Análise impecavel, como sempre, do M.Wolf do FT., sobre o Plano Obama. Meu único ponto de discordância: apesar do cenário descrito não ser nada agradável, ainda acho que será pior. Não, não é o "debacle" do capitalismo americano sonhado pela esquerda champanhe de perdizes-higienopolis, mas, como já mencionado em outros posts, um processo, doloroso, de correção do desequilibrio entre ativos e passivos.
Na semana passada, o presidente eleito Barack Obama revelou devidamente seu plano de recuperação e reinvestimento americanos. Seu título foi aptamente escolhido, pois Obama falou, surpreendentemente, como se as políticas do restante do mundo não tivessem efeito sobre o destino dos Estados Unidos. Ele também falou como se um grande estímulo fiscal fosse suficiente para restaurar a prosperidade. Se é nisso que ele acredita, Obama está prestes a ter um choque. As dificuldades que ele confronta são muito mais profundas e mais globais que isso.
Eu tenho pouca dúvida de que seus assessores estão dizendo isso ao presidente eleito. Os pontos que estão -ou devem estar- apresentando para ele são estes.
Primeiro, os autores de políticas japoneses que disseram a todos que os Estados Unidos corriam o risco de cair em um período prolongado de fraqueza econômica estavam certos. Para entender por que isso é verdade, é preciso ler o livro brilhante de Richard Koo, do Instituto de Pesquisa Nomura.* Nele, ele explica como a combinação de queda dos preços dos ativos com alto endividamento força o setor privado a parar de tomar empréstimos e a pagar a dívida. O governo então surge inevitavelmente como tomador de empréstimo e gastador de último recurso. Como o governo japonês sabia disso, o país sofreu uma recessão prolongada em vez de um colapso.
Por muito tempo se argumentou que os Estados Unidos não poderiam sofrer como o Japão. Isto está errado. É verdade que os Estados Unidos têm três vantagens em relação ao Japão: a destruição da riqueza no estouro da bolha japonesa foi de três vezes o produto interno bruto, enquanto as perdas americanas certamente serão bem menores; as empresas não-financeiras americanas não parecem exageradamente endividadas; e, apesar dos esforços dos oponentes de marcar ativos a mercado, o reconhecimento das perdas ocorreu bem mas cedo.
Em outros aspectos, entretanto, os Estados Unidos estão mais vulneráveis do que o Japão, após sua recente farra de dívida. O restante da economia mundial foi grande e dinâmica o suficiente para sustentar as exportações japonesas, mas o mundo todo agora está em recessão; além disso, os Estados Unidos são um país tanto deficitário quanto devedor. A sra. Watanabe confia em seu governo. Quanto ela confiará no Tio Sam? Quanto confiará Hu Jintao?
Qualquer complacência em relação às perspectivas de recuperação dos Estados Unidos é perigosa. Além disso, o fato dos Estados Unidos terem um déficit estrutural em conta corrente tem peso no segundo ponto que os assessores de Obama devem apresentar. O estímulo fiscal é um paliativo necessário para uma economia sobrecarregada de dívida e afligida por queda nos preços dos ativos. Mas a provável longevidade e escala dos déficits fiscais necessários são bastante assustadoras.
Na coluna da semana passada ("Escolhas feitas em 2009 moldarão o destino do planeta", 7 de janeiro) eu argumentei que o setor privado americano sobrecarregado de dívida agora seria forçado a economizar. O excesso de renda sobre os gastos no setor privado poderia ser, digamos, de 6% do PIB por um período prolongado. Se o atual déficit em conta corrente estrutural permanecesse em 4% do PIB, o déficit fiscal geral precisaria ser de 10% do PIB. Além disso, este seria o déficit estrutural -ou pleno emprego.
O Escritório de Orçamento do Congresso (CBO, na sigla em inglês) prevê que a produção americana será 7% abaixo do potencial nos próximos dois anos, se as políticas não mudarem. Nesse caso, o déficit de fato agora seria muito maior do que o estrutural. É fácil ver, portanto, por que os críticos argumentam que o plano de Obama de um estímulo fiscal adicional de 5% do PIB ao longo de dois anos é pequeno demais, apesar do CBO prever um déficit base de 8,3% do PIB neste ano. Também é fácil entender por que muitos fazem fortes objeções a reduções de impostos, já que é mais provável que o dinheiro das reduções seja poupado quanto maior for o pacote -e, além disso, os impostos claramente precisarão ser aumentados a longo prazo.
Mas o ponto principal, entretanto, não é que o pacote precise ser maior, apesar de precisar. É que escapar de déficits imensos e prolongados será muito difícil. Enquanto o setor privado buscar reduzir sua dívida e a conta corrente estiver em déficit estrutural, os Estados Unidos terão que incorrer em grandes déficits fiscais caso queiram sustentar o pleno emprego.
Isso leva ao terceiro ponto que os assessores de Obama devem apresentar. O de que incorrer em imensos déficits fiscais por anos é possível. Mas os Estados Unidos só poderiam escapar impunes disso caso o calote esteja fora de questão.
No final das guerras napoleônicas, o Reino Unido tinha uma relação entre dívida pública e PIB de 270%. Isso foi reduzido ao longo de um século: o crescimento, o padrão ouro e o compromisso com orçamentos equilibrados fizeram o truque. A questão é, quanta dívida os Estados Unidos (ou o Reino Unido) podem acumular agora. Meu palpite é de que os Estados Unidos podem esperar incorrer em grandes déficits por anos, caso sejam usados para financiar a criação de ativos de alta qualidade. Mas a política não pode perdurar com segurança ao longo de dois mandatos presidenciais.
Mas, diferente da crença disseminada nos Estados Unidos, um rápido retorno a pequenos déficits fiscais, alto emprego e crescimento rápido não ocorrerá espontaneamente. É necessário promover primeiro mudanças estruturais nas economias dos Estados Unidos e do mundo. Este é o último ponto que os assessores de Obama devem apresentar.
E quais são essas mudanças?
Primeiro, deve haver um programa crível para o que os americanos chamam de "desalavancagem". Os Estados Unidos não podem arcar com anos de redução dolorosa de dívida no setor privado -um processo que ainda mal começou. A alternativa é uma redução forçado dos valores dos ativos podres no setor financeiro e uma maior recapitalização fiscal ou swaps de dívida por ações. Isso também significa uma falência em massa dos lares insolventes e reduções forçadas nos valores das hipotecas.
Tudo isso também levaria a grandes aumentos na dívida pública. Mas esses aumentos seriam provavelmente muito menores do que os gerados por uma década de imensos déficits fiscais. A meta é ter um sistema financeiro mais enxuto e melhor capitalizado e um balancete mais saudável do setor privado não-financeiro, o mais cedo possível. O programa de alívio de ativos com problemas deveria ser usado para isso. Ele precisará ser maior.
Segundo e mais importante, o déficit estrutural em conta corrente precisa diminuir. O setor privado americano não está mais em posição de incorrer em imensos déficits financeiros para compensar os déficits externos que drenam a demanda. O setor público pode fazê-lo apenas por alguns poucos anos. A longo prazo, a economia mundial deve ser reequilibrada de forma sustentável e saudável. Este é um enorme desafio para a diplomacia econômica internacional. Também é um elemento essencial para uma política doméstica sólida.
Obama deve ser plenamente persuadido sobre estes últimos pontos. Para que os déficits fiscais possam cair acentuadamente a médio prazo, como precisam, o novo presidente precisa de programas eficazes para desalavancagem do setor privado e para uma reforma e ajuste globais. O destino dos Estados Unidos não deve ser determinado em isolamento. O que isso significa será o tema da coluna da próxima semana.
* The Holy Grail of Macroeconomics: Lessons from Japan's Great Recession (Wiley, 2008)
Fonte: UOL on line