quarta-feira, 11 de maio de 2011
Alexandre contra-ataca
Alexandre "eram os deuses astronautas" exagera, um pouco, nas tintas, mas o argumento central me parece ser correto.
Em 1999 o país adotou, com sucesso, o regime de metas para a inflação. Ao lado das metas fiscais e do câmbio flutuante, o regime é parte crucial do chamado "tripé macroeconômico", que desempenhou papel central na estabilização da economia, permitindo, entre outras coisas, a elevação gradual do crescimento sustentável.
A taxa de investimento, que há alguns anos oscilava ao redor de 16% do PIB, subiu para 18% do PIB em média nos últimos quatro anos, fenômeno que, sozinho, pode ter acelerado o crescimento potencial em até 1% ao ano entre 2003 e 2010.
Não é segredo, contudo, que o tripé macro vem sofrendo um desgaste contínuo ao longo dos últimos anos. O compromisso com a meta fiscal foi sendo abandonado aos poucos, de forma acabrunhada, é bom que se diga, mas não menos real. Já a flutuação livre da moeda vem se tornando uma ficção desde o final de 2010, o que -como tenho argumentado- permitiu que o aumento do preço em dólares das commodities se traduzisse quase que integralmente na elevação dos seus preços em reais, com sérias implicações negativas para a evolução da inflação.
Resta ainda, ao menos do ponto de vista formal, o compromisso com a meta de inflação, objeto de reiteradas juras de fidelidade por parte do governo -da presidente da República ao presidente do Banco Central, passando pelo ministro da Fazenda. Entretanto, se nas juras não falta o ardor retórico que os menos avisados poderiam confundir com sinceridade, na atuação concreta das autoridades -seja pelos seus atos, seja por meio do seu diagnóstico do fenômeno inflacionário- o comprometimento com a meta passa longe.
Em que pese o reconhecimento explícito por parte do Banco Central de que o aquecimento excessivo da economia representa parcela importante da aceleração da inflação, em outras áreas ainda se perde tempo na busca de culpados que não a política econômica pelo aumento persistente dos preços.
Era a comida; agora são os combustíveis (mesmo com o preço da gasolina sob controle governamental). Já a aceleração da inflação de serviços seria "estrutural" (palavrinha que geralmente significa "é um problema, mas não faremos nada a respeito") e de forma alguma associada à falta de mão de obra que tem levado ao aumento consistente dos salários acima do crescimento da produtividade.
Agora, além da inflação de preços, temos a inflação de desculpas. Não bastasse a contabilidade criativa na questão fiscal, em documento recente o Ministério da Fazenda inova na forma de medir a inflação, afirmando que "o IPCA acumulado em 12 meses [até março de 2011] estaria em 4,76% sem combustíveis e alimentos", sugerindo, portanto, que os demais preços da economia estariam crescendo em velocidade muito inferior à da inflação cheia naquele período (6,30%).
A inflação, contudo, é uma média ponderada dos diferentes aumentos de preços. Se a inflação total ficou em 6,30%, a inflação de alimentos (peso aproximado de 15%) alcançou 8,76% e a inflação de combustíveis (peso 4,5%) chegou a 5,42%, então a média dos demais preços deve necessariamente ter aumentado 5,89%, bem mais do que os 4,76% estimados pela Fazenda.
Atualizando esses números para abril, chegamos à conclusão de que o aumento dos preços (exceto alimentos e combustíveis) atingiu 6,19%, só um pouco inferior aos 6,51% registrados pelo IPCA cheio.
Isso mostra que a inflação não é um problema localizado em poucos produtos, mas bastante difundido pela economia, visão diametralmente oposta à patrocinada pela Fazenda.
Não menos reveladora foi a atitude do ministro, que inovou também no campo das desculpas, ao argumentar que o estouro do teto da meta não teria ocorrido porque esta não incluiria o segundo dígito após a vírgula...
Dizia Neném Prancha: "Se macumba ganhasse jogo, o Campeonato Baiano terminaria sempre empatado". Se desculpa baixasse a inflação, teríamos uma solução, não um problema.
Fonte: FSP