização branda, juntamente com outras medidas visando emparelhar os custos sistêmicos domésticos aos internacionais (infraestrutura, tributação, etc) talvez já se mostre suficiente para incrementar a rentabilidade da indústria e repor a atratividade dos novos investimentos. Embora difícil de quantificar, essa desvalorização branda poderia ser da ordem de 15%, levando o dólar a R$ 2,30. Implicaria repetir agora em junho ou nos próximos meses os 6,6% de queda do real ocorridos em maio.
Um terceiro cenário seria formatado por uma estratégia objetivando repetir o "export led" dos anos iniciais da década de 2000. Nas condições negativas que hoje cercam os mercados internacionais de commodities (minerais), incrementar as exportações exigiria repor rapidamente a competitividade do setor manufatureiro. Isso significaria promover um brutal choque de produtividade industrial que, enquanto não vem, tornaria imprescindível uma desvalorização radical do real. Nesse cenário é ainda mais difícil estimar valores, mas poderia estar se falando em uma desvalorização da ordem de 30%, como a ocorrida na crise cambial do início de 1999, que levaria o dólar para algo em torno de R$ 2,60.
Evidentemente, seja brando ou radical, conter o impacto inflacionário do repasse do ajuste cambial aos preços dos bens comercializáveis requereria um recuo proporcional nos preços dos serviços, invertendo o sentido do processo que garantiu a estabilidade monetária desde o plano Real. A favor dessa acomodação tem-se o espaço para o crescimento da produtividade e para a queima da gordura existente nas margens hoje praticadas nos serviços, além do fato de que os salários estão parando de crescer. Contudo, a efetividade do processo está sujeita também à capacidade da indústria reverter a atual tendência de crescimento da propensão a importar intermediários, partes e peças. Infelizmente, essa capacidade depende de determinantes tecnológicos que a tornam uma verdadeira incógnita.
Após um longo período de marasmo o regime cambial brasileiro está agora sob pressão. Ao que tudo indica, o país não pode mais prescindir de uma política cambial que defina pelo menos um horizonte de médio prazo para a flutuação do câmbio. Os caminhos sugerem que a hora de desatar o nó cambial pode ter chegado. Porém, não se pode perder de vista que, em episódios de desvalorização, mais importante do que a magnitude é a forma com que o processo é gerido. E é aí que residem os dilemas.
David Kupfer
Fonte: Valor