terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Eliana Cardoso

Eliana Cardoso é uma das melhores economistas do grande bananão. Na entrevista abaixo, ela faz, o que poderiamos chamar de auto-critica, sobre as certezas que ela e companheiros de viagem , defenderam nos últimos anos. Concordo com ela em relação ao risco do retorno de politicas equivocadas - ela as chama de insensatas- que não produziram resultados adequados no passado. O socialismo, nas diversas vertentes marxistas, deveria ficar fora da agenda de qualquer pessoa com algum conhecimento da história do seculo passado . O mesmo, também, se aplica ao capitalismo do laissez-faire. Defender a economia de mercado em um momento em que ela enfrenta uma crise de grande dimensão não é nada fácil, mas o fato é que este sistema propiciou um grande aumento no bem estar social muito superior ao do chamado socialismo real.É verdade que ele tem uma dificuldade imensa de distribuir a riqueza, mas este é um problema que pode ser solucionado, como atestam as experiências de economia social de alguns paises da europa.





FOLHA - Quais as lições que aprendemos com a crise atual?
ELIANA CARDOSO - Se você olhar o que aconteceu no Brasil em fevereiro de 1999, você teve o colapso do real, o país adotou o câmbio flutuante e as metas de inflação. O sucesso desse regime foi fantástico. Em menos de um ano, conseguiu estabilizar uma situação em que todo mundo dizia que se chegaria ao final do ano com inflação de 50% -chegou em menos de 20%. A partir daí, a estabilidade parecia mais ou menos garantida. Pouco tempo atrás, as pessoas começaram a se preocupar se o sucesso era realmente devido a esse novo regime ou se você tinha circunstâncias globais que favoreciam a queda da inflação no mundo em geral. Isso porque alguns países, como os EUA, também estavam conseguindo ter enorme estabilidade com crescimento alto. Até aí tudo bem, não havia grandes discussões.

FOLHA - O que a gente imaginava antes que agora está em xeque?
ELIANA CARDOSO - A partir de 2003, quando os EUA entraram em um ciclo de crescimento acelerado, com taxas de inflação muito baixas -e isso refletido em risco muito baixo para os emergentes-, houve um enorme otimismo. Nesse otimismo, veio a idéia de que agora, sim, nós tínhamos um regime em que tínhamos aprendido a domar os ciclos econômicos e que a política monetária era muito poderosa. Se você tivesse desemprego e pressão para a inflação cair, a taxa de juros poderia diminuir. Num período de expansão, poderia aumentar a taxa de juros para controlar a inflação e reduzir o nível de atividade. Havia essa ilusão de que nós estávamos livres dos ciclos de negócios. Se acontecesse alguma coisa, o governo tinha os instrumentos para lidar com isso.

FOLHA - Mas aí veio a crise, o Fed cortou os juros e não resolveu...
ELIANA CARDOSO - Em 2007, quando se percebeu que iríamos ter essa crise financeira, houve a continuidade dessa ilusão. O pico da atividade foi em meados de 2007, mas vem o corte das taxas de juros e você acha que tudo vai se acomodar. Em 2008, constata-se que, apesar de grandes cortes nas taxas de juros e de socorro ao mercado financeiro, os EUA estão em recessão há um ano. O choque foi muito grande e o Fed não teve instrumento suficiente para lidar com a crise. O poder do governo de controlar o ciclo econômico era uma grande ilusão. Pode reduzir o impacto, mas também é limitado.

FOLHA - Quando se constata que isso era uma ilusão, não se corre o risco de tentar inventar a roda?
CARDOSO - Há um risco grande de que a desilusão leve a medidas totalmente equivocadas. A gente tem de ser um pouco cético em relação ao que sabe. Mas existem coisas que a gente sabe: que algumas medidas não dão certo e que são insensatas. Querer propor, vamos dizer, um retorno a políticas do socialismo... Isso seria pior porque o desastre do socialismo foi muito maior do que uma recessão que vamos sofrer.

FOLHA - Como proceder então?
CARDOSO - É como na medicina. Um médico sabe que os conhecimentos da medicina são limitados. Sabe que toca o câncer e a tuberculose com remédios diferentes, mas que o poder desses remédios é limitado. O economista que faz política econômica tem que ter o mesmo ceticismo do médico. Ele sabe que algumas coisas permitem lidar com a inflação -por exemplo, adotar uma política monetária mais rígida-, mas sabe muito menos a respeito do que ocorre na economia quando você tem um colapso da magnitude do atual. Tem de ter um certo ceticismo, um certo pragmatismo, a idéia de ir lidando com os problemas à medida que eles surgem, adotando as políticas que são mais sensatas em determinados momentos. Nós não temos mais aquela receita grandiosa que resolve todos os problemas em qualquer circunstância.

FOLHA - O dinheiro também secou por essa crise de confiança geral?
CARDOSO - Quando os EUA protegeram o setor bancário, todos os setores que não foram protegidos passaram a ter problema. O setor protegido passou a atrair os recursos que estavam nos outros setores -os países emergentes fazem parte desses setores não protegidos. Como o governo poderia proteger os nossos recursos? Se -e aqui tem um "se" com letras maiúsculas- controle de capital funcionasse, seria o caso. O problema é que a experiência mostra que não funciona. E, além de não funcionar, qualquer alusão à possibilidade de controle de capital gera uma fuga de dinheiro ainda maior e se cria uma desvalorização maior.

FOLHA - O que se pode fazer para mitigar o impacto da crise?
CARDOSO - Os economistas têm de ser mais humildes e reconhecer que não têm muitos instrumentos. E não há muita coisa que o governo pode fazer. Mas existe uma coisa que esse governo pode fazer. Nós ainda temos espaço para cortar taxa de juros. Se queremos proteger o nível de atividade, o BC pode cortar a taxa de juros. E cortar a taxa de juros talvez seja uma política melhor no Brasil hoje do que aumentar gastos do governo, que são mais irreversíveis. Agora, é uma política arriscada, num momento em que o câmbio está se desvalorizando. Por isso, o Banco Central tem que ir com tanto cuidado. Não dá para, de repente, cortar taxa de juros, criar insegurança, fuga de capital e mais desvalorização de câmbio.

FOLHA - Em relação a outros países, como o Brasil lida com a crise?
CARDOSO - O Brasil está em uma situação muito melhor do que vários outros países. Nós já vimos a recessão nos EUA, na Europa e no Japão. A China está entrando em um período bastante preocupante. Embora eles tenham instrumentos para lidar com a crise, também têm um sistema político que não tem nenhuma flexibilidade para lidar com processos de barganha. A situação da Rússia é muito pior do que a do Brasil. Ela está sofrendo mais com a queda do preço das commodities e enfrenta mais desconfiança em relação ao regime deles do que nós. Eu acho que o Brasil lida bem com a crise porque o BC tem recursos, pode manobrar as diversas políticas de venda de câmbio com troca por taxas de juros, o que dá mais flexibilidade à economia. De modo que eu acho que vamos sair dessa. Se isso tivesse acontecido em outras circunstâncias, em que o Brasil não tivesse as reservas que tem e dívida pública em queda, teríamos visto um desastre já consumado -e isso não aconteceu. Estamos lidando com uma situação que vai ser difícil, vamos ter desemprego, vamos ter insegurança. Isso significa sofrimento, mas não é uma situação que saiu do controle. Desde que o governo mantenha a sensatez, o compromisso com um regime que vem dando bons frutos, que é o sistema de câmbio flexível, com meta de inflação e superávit primário, podemos enfrentar uma recessão sem passar por um desastre.

FOLHA - O que a senhora achou do pacote de corte de impostos?
CARDOSO - Queria ver o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) funcionando e os investimentos saindo do lugar. Não gosto da idéia de várias alíquotas. Acho que, para imposto, quanto mais simples, melhor. Se vai mexer com política fiscal, tem de se perguntar o que é temporário e o que é permanente. E as mudanças permanentes devem ser feitas na direção da simplificação.


Fonte: FSP, 15.12.08