quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Lemgruber e o câmbio

Dia complicado, somente agora tive tempo de ler o ótimo artigo - que republico abaixo - do Lemgruber. Levanta pontos importantes, mas nem todos são convincentes. Em breve retorno ao tema.


Sem dúvida alguma, o câmbio é o tema econômico do momento. Basta uma leitura do Valor nos últimos dias. Exportadores de manufaturados estão preocupados. As taxas negativas de crescimento nas vendas de produtos manufaturados e semimanufaturados para o exterior em 2009 estão assustando os analistas. O país voltou a ser extremamente dependente das exportações de commodities, como ocorria nas décadas anteriores a 1970. Com tudo isso, o tema da taxa de câmbio entrou nas manchetes.
Exercícios acadêmicos (Ibre, da FGV-Rio, por exemplo) mostram que temos hoje uma defasagem de mais de 30% em relação a janeiro de 1999 (quando houve a desvalorização do governo FHC). Isso significa, na prática, que a chamada taxa efetiva real de câmbio (considerando todas as moedas, inclusive a chinesa) voltou aos níveis do Plano Real (um para um) ou até um pouco menos do que isso. O Brasil está caro. Basta traduzir alguns preços importantes em dólares (restaurantes, pedágios, combustíveis, etc.)
Isto é uma autêntica tragédia para o setor exportador de manufaturados e ajuda a explicar o desastre nos índices de produção industrial. Eugênio Gudin dizia na década de 50 (quando o Brasil dependia realmente das exportações de café) que "câmbio é café", mas a escala da economia brasileira - como enfatizou recentemente Delfim Netto - simplesmente não permite que voltemos a ser um país exportador apenas de produtos primários. Há todo um parque industrial construído ao longo de 50 anos.
As commodities (soja, café, açúcar, minério, carnes) e os juros ainda altos (além da bolsa) continuam atraindo dólares e ajudando a apreciar o câmbio na direção de R$ 1,75. Isto é perigoso e pode massacrar a indústria brasileira, seja na competição com Brics, seja com países desenvolvidos, seja na própria América do Sul.
Por incrível que pareça, chegamos ao ponto em que economistas (inclusive diretores do BCB) desenvolveram a teoria de que a compra de reservas não influencia a taxa de câmbio. Isso nega décadas de estudos e pesquisas econômicas pelo mundo afora. O problema, isto sim, é esterilizar os reais emitidos, pela venda ao público de títulos da dívida federal.
Na verdade, para ser preciso, nem precisa comprar: basta dizer que R$ 1,80 é um patamar adequado e isto fará com que o sinal se inverta, como se fora uma banda informal. O mercado não vence de jeito nenhum o Banco Central quando se trata de apreciação cambial (só no caso oposto, de depreciação da moeda, porque os dólares acabam).
Uma ideia ousada é remontar a 1968. Naquele ano, o Brasil criou um sistema de minidesvalorizações cambiais dentro do regime de câmbio fixo, porém ajustável, pelo BC (e não pelo mercado). Foi um elemento importante para manter o câmbio competitivo e estimular exportações, e ajudou o Brasil a crescer 10% ao ano durante sete anos. Além disso, havia a surpresa do intervalo de frequência das minis - geralmente entre três e cinco dias úteis - para desestimular a especulação câmbio-juros.
Hoje, nós temos taxas flutuantes de câmbio definidas basicamente pelo mercado, mas é sabido que o BC faz intervenções no mercado. O diferencial de juros a favor do Brasil permanece elevado, mas já é bem mais arriscado o especulador/investidor fazer o chamado "carry-trade", raciocinando em bases mensais, por exemplo, pois não passa de 0,7% este diferencial.
É possível que o sistema de 1968 tenha uma lição extremamente útil que possa ser aproveitada - a surpresa da data da intervenção. Ao contrário do que tem sido dito, o BC deve provocar uma volatilidade maior a curtíssimo prazo, na diferença entre juros e variações cambiais, que desestimule a especulação, comprando dólares em grandes quantidades sem avisar o dia certo, porém em intervalos curtos, de surpresa. Estamos falando de 1% para cima ou para baixo, que é mais do que suficiente para superar o diferencial mensal de juros. Nada de grandes desvalorizações ou apreciações. A baixa volatilidade é importante para o médio e longo prazo.
Na verdade, estamos imaginando a volta das minidesvalorizações - uma espécie de "dirty float", para "aumentar" a volatilidade cambial de curtíssimo prazo (e reduzir a de médio e longo prazos), de modo a evitar a tragédia de uma forte apreciação cambial (ou uma maxidesvalorização cambial.
Basta lembrar que, em 2002, a taxa de câmbio era de R$ 4, chegou a R$ 1,50 em 2008 e está ameaçando caminhar para lá de novo, sobretudo com esse "marketing" do pré-sal. A "doença holandesa" ou "norueguesa" dos altos preços das commodities e dos juros reais altos no Brasil tende a se transformar na "maldição do petróleo do pré-sal" - vide o conjunto de paises árabes sem vida econômica normal, sem outras indústrias, sem nada.
Se isso acontecer, ou seja, com mais apreciação, China e Índia vão dominar inteiramente os manufaturados e nós vamos corroborar a teoria de 50 anos atrás, do país da matéria-prima e dos produtos primários. O país de Eugênio Gudin, como alguns andaram dizendo, referindo-se aos debates famosos da década de 50, antes do processo de industrialização brasileira do período JK, que foi seguido pelo viés exportador do ministro Delfim Netto a partir de 1967. Sempre é bom lembrar que entre 1959 e 1974 o Brasil cresceu de forma impressionante, chegando a uma média de 9% e por vários anos ultrapassando 10%.
Podemos afirmar com convicção que o Brasil não será capaz de crescer a taxas elevadas na segunda década do Século XXI com uma taxa real efetiva de câmbio inteiramente defasada. O problema é a defasagem e não tanto a volatilidade. Algo terá de ser feito com o câmbio. Afinal, quem montou planos econômicos heterodoxos como o Plano Real certamente saberá encontrar a solução para o velho dilema: taxas fixas ou flutuantes- e para mil alternativas existem no meio do caminho.