terça-feira, 5 de julho de 2011
Entrevista com Edmar Bacha e Simon Schwartzman
O lançamento do livro é hoje e pela entrevista é possível inferir que uma nova agenda esta sendo proposta. A última foi vitoriosa e com bons resultados para o grande bananão.
Valor: O que juntou um economista e um sociólogo para fazer esse trabalho?
Bacha: A Faculdade de Ciências Econômicas de Belo Horizonte. Nós dois nos formamos no mesmo ano, na mesma faculdade, em 1963. A Faculdade de Ciências Econômicas tinha três cursos: economia, ciências sociais e administração... Na verdade a preocupação com a questão social não é exclusiva, nem de sociólogos nem de economistas.
Valor: O senhor um dia (década de 1970) comparou o Brasil a um misto de Bélgica no econômico e Índia no social (Belíndia). E agora, qual a relação entre o quadro macroeconômico e o social?
Bacha: Obviamente que a gente veio de uma condição miserável. Lá nos anos 1970 e 1980, os índices sociais do Brasil eram vergonhosos, dado o nível de renda que o país tinha. O Simon também participou do seminário e do livro que a gente fez, nos anos 80, junto com um historiador americano chamado Herbert Klein ("Transição Incompleta") no qual, justamente, a temática era essa: o país tinha feito a transição de uma economia agrária para uma economia industrial urbana, mas tinha deixado para trás boa parte da população que tinha se transferido do campo para a cidade e que estava vivendo em condições miseráveis, sem educação, sem saúde. De lá para cá, a partir da redemocratização (1985) e da estabilização (1994), o Brasil fez enormes progressos. Eu acho que, nas necessidades básicas da população, demos conta do recado. É isso que a gente quer dizer quando está discutindo uma "Nova Agenda Social": a gente precisa ir além do básico.
Valor: O Brasil realmente deu conta do básico?
Schwartzman: Não totalmente. O que acontece hoje é que tem problemas que atingem não os 16 milhões [número oficial de pessoas que ainda vivem na miséria no Brasil], mas grande parte dos 170 milhões [o restante da população]. São pessoas que não estão entre os extremamente pobres, mas que vivem em situação complicada na periferia das grandes áreas urbanas, não têm acesso a esgoto, têm problema sério de falta de acesso à saúde... Ainda se pensa muito da forma antiga. Problema no Brasil? Pobreza extrema! Problema do Brasil? Grande desigualdade! Tudo isso ainda existe, mas a pobreza extrema diminuiu, a desigualdade diminuiu. Os problemas são de outro tipo, questões muito complicadas e que estão sendo muito pouco consideradas.
Bacha: Está faltando foco.
Valor: A política de combate à pobreza recém-lançada pela presidente Dilma está errando no foco?
Schwartzman: Não estou entrando no mérito da política especificamente. O fato de focalizar em um segmento da população que ainda vive uma pobreza muito grande não está errado. O problema não é esse. O problema é: cadê o foco em outras coisas?
Bacha: Vou por os números no que ele está falando. Nessas cinco áreas que a gente considera no livro, o governo gasta 24% do PIB. Quanto disso é para a pobreza extrema? É 0,5% do Bolsa Família, 0,6% do Loas [benefício pago a idosos e deficientes físicos] e 1,5% da aposentadoria rural. Nós estamos falando aí de 2,6% do PIB. Ou seja, do que chamamos de políticas sociais no Brasil, só 10% de fato são focados no pobre. Os outros 90% são para outra gente. Então, não é só que a natureza do problema mudou. É que a maneira como a gente gasta não parece ser adequadamente focada. Paulo Renato [ministro da Educação do governo Fernando Henrique Cardoso, morto há dez dias] pôs todo mundo na escola. Agora, vamos ensinar a eles alguma coisa.
Valor: O SUS, teoricamente, universalizou a saúde...
Bacha: Universalizou, mas o que a população quer é plano de saúde. É essa ideia de que o SUS é para os pobres, exceto quando eu preciso dele para emergências e para os gastos extraordinários. Foi concebido como universal, e de fato é muito desigual. E é desigual porque foi concebido como universal. Criou o espaço necessário para que os grupos de interesse com real poder político no país se aproveitassem da chamada universalidade para poder beneficiar a si próprios. A Constituição fala que a saúde é universal, mas não diz em nenhum lugar que ela é equitativa. A equidade não foi assumida como o valor principal desse processo.
Valor: Como se transpõe essa análise para a educação?
Schwartzman: O que se gasta com ensino superior público é sete vezes mais do que se gasta com ensino básico. Há alguma distorção aí, não é? E tem outra ordem de questão. Será que as escolas estão funcionando como deveriam? As universidades estão produzindo competência, pesquisa e conhecimento correspondentes aos seus custos? O mesmo se pergunta na saúde.
Valor: É possível, politicamente, o Brasil ter um ensino público universitário cobrado?
Bacha: A Colômbia cobra, o Chile cobra...
Schwartzman: Até o México está começando a cobrar, a Inglaterra cobra, a China cobra, todos os países da Europa Oriental cobram, a Ásia inteira cobra... Por que o Brasil não pode cobrar?
Valor: Hoje, todos concordam que é necessário reformar a Previdência. Qual é a reforma possível?
Bacha: Hoje, já gastamos mais do que 11% do PIB com previdência. É 7,2% com o INSS, 2% com o sistema público federal e 2% com o estadual e municipal. Isso, com 10% da população com mais de 60 anos. Em 2050, vamos ter 30% da população com mais de 60 anos. Hoje, as aposentadorias estão atreladas ao salário mínimo. O salário mínimo está atrelado ao PIB... Essa conta não vai fechar, logo, logo.
Valor: Vai ser preciso mexer na Constituição para fechar as contas?
Bacha: Seguramente. Acho que hoje o Brasil não faria essa Constituição. Você estava saindo da ditadura, com uma enorme dívida política e social a ser paga... e com a inflação comendo. E sem criar nenhuma percepção de restrição orçamentária. Existe uma concepção segundo a qual o princípio da solidariedade social, com o qual todos nós concordamos, exige a universalização dos serviços. E a Constituição proclama isso e instituiu isso. De fato, o que ela criou foi uma focalização perversa. Queremos fazer uma focalização correta. E é assim que a gente vai produzir a solidariedade.
Valor: As políticas da inclusão produtiva dos mais pobres estão caminhando de maneira correta?
Schwartzman: O que a gente tem sobre isso [no livro] é a parte das políticas de renda, Bolsa Família... O que você pode dizer do Bolsa Família é que, basicamente, deu um pequeno ganho monetário para populações de muito baixa renda. Além disso, você não vê efeito sobre educação, sobre saúde... O programa que o governo lançou agora, tenho a impressão que não acrescenta muito. Em parte, é uma extensão do Bolsa Família.
Valor: Como tratar o problema da segurança pública e como a experiência das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) do Rio de Janeiro pode contribuir?
Bacha: O que parece que é peculiar do Rio, por causa da geografia, é o domínio territorial [pelo tráfico armado] dos morros que são vizinhos aos locais onde os ricos moram. Normalmente, a pobreza está no subúrbio. Não sei se o formato específico das UPPs é extensivo a outras experiências. Fora isso, tem diversas experiências aqui no Brasil de sucesso no combate ao crime violento e que o Rio está adotando, indo além da UPP. São Paulo, Belo Horizonte, Diadema... E tem outro aspecto [não está no livro] que é o papel das Forças Armadas. Acho que é um tema importante e emergente: qual o papel que as Forças Armadas podem ter para lidar com a violência, especialmente no Norte e no Nordeste do país, onde as estruturas administrativas dos governos locais parecem ser insuficientes?
Valor: A macroeconomia pode ser um obstáculo para que se dê esse salto de qualidade que os senhores propõem nas políticas sociais?
Bacha: Com a macroeconomia de 1980, não dava nem para começar a pensar. Só estamos considerando esses problemas da forma como estamos porque a macroeconomia permite.
Valor: Mesmo com os escorregões fiscais?
Bacha: São questões de conjuntura. Não existe risco de uma hiperinflação, risco de crise do balanço de pagamentos... Estamos discutindo qual é o grau de aperto ideal da política monetária. Aqui e no resto do mundo. Nesse ponto de vista, estamos normais. Nossas políticas sociais é que não são normais.
Schwartzman: O que a gente pergunta é como usar melhor o que a gente tem. Estamos dizendo que, no tamanho que a gente está, temos que fazer melhor.
Fonte: Valor