segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Feldstein e os dilemas da zona do euro


Excelente artigo do Feldstein sobre os dilemas da zona do euro. É sempre bom ler um artigo de quem realmente tem uma grande capacidade de análise.



O governo grego precisa escapar de uma situação aparentemente impossível. O país tem um nível inadministrável de dívida pública -150% do Produto Interno Bruto (PIB), crescendo, neste ano, em dez pontos percentuais -, uma economia em colapso, com uma queda superior a 7% neste ano, levando a taxa de desemprego para 16%, um déficit crônico no balanço de pagamentos (atualmente de 8% do PIB) e bancos insolventes que estão rapidamente perdendo depósitos.

A única saída para a Grécia é não honrar sua dívida soberana. Quando isso acontecer, o país deverá contabilizar um desconto de pelo menos 50% no valor principal de sua dívida. O plano atual de reduzir o valor presente de títulos em poder do setor privado em 20% é apenas um pequeno primeiro passo em direção àquele desfecho.

Se a Grécia abandonar o euro após um default, o país poderá desvalorizar sua nova moeda, estimulando, assim, a demanda e, passando, em determinado momento, a registrar um superávit comercial. Essa estratégia de "calote e desvalorização" tem sido usual nos casos de países em outras regiões do mundo confrontados com a dívida pública e um déficit em conta corrente crônico inadministravelmente grandes. Isso não aconteceu na Grécia apenas porque a Grécia está aprisionada na moeda única.

Os mercados estão plenamente conscientes de que a Grécia, insolvente, acabará dando um calote. É por isso que os juros sobre papéis de dívida pública grega de três anos recentemente ultrapassaram 100% e o rendimento dos títulos com maturação em dez anos é de 22%, significando que um principal de €100 pagável em 10 anos vale hoje menos do que €14.

Por que, então, estão os líderes políticos na França e Alemanha se esforçando para evitar - ou, mais precisamente, para adiar - o inevitável? Há duas razões.

Em primeiro lugar, os bancos e outras instituições financeiras na Alemanha e na França têm grandes exposições a dívidas do governo grego, tanto diretamente como por meio de crédito que colocaram à disposição de bancos gregos e de outros países da zona do euro. Adiar um default dará às instituições financeiras francesas e alemãs tempo para fortalecerem sua base de capital, reduzirem sua exposição aos bancos gregos mediante não renovação de crédito quando os empréstimos vencerem e venderem títulos gregos para o Banco Central Europeu (BCE).

A segunda razão, e a mais importante, para o empenho franco-alemão em adiar um default grego é o risco de que um calote da Grécia induziria defaults soberanos de outros países e corridas a outros sistemas bancários, especialmente na Espanha e na Itália. Esse risco foi evidenciado pelo recente rebaixamento da nota de crédito da Itália pela Standard & Poor's (S&P).

Um default de quaisquer desses grandes países teria implicações desastrosas para os bancos e para outras instituições financeiras na França e na Alemanha. O Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (EFSF, em inglês) é suficientemente grande para cobrir as necessidades de financiamento da Grécia, porém não suficientemente grande para financiar a Itália e a Espanha, se ambos perderem acesso aos mercados privados. Por essa razão, os políticos europeus têm esperanças de que, ao mostrar que até mesmo a Grécia pode evitar um default, os mercados privados ganharão bastante confiança na viabilidade de a Itália e a Espanha para continuarem emprestando a seus governos a preços razoáveis e a financiar seus bancos.

Caso se permita um default da Grécia nas próximas semanas, os mercados financeiros assumirão, efetivamente, que calotes da Espanha e da Itália serão muito mais prováveis. Isso poderia causar uma disparada de seus juros e suas dívidas nacionais aumentariam rapidamente, tornando-os efetivamente insolventes. Ao adiar um default grego por dois anos, os políticos europeus esperam dar à Espanha e à Itália tempo para provar que os dois são financeiramente viáveis.

Um prazo de dois anos poderá permitir que os mercados verifiquem se os bancos espanhóis conseguirão administrar o declínio de preços dos imóveis locais, ou se a inadimplência de mutuários que contrataram financiamentos habitacionais resultarão em falências bancárias generalizadas, exigindo que o governo espanhol financie grandes garantias sobre depósitos. Os próximos dois anos também evidenciarão as condições financeiras dos governos regionais na Espanha, que assumiram dívidas que são, em última instância, garantidas pelo governo central.

Da mesma forma, dois anos poderia ser tempo suficente para que a Itália demonstre se pode equilibrar seu orçamento. O governo de Berlusconi aprovou recentemente um projeto de lei orçamentária destinado a aumentar a receita fiscal e trazer a economia para um orçamento equilibrado em 2013. Isso será difícil de realizar, porque o aperto fiscal reduzirá o PIB italiano, hoje mal crescendo, o que, por sua vez, provocará um encolhimento da receita tributária. Assim, podemos esperar para daqui a dois anos um debate sobre se o equilíbrio orçamentário foi alcançado (em base corrigida por variações cíclicas). Esses dois anos também indicarão se os bancos italianos estão em melhor forma do que muitos agora temem.

Se a Espanha e Itália parecerem efetivamente sólidas, ao cabo de dois anos, os líderes políticos europeus poderão admitir um default grego sem medo de contágio perigoso. Portugal poderia acompanhar a Grécia em um default soberano e numa saída da zona do euro. Mas os países maiores seriam capazes de financiar-se a taxas de juros razoáveis e o atual sistema da zona do euro poderia continuar existindo.

Se, no entanto, nos próximos dois anos a Espanha ou a Itália não persuadirem os mercados de que são financeiramente sólidas, as taxas de juros que seus governos e bancos terão de cobrir crescerão drasticamente e ficará claro que estão insolventes. Nesse ponto, sofrerão um default. Esses dois países também poderão, ao menos temporariamente, ficar incapacitados de captar empréstimos - e seriam fortemente tentados a abandonar a moeda única.

Mas há um perigo maior e mais imediato. Mesmo que a Espanha e a Itália estejam fundamentalmente saudáveis, poderá não haver dois anos para descobrir isso. O nível das taxas de juro gregas mostra que os mercados acreditam que a Grécia entrará em default em breve. E antes mesmo que a inadimplência ocorra, os juros sobre a dívida espanhola ou italiana podem subir drasticamente, colocando esses países num caminho financeiramente impossível. Os políticos da zona do euro poderão aprender da maneira mais difícil que tentar enganar os mercados é uma estratégia perigosa. (Tradução Sergio Blum)

Martin Feldstein é professor de Economia em Harvard


Fonte: Valor