É sempre bom estar em boa companhia. O texto do Martin Wolf, publicado na Folha de hoje, defende, com muito mais elegância e inteligência, o mesmo argumento apresentado no meu último post, escrito nos primeiros minutos de terça feira e por isto aparece como segunda feira.
Minha preocupação cresce cada vez mais. Jamais esperei muito de europeus ou japoneses. Mas esperava que os EUA, sob um presidente novo e popular, agissem de maneira mais decidida. Em lugar disso, o Congresso está cedendo a um frenesi de populismo, e o governo se limita a esperar que tudo termine bem.
Emergiu nos EUA uma hostilidade explosiva ao setor financeiro. O Congresso debate taxar os bônus de executivos. E o procurador-geral de Nova York quer que sejam revelados os nomes. Isso equivale a um convite ao linchamento.
Se aprovadas, essas ideias levariam a um êxodo de pessoal qualificado dos bancos, destruiriam a confiança em acordos com o governo e ameaçariam o Estado de Direito. Que ideias assim sejam debatidas abertamente é um sinal claro das dimensões da raiva.
O mesmo cenário está envolvido no programa anunciado anteontem. Por ele, o governo fornece virtualmente todo o financiamento e arca com quase todo o risco, mas utiliza o setor privado para formar os preços dos ativos. Em troca, os investidores privados obtêm recompensas -talvez generosas- com base no desempenho.
Interpreto essa ideia como "esquema de alívio a fundos abutre". Mas vai funcionar? Depende do significado de "funcionar". Não se trata de um mecanismo real de mercado, porque o governo subsidia os riscos. Os preços podem não ser baixos o bastante para atrair compradores ou altos para satisfazer vendedores. Mas o esquema pode melhorar a situação lastimável das carteiras de operações dos bancos. Isso certamente não pode ser mau, pode? Na verdade pode, caso sirva como obstáculo a soluções mais fundamentais, porque ninguém -e especialmente não o Tesouro- acredita que esse esquema porá fim à subcapitalização crônica do setor. Por que esse esquema pode ser um obstáculo à recapitalização necessária? Primeiro, o Congresso pode decidir que ele torna a recapitalização menos importante; segundo, e mais importante, é provável que o plano torne a recapitalização pelo governo ainda menos popular.
Se o esquema funcionar, alguns fundos terão retornos extraordinários. Temo que isso sirva para convencer muitos americanos de que o governo é uma quadrilha que opera a favor de Wall Street. Agora imaginem o que pode acontecer caso, após a conclusão dos "testes de estresse" dos grandes bancos, o governo decida -surpresa! surpresa!- que é preciso oferecer mais capital. Como convencer o Congresso a desembolsar os recursos necessários?
A provisão de dinheiro público aos bancos é inaceitável para o público, e o controle pelo governo dos bancos é inaceitável para os banqueiros, que continuam influentes. Parecemos estar vivendo um impasse. A única saída é que a maior transparência propiciada pelos novos fundos venha a permitir que os grandes bancos levantem capital privado. Caso isso seja realizado na escala requerida -e estamos falando de até trilhões de dólares-, o novo plano seria um imenso sucesso. Será que os investidores estarão dispostos a fornecer as vastas somas requeridas por instituições com um histórico claro de gestão inepta? A confiança, quando destruída, nunca retorna rapidamente.
A conclusão, logo, é deprimente. Ninguém pode confiar em que os EUA já tenham solução confiável para o desastre bancário. Pelo contrário: com o público furioso, um Congresso em pé de guerra, um presidente tímido e um plano que depende de injetar dinheiro público em instituições subcapitalizadas, os EUA vivem um impasse.
Cabe a Obama encontrar uma saída. Quando se reunir com seus 19 colegas chefes de governo na semana que vem, não poderá alegar já tê-lo feito. E, se isso não basta para assustar, não sei o que bastaria.