Bresser Pereira, meu ex-orientador é, provavelmente, a pessoa mais apaixonada pelo Brasil que eu conheço. Nem sempre concordo com as suas posições, mas sempre vale a pena ler o que ele escreve. No artigo de hoje, na Folha, acho que ele exagera na critica ao governo: medidas adequadas ao momento econômico estão sendo implementadas e no geral a política econômica esta no caminho correto. Ele, naturalmente, discorda, mas o fato é que a variável risco, como alerta um amigo e ex-orientando dele, não permite, por enquanto, a redução dos juros. Quanto ao câmbio,... me parece uma contradição elogiar a correção atual, devido ao mercado, e criticar a posição anterior que, também, era resultado das forças de mercado.
"O GOVERNO brasileiro parece paralisado diante da crise econômica mundial. Já abandonou a tese da "blindagem", mas continua com a esperança de que ela nos atingirá docemente porque a crise começou nos Estados Unidos, e não aqui. É verdade que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), desde outubro, percebeu que teria que captar mais recursos e ampliar suas aplicações para compensar o natural retraimento dos bancos comerciais. E que o Ministério da Fazenda vem procurando proteger os dois setores privados mais atingidos pelo encolhimento do crédito: a indústria automobilística e a de construção. Mas essas medidas são tímidas e não contrabalançam a política monetária do Banco Central.
Não obstante a crise já estivesse clara desde o segundo semestre de 2007, até há dois meses o Banco Central continuava a aumentar a taxa de juros porque ainda acreditava que a demanda interna estivesse aquecida. Agora os jornais informam que sua disposição é a de mantê-la no nível atual, não obstante os indicadores de desaquecimento da demanda sejam claros. Na verdade, o Banco Central já deveria estar associado ao Ministério da Fazenda e ao BNDES na luta por evitar a recessão, que já é triste realidade nos Estados Unidos e na Europa. E, assim, já deveria ter iniciado a baixa da taxa de juros brasileira em pelo menos um ponto percentual a cada mês. A desculpa é sempre a mesma -a inflação-, mas agora o argumento é outro: a depreciação cambial.
A única coisa boa para a economia brasileira nesta crise financeira global foi essa depreciação. Nesse caso, o mercado corrigiu uma taxa de câmbio que se havia gravemente apreciado e fazia o país voltar à condição de déficit em conta corrente. A depreciação será origem de alguma inflação, mas não há razão para temer uma aceleração maior. O "pass-through" da variação da taxa de câmbio para a inflação é inferior a 10%. Por outro lado, o efeito inflacionário da depreciação está sendo compensado pela queda dos preços das commodities e pelo rápido desaquecimento da demanda em curso.
Diferentemente dos Estados Unidos e do Japão, cuja taxa de juros já é muito baixa, no caso do Brasil a alta taxa de juros oferece um amplo campo de manobra para a política monetária. Enquanto aqueles países já estão na clássica armadilha da liquidez, o Brasil está longe desse ponto. Ao não enfrentar de frente o problema da recessão em marcha, o governo brasileiro está mais uma vez perdendo a oportunidade de voltar a taxas de juros civilizadas. E -o que é mais grave- está ameaçando o país de mergulhar em uma recessão perfeitamente evitável.
Para não agir, o Banco Central argumenta que sua única responsabilidade é a de controlar a inflação. Assim o determina a sagrada política de metas de inflação. Enquanto o quadro internacional era muito favorável, o Banco Central podia "brincar de meta de inflação" sem conseqüências muito graves para a economia. A economia crescia de maneira insuficiente, ficávamos muito atrás dos outros Brics, mas não havia crise. O quadro atual, porém, é outro, e exige do governo políticas de sustentação da demanda fortes e determinadas. Políticas que não estão acontecendo."
Fonte: FSP, 08.12.08