quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Feliz por ser caipira...

Nasci e morei ate os 11 anos em uma pequena vila com 14 ruas ao lado do Rio Tiete. Se voce procurar no mapa vai encontra-la: Juritis, perto de Birigui e Araçatuba. O ambiente e a vida diaria, descobri, mais tarde, lendo Parceiros do Rio Bonito, do Antonio Candido, era totalmente caipira, ai incluindo a culinária, relações sociais, religiosidade entre tantos outros. Para minha surpresa, a comida caseira da minha infância , em restaurantes da capital, tinha outro nome: comida mineira. Descobri, também, que meu falar, com forte R, não era bem vindo, tão pouco ouvir a velha música caipira era aceito no ambiente bem pensante da universidade e do movimento estudantil. Não sei se mudou muito. Em segredo, sempre li trabalhos sobre a vida caipira, inclusive, sobre o seu dialeto. O texto abaixo, publicado no jornal da ditabranda, é bem interessante e recorda o fato pouco conhecido que há sim uma culinaria paulista.

Os pés foram se convertendo em raízes e fincando pelos caminhos onde bandeiras, e depois tropeiros, buscavam as minas. Enraizados, degeneraram. Não havia nobreza naquela malemolência, a picar fumo e contar histórias de um passado de sabe deus, esperando sabe quem.
No quintal, galinhas, um porco magro, espigas de milho, horta, e a mulher varrendo, varrendo, porque a qualquer hora, sem avisar, apeia passante. O professor Antonio Candido, antes de inventar a crítica literária, foi estudar o que restava dos caipiras em Bofete. E constatou extrema pobreza. Tudo muito pobre. Pobre e doente. Pobre por doente, já dissera Monteiro Lobato.
Mesmo a literatura que aquela gente rendia era uma literatura chinfrim. Monumentosa era a do Modernismo, no burburinho de apitos de chaminés de barro. Macunaíma não era daqui; só a cotia mentirosa, que ele disse ter visto no Largo do Café.
É preciso literatura para construir um tipo social memorável. Já ouviu falar de Francisco Marins e sua saga dos caipiras?
O carioca tem orgulho de sê-lo; o potiguar, idem; o baiano ou o gaúcho, nem precisa falar! O país é um mosaico de tipos regionais, modos de falar, culinárias. O paulista tem vergonha de ser caipira, de puxar o "r", de dizer que comia tatu e formiga. Há 200 anos aqui era o fim do mundo. Então, como é que tem tanto "paulista quatrocentão"? Só tinha bugres; e gente que caçava gente não é coisa de se orgulhar.
Mas limpou-se o sertão de índios para que a estrada de ferro fosse além de Bauru. Coisa vergonhosa, mas esquecível. Os italianos, depois, plantaram o café. E vieram os espanhóis, os sírios, os japoneses e tantos mais.
Era de gargalhar a fala dos italianos na sátira "La Divina Increnca", de Juó Banannére, pseudônimo de um quatrocentão faceiro; na migna terra tê parmeras/ dove ganta a galigna dangola -dizia a nova Canção do Exílio.
Parecia que São Paulo estava começando. E nesse começo era a bracciola e o macarrão; o quibe, o puchero, o sushi. Somos os brasileiros mais universais do mundo. Celebramos em pizza o nosso destino. É um fardo muito grande tudo isso.
Para aliviar, liquidamos o cambucá, quase acabamos com a jabuticaba; liquidamos a perdiz, a codorna, as pombas. Viajamos e comemos perdizes, pombas e codornas.
O Brasil é muito longe. Mas estamos dispostos a redescobri-lo: comemos leitão pururuca, virado, quitutes à base de milho, e chamamos tudo de "cozinha mineira". Voltamos a comer formigas, agora da Amazônia. Somos ignorantes da nossa história, mas generosos com os vizinhos.

CARLOS ALBERTO DÓRIA é sociólogo, professor do IFCH-Unicamp, autor de vários livros sobre cultura e gastronomia