segunda-feira, 24 de junho de 2013

Entrevista com Michael Spence



O Nobel Spence falando da conjuntura econômica mundial.Vale a leitura, mas não espere grandes insights...


Valor: Ben Bernanke disse que o Fed provavelmente vai começar a reduzir os estímulos monetários mais para o fim do ano e encerrar as compras de ativos no meio de 2014, mostrando uma visão razoavelmente otimista sobre a recuperação da economia americana. O cronograma é adequado?

Michael Spence: Bernanke deixou claro que a redução dos estímulos monetários está condicionada a uma melhora duradoura do desempenho da economia. Nesse cenário, acho que o cronograma condicional é apropriado. Se as melhoras não se concretizarem, a redução dos estímulos não vai ocorrer.

Valor: Os mercados reagiram com desconforto às palavras de Bernanke. O sr. acha que a economia americana e os mercados estão preparados para absorver uma política monetária menos expansionista?

Spence: Sim e não. A política expansionista impulsionou os preços dos ativos, e a sua retirada os ajustaria para baixo, tudo o mais constante. Mas se a retirada ocorrer, outras coisas terão mudado e a economia terá melhorado. Quanto disso está embutido nos preços é difícil saber. Mesmo com a economia melhorando de modo continuado, a retirada tende a produzir algum efeito negativo. No momento parece haver nervosismo em relação ao timing [da redução dos estímulos] e talvez uma falta de entendimento sobre o fato de ela ser condicionada [à melhora da economia].

Valor: Vários analistas têm dito que o Fed subestima o nível baixo da inflação, que está bem inferior à meta de longo prazo, de 2%. O sr. acha que o Fed deveria dar mais peso a esse fator em suas decisões?

Spence: A inflação certamente não parece um risco iminente - e nem a deflação. Com isso, acredito que eles vão continuar de olho na inflação.

Valor: A recuperação da economia americana é sustentável? O desemprego ainda está elevado, em 7,6%, e há um forte ajuste fiscal.

Spence: No setor privado, é bastante robusta. A diminuição do endividamento não está completa, mas caminha bem e o setor 'tradable' está se reestruturando e crescendo. A política fiscal é um peso e o investimento do setor público está bem abaixo do que deveria estar - e vai continuar assim. Eu digo que é um carro com um motor de oito cilindros em que apenas cinco estão funcionando. Os cinco cilindros são o ajuste estrutural liderado pelo setor privado.

Valor: Quais são os efeitos mais prováveis de uma política monetária americana menos expansionista sobre a economia global?

Spence: O principal efeito tende a ser um ajuste para baixo dos preços de ativos, com algum efeito negativo sobre a riqueza. Mas eu não espero um impacto maior ou prolongado. E ele vai ajudar a Europa, à medida que o dólar se fortalecer.

Valor: Quando o sr. espera que o Fed comece a elevar os juros?

Spence: Eu não tenho ideia. É algo que depende do desempenho econômico dos EUA, que, por sua vez, depende em parte do que ocorrerá no resto da economia global, especialmente na Europa.

Valor: Nos últimos dias, o mercado mostrou-se preocupado em relação à China, por causa de indicadores que apontaram uma economia mais fraca. O sr. acredita que a China terá uma desaceleração mais acentuada do que se esperava?

Spence: Provavelmente não. Há claramente nervosismo no mercado e dúvidas em relação à transparência, regulação e alavancagem em algumas partes do sistema financeiro. O Banco Central da China tem de algum modo forçado esse assunto.

Valor: Alguns analistas passaram a ficar receosos em relação a uma contração de crédito na China? Há motivos para preocupação?

Spence: Se eles estiverem contendo intermediação de baixa qualidade, pode haver algo como uma contração de crédito no curto prazo. Mas isso não é necessariamente algo ruim.

Valor: A política monetária americana vai provavelmente se tornar menos expansionista e as perspectivas para a economia chinesa não são das mais brilhantes. Como essa combinação vai afetar a economia global e os preços de commodities?

Spence: O principal efeito, como eu disse, deverá ser um ajuste para baixo dos preços dos ativos, talvez porque eles foram definidos com base na crença de que o QE [afrouxamento quantitativo] seria semipermanente. Mas as economias da China e dos EUA e várias economias emergentes parecem relativamente saudáveis, embora nenhuma esteja isolada dos riscos negativos da Europa, onde há baixo crescimento e alto desemprego.

Valor: O que um país como o Brasil pode fazer para enfrentar esse cenário global mais incerto?

Spence: Bem, agora vocês têm essas grandes manifestações de algum modo inesperadas. É importante tentar entender as origens do descontentamento. Além disso, permanecer uma economia aberta, investir com mais força, incluindo o setor público, e manter políticas de crescimento que serviram bem ao país me parecem ser os ingredientes essenciais. A desigualdade, que sempre foi alta por padrões internacionais, tem caído, mas talvez a queda tenha que ser mais rápida para atender às expectativas dos mais jovens. Administrar a conta de capitais para parcialmente isolar o Brasil de distorções de outras partes do sistema financeiro global é algo complexo, mas igualmente importante.

Fonte: Valor