sábado, 3 de janeiro de 2009

A grande implosão dos imóveis em 2008

O artigo abaixo é mais um bom exemplo da capacidade de auto-critica dos bons economistas do chamado "mainstream" econômico. O artigo do Luque na Folha e a entrevista recente da Eliana Cardoso indicam que este é, também, o comportamento dos brasileiros alinhados a esta corrente do pensamento econômico. É uma demonstração de apreço e seriedade para com a ciência econômica. Nos, economistas, fazemos diagnósticos errados , com uma frequência maior que a desejada, mas o mesmo ocorre, por exemplo, na medicina e nem por isto, ela deixa de ser útil.

"O que causou o colapso dos preços da habitação em 2008 que serve como raiz à crise financeira que agora assola boa parte do mundo? Os preços das casas nos Estados Unidos, tais como medidos pelo índice de preços residenciais Standard & Poor's/Case-Shiller, caíram mais de 40% em termos reais, ajustados pela inflação, em algumas das principais cidades do país, desde seu pico por volta do início de 2006. Em termos nacionais e incluindo todas as cidades, a queda é da ordem de 25%. O mercado de futuros na Bolsa Mercantil de Chicago agora prevê declínios de cerca de mais 15% antes que os preços cheguem ao final de sua queda, em 2010. Essas são as previsões do mercado -e não se trata de um mercado muito líquido. Mas os responsáveis pelas previsões estão considerando que, em certos mercados, o declínio dos preços, do pico ao ponto mais baixo, superará 50%. Por que estamos vendo quedas de preços tão severas? E por que o mercado de habitação em tantos outros países agora está refletindo condições semelhantes? A resposta tem tanto causas imediatas quanto causas subjacentes. A resposta imediata para os Estados Unidos é que os padrões menos severos de empréstimos ajudaram pessoas a comprar casas por preços cada vez mais elevados, antes de 2006. Os empréstimos menos rigorosos significavam que as pessoas tinham liberdade para fazer propostas que elevavam os preços das casas a níveis ridículos. Barracos estavam sendo vendidos por US$ 1 milhão. Depois do pico, as instituições de crédito adotaram critérios mais rigorosos de empréstimo. Quando os compradores encontram dificuldades para financiar a aquisição de imóveis, os vendedores precisam reduzir os preços. Esse alto e baixo dos empréstimos representa um ciclo de crédito, e ciclos de crédito desempenharam papel importante nas flutuações econômicas por séculos. Em "Lombard Street", livro publicado em 1873, o empresário Walter Bagehot, editor da revista britânica "Economist", descreveu esses ciclos perfeitamente. O boom que antecedeu a depressão dos anos 1870, em sua descrição, se assemelha muito ao que aconteceu antes da atual crise. "Quando o crédito se expande", ele escreveu, "o resultado certo é um salto da prosperidade nacional; o país salta para o progresso como que por mágica. Mas apenas parte dessa prosperidade tem base sólida... Trata-se de uma prosperidade precária." Mas o ciclo de crédito não foi a causa última da depressão dos anos 1870 ou da crise que estamos vendo hoje. É preciso sempre perguntar, em última análise, por que os padrões de empréstimos foram primeiro afrouxados e depois restaurados a uma maior severidade. O ciclo de crédito é um mecanismo de amplificação. A instabilidade do setor de empréstimos está sempre lá, e a crise se manifesta apenas quando algum fator a precipita. Além disso, o afrouxamento excessivo dos padrões de empréstimo, seguido por aperto, parece proeminente apenas nos Estados Unidos, enquanto o ciclo de expansão e contração no setor de habitação é prevalente em boa parte do mundo. O fator de precipitação que levou à atual situação se relaciona à evolução da cultura mundial, difundida rapidamente por veículos de mídia cada vez mais poderosos e pela internet, e de suas percepções sobre os mercados.
Admiração profunda
O fator está relacionado à profunda admiração pelos mercados que se desenvolveu ao longo do boom, acompanhando a "teoria dos mercados eficientes" que predomina na economia acadêmica. Surgiu um consenso generalizado de que os mercados financeiros desempenham de maneira tão sublime a aglutinação de informações financeiras que seu julgamento coletivo necessariamente transcende o de qualquer reles mortal. Em 2004, no auge do boom dos imóveis, um livro de James Surowiecki com o afrontoso título "The Wisdom of Crowds" ["A Sabedoria das Multidões"] defendia vigorosamente essa ideia. O boom nos mercados mundiais de habitação e nos mercados de ações entre 2003 e 2006 foi causado por essa ideia incorreta e pela crença em que investimentos em imóveis residenciais e em ações eram um caminho seguro para a riqueza. A ideia de que os valores de ambos os ativos só sobem, no longo prazo, se havia tornado um artigo de fé, acompanhada pela ideia de que tentar calcular os momentos de inflexão do mercado era insensato. Havia uma crença sincera, apoiada por um julgamento intuitivo profundo, de que as interrupções na trajetória ascendente dos preços seriam pequenas e apenas transitórias. As pessoas pareciam pensar que a rápida valorização desses mercados havia se tornado uma constante universal, como a velocidade da luz. Nada mais pode explicar, em última análise, a imensa disposição dos emprestadores, no período de boom até 2006, a reduzir seus padrões de crédito quanto a hipotecas residenciais, a disposição das autoridades regulatórias a permitir que eles o fizessem, a disposição das agências de classificação de crédito a oferecer classificações elevadas para os títulos hipotecários e a disposição dos investidores a adquirir esses títulos. Não há teoria econômica que ofereça uma razão para que pensemos que os preços desses mercados só poderão subir. Ao contrário: os economistas teóricos se sentem intrigados diante da taxa de alta histórica no mercado de ações, que eles denominam "o enigma do ágio acionário". Eles não têm jargão equivalente para o mercado da habitação porque, em termos históricos, os preços (considerada a inflação) não subiram muito em média, até depois da bolha posterior a 2000. Os booms nesses mercados podem ser atribuídos substancialmente ao crescimento da ideia de que os investidores devem reter continuamente o máximo possível desses ativos, da mesma maneira que as pessoas devem beber chá verde ou comer chocolate escuro todos os dias para suprir seus corpos com antioxidantes. Ideias como essas criam demanda artificial -mas apenas por algum tempo. Afinal, nós já deixamos de fumar cigarros como forma de prevenir infecções. As pessoas acreditarão em muita coisa se tiverem a impressão de que os ricos e os famosos também acreditam nelas. Mas essa crença pode ser perturbada subitamente caso eventos claramente visíveis a contrariem. É isso que está acontecendo agora, e 2009 provará ser um ano de desencanto ainda mais profundo."

ROBERT SHILLER é professor de economia na Universidade Yale e economista-chefe da MacroMarkets. Este artigo foi distribuído pelo Project Syndicate.

Fonte: FSP