quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Sachs e a luta de classes

Divertido, mas realista, artigo do Sachs, no Valor de hoje, sobre o ambiente político americano relacionado a política econômica. Imagino a reação do marxismo talebã ao título do artigo( luta de classes politica nos EUA)....



Os Estados Unidos estão em rota de colisão com os Estados Unidos. O acordo deste mês entre o presidente Barack Obama e os republicanos no Congresso para estender os cortes de impostos iniciados há dez anos pelo ex-presidente George W. Bush vem sendo saudado como o início de um novo consenso bipartidário. Em vez disso, acho que se trata de uma falsa trégua do que será uma batalha campal pela alma da política dos EUA.
Como em muitos países, os conflitos sobre moralidade pública e estratégia nacional resumem-se a questões de dinheiro. Nos EUA, isso é mais verdadeiro do que nunca. Os EUA exibem um déficit orçamentário anual em torno a US$ 1 trilhão, que pode aumentar ainda mais como resultado do novo acordo tributário. Esse nível de captação é alto demais para que fiquemos tranquilos. Precisa ser cortado, mas como?

O problema é a política americana corrompida e a perda de moralidade cívica. Um partido político, o Republicano, defende pouco além de cortes nos impostos, que colocam acima de qualquer outro objetivo. Os democratas têm um conjunto de interesses um pouco mais amplo, como o apoio à educação, assistência médica, treinamento e infraestrutura. Assim como os republicanos, no entanto, os democratas também se mostram dispostos a promover uma enxurrada de cortes nos impostos dos principais contribuintes de suas campanhas, predominantemente os americanos ricos.

O resultado é um paradoxo perigoso. O déficit orçamentário dos EUA é imenso e insustentável. Os mais pobres são espremidos por cortes em programas sociais e um mercado de trabalho enfraquecido. Um em cada oito americanos depende de vales de alimentação para comer. Ainda assim, apesar dessas circunstâncias, um dos partidos quer dizimar a arrecadação tributária e o outro é facilmente arrastado, contra seus melhores instintos, preocupado em manter satisfeitos seus contribuintes mais ricos.

Esse frenesi por cortes de impostos chega, incrivelmente, após três décadas de regras fiscais elitistas nos EUA, que favoreceram os ricos e poderosos. Desde que Ronald Reagan tornou-se presidente em 1981, o sistema orçamentário dos EUA vem sendo orientado a apoiar o acúmulo de vastas riquezas no topo da distribuição de renda. Surpreendentemente, a parcela de 1% mais rica das famílias americanas agora possui patrimônio líquido maior que a de 90% da parte de baixo. A renda anual das 12 mil famílias mais ricas é maior do que a das 24 milhões mais pobres.

Ironicamente, há uma área em que certamente grandes cortes no orçamento seriam justificados: a militar. Mas essa é justamente a área que os republicanos não tocariam. Querem diminuir o orçamento não com o fim da guerra inútil no Afeganistão e a eliminação de sistemas desnecessários de armamentos, mas cortando a educação, saúde e outros benefícios para os mais pobres e as classes trabalhadoras.

Espremidos contra a parede, minha previsão é de que os americanos mais pobres e a classe trabalhadora começarão a agitar-se por justiça social.

Isso pode levar tempo. O nível de corrupção política nos EUA é estarrecedor. Tudo agora se trata de dinheiro para levar adiante campanhas eleitorais, que se tornaram incrivelmente dispendiosas. O custo das eleições de meio de mandato é estimado em US$ 4,5 bilhões, com a maior parte das contribuições vindo de grandes empresas e pessoas físicas ricas. Essas forças poderosas, muitas das quais podem operar anonimamente sob a lei dos EUA, trabalham incansavelmente para defender os que estão no topo da distribuição de renda. Mas não se enganem: os dois partidos estão implicados. Já se fala inclusive que Obama levantará US$ 1 bilhão ou mais para sua campanha de reeleição. Tal quantia não virá dos mais pobres.

O problema para os ricos é que, tirando os gastos militares, não há espaço para cortes no orçamento, a não ser em áreas de apoio básico para os mais pobres e a classe trabalhadora. Será que os EUA realmente reduzirão a renda dos aposentados e os benefícios de assistência médica? Realmente equilibrarão o orçamento por meio da redução dos gastos na educação, quando o desempenho dos estudantes americanos já é superado pelos colegas asiáticos? Os EUA realmente deixarão sua infraestrutura pública continuar se deteriorando? Os mais ricos tentarão empurrar essa agenda, mas acabarão fracassando.

Obama chegou ao poder com a promessa de mudança. Até agora não houve nenhuma. Seu governo está repleto de banqueiros de Wall Street. Suas principais autoridades saem para juntar-se aos bancos, como recentemente foi o caso de Peter Orszag, diretor de Orçamento. Ele está sempre pronto para servir os interesses dos ricos e poderosos.

Se a situação continuar, surgirá um terceiro partido, comprometido em limpar a política dos EUA e recuperar algo de decência e justiça. Isso, também, levará tempo. O sistema político é profundamente orientado contra qualquer desafio aos dois partidos estabelecidos. Ainda assim, o momento de mudanças chegará. Os republicanos acreditam estar com a vantagem e que podem perverter o sistema ainda mais a favor dos ricos. Acredito que se demonstrará que estão errados.

Jeffrey D. Sachs é professor de economia e diretor do Instituto Terra, da Columbia University. É também assessor especial do secretário-geral das Nações Unidas no tema das Metas de Desenvolvimento do Milênio.

Fonte Valor

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Fitoussi e a crise econômica


Ótimo artigo do Fitoussi, um economista frances pouco conhecido no grande bananão, sobre o day after da crise econômica.



Oscar Wilde disse certa vez que experiência é o nome que damos a nossos erros. No ano passado, tentamos analisar os erros que levaram o mundo a entrar na crise econômica. Agora, é hora de analisar os erros que cometemos ao tentar sair dela.

Quando o tamanho da crise ficou mais claro no ano passado, muitos estavam convencidos de que seria mal administrada. Talvez devamos ser gratos por, pelo menos, ela ter sido administrado de alguma forma. Ao contrário do ocorrido nos anos 30, as autoridades agiram com rapidez, ignorando os dogmas que alertavam contra intervenções rápidas.

Além disso, sabiam que, em contraste com o verificado no período entre as guerras, seria necessária uma coordenação internacional mais próxima. Em 2008 e 2009, a influência do G-20 aumentou, à custa do G-8. As pessoas ficaram cientes da necessidade de uma governança global autêntica. Surgiram, enfim, várias propostas com o objetivo de tornar tal governança realidade.

A experiência, afinal, não é apenas o nome que damos a nossos erros. Como mostrou a crise financeira, também é o processo que nos permite ampliar nossa compreensão e, em última análise, contemplar um novo mundo.

Infelizmente, no entanto, esse processo não foi longe o suficiente, permitindo que muitos bancos, governos e instituições internacionais voltassem aos "negócios de sempre". De fato, hoje, os incendiários da economia mundial tornaram-se procuradores e acusam os bombeiros de terem provocado uma inundação.

No auge da crise, os governos tiveram a oportunidade de criar uma nova infraestrutura financeira mundial. Mas a deixaram cair por entre os dedos. O fato de muitas economias ocidentais terem saído da recessão em 2009 não deveria nos enganar e levar a pensar que a crise foi apenas um breve interlúdio e que o mundo pós-crise pode voltar ao status quo pré-crise. Há pressões para reescrever a história da crise, descrevendo os efeitos como se fossem as causas e culpando os governos que administraram a crise como se a tivessem iniciado.

Um dos pontos mais baixos - talvez devêssemos dizer o ápice da incoerência - foi alcançado no ano passado, quando as agências avaliadoras de risco de crédito intensificaram sua vigilância sobre os títulos de dívidas governamentais e os mercados que foram vitimados pela incompetência e má-fé das agências ficaram obcecados em seguir suas avaliações. O Lehman Brothersostentava um "rating" elevado até as vésperas de seu desmoronamento e, ainda assim, agora as agências criticam os governos que tiraram a economia mundial do abismo por não seguir princípios contábeis.

Será que as agências de "rating" e os mercados são tão mal informados sobre os gastos públicos? De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), os países do G-20 destinaram, em média, 17,6% de seu Produto Interno Bruto (PIB) para respaldar seus sistemas bancários, embora tenham gastado, na prática, bem menos. Da mesma forma, os gastos para estimular a economia real somaram apenas 0,5% do PIB em 2008, 1,5% em 2009 e 1% neste ano. No total, os planos de recuperação dos países da União Europeia chegaram a apenas 1,6% do PIB, em comparação com os 5,6%, dos Estados Unidos.

Os governos tomaram as medidas corretas para salvar os bancos, mas ignoraram as consequências políticas. Ao repartir vastas quantias de dinheiro para resgatar o sistema financeiro, sem pedir garantias genuínas em troca, mostraram falta de capacidade de previsão. Admitir que as agências avaliadoras de crédito foram incompetentes sem fazer nada para regulamentá-las foi imperdoável.

Como resultado, os contribuintes poderão ter de pagar duas vezes, uma pelo pacote de resgate e de novo pela baixa qualidade das dívidas nas quais incorreram durante o resgate, como atestam os programas de austeridade anunciados na Europa. Paradoxalmente, a sensação cada vez maior de que uma catástrofe foi evitada alimenta uma crescente demanda para que os governos cortem gastos públicos e sociais e se abstenham de propor programas de investimento. As pessoas estão correndo de volta às políticas que originalmente provocaram a crise.

Os governos, no entanto, não são culpados de enganar o público; se forem culpados de algo é de terem agido de forma ingênua, e agora pagam o preço. Os governos realmente não têm opção: precisam assumir a responsabilidade e exercer o poder, mesmo se isso exigir nadar contra a maré da opinião pública - e especialmente se isso puder aliviar o sofrimento social trazido pela crise.

De fato, temos de lembrar-nos que o crescimento econômico foi sustentável apenas em países com sistemas de bem-estar social altamente desenvolvidos, como a França. Sim, esses países se recuperarão mais vagarosamente do que outros, mas os países que caíram em buracos mais profundos precisam trabalhar mais do que os que caíram nos mais rasos.

Talvez, ainda mais importante, o esforço por maior competitividade, independente do custo, apenas agravará a crise. Afinal, as políticas de crescimento puxadas pela exportação podem ser bem-sucedidas apenas quando outros países estão dispostos a ter déficits. Tendo em vista que os desequilíbrios globais que levaram à crise continuam não resolvidos, incrementar a competitividade será uma vitória enganosa, com grandes custos - uma vitória que cobrará um alto preço do consumo e dos padrões de vida domésticos.

Jean-Paul Fitoussi é professor de economia na Sciences-Po (Instituto de Estudos Políticos de Paris) e na Luiss (Universidade Livre Internacional de Estudos Sociais Guido Carli), em Roma.

Fonte: Valor

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Argumentos...

Interessante artigo sobre a importância de argumentos que, via de regra, não recebem a devida importância no campo da ciências sociais.

According to Bertrand Russell, philosophy is the subject that teaches how to tell a good argument from a bad one. That definition accords well with my recollection of how it was presented in my schooldays when we were assured that good arguments were based either on the deductive reasoning of mathematics and logic or inferences drawn from observations which could be empirically verified. Bad arguments were therefore of three kinds: mistaken deductions, where a seemingly sound proof turned out not to be; mistaken inferences from evidence which turned out to be inadequate to support them; and arguments which turned out to rest on propositions mistakenly claiming a validity inherently beyond them, like those of metaphysics or ethics.

We soon learned that matters were not so simple. But if the distinctions between the analytical and the empirical, or between fact and value, could not be relied on, and if metaphysical statements could not be dismissed as confused if not downright meaningless, where were we to go for guidance? I am a sociologist, not a philosopher. But I was (and am) uncomfortably aware that sociology is full of arguments whose persuasiveness dissolves under the harsh light of philosophical scrutiny. Some sociologists, like many natural scientists, are dismissive of the suggestion that philosophers can be of help to them. If you want to find out why the things you observe going on in the world are as they are, get out and study them by the most serviceable techniques you can find. But evidence doesn’t speak for itself. In expounding their findings, scientists have both to justify and to interpret them. They have to be able to show their claims for the validity and significance of their findings to be right.

This, by general consent, is even more difficult in the social than in the natural sciences, since human beings have ideas of their own about why they behave as they do. But the difference matters not because the criteria by which arguments are assessed in the natural sciences cease to apply in the social sciences but because arguments of other kinds can be brought to bear on accounts of human behaviour. It is thus critical to the assessment of sociologists’ arguments to establish what exactly it is that they are seeking to achieve. For this, the most useful philosophical distinction to apply is the one between locution, illocution, and perlocution – that is, between what you are saying, what you are doing in saying it, and what you are doing by saying it. Different sociologists have all sorts of different illocutionary aims. Some try to forecast what is going to happen in or to the societies they study. Some compile social statistics. Some advance cross-cultural generalisations which others dismiss as trivial or circular. Some ruminate about the human condition. Some use the written or oral testimony of chosen informants to describe how the lives of their informants are experienced by themselves. Some make recommendations about social policy. Some link social effects to psychological causes, and others link social causes to psychological effects. All, however, depend for their success in doing what they are doing on convincing their readers that their arguments are good ones; and that depends on applying the right criterion to the particular case.

Sceptics who doubt whether any non-trivial generalisations about human social behaviour can ever be established to universal satisfaction sometimes question whether there are such things as social facts at all. But nobody seriously denies that some observations are more accurate than others and some causal connections more reliable. This holds not only for the way we all conduct our daily social lives but also for the way we account for historical events. There is a difference between interpreting evidence in one way rather than another, and making it up. But it is also true that the criteria by which arguments are judged are different in different cultural communities. To assert that any argument is better than another is to invite the rejoinder “yes, perhaps – but it depends on your point of view”.

I was made particularly aware of this recently when writing a short book under the title Great Books, Bad Arguments: Republic, Leviathan, and The Communist Manifesto. I had been prompted to write it by re-reading these three famous texts for the first time in half a century and wondering how well they would stand up in the light of what present-day sociologists can fairly claim to know that Plato, Hobbes, and Marx did not. None of them were doing social science as that term is nowadays understood. But all three advance conclusions derived from evidence for how human beings do, or would, or might, behave under different environmental and historical conditions. If these arguments are bad ones, this will presumably undermine the larger purposes which the three texts are intended to serve. Or will it? If I say that it does, might I be arguing badly myself?


Consider Leviathan. No reader of it can doubt that Hobbes wants to convince us that the preservation of order in human societies requires their members to accept the authority of a sovereign whose commands they are bound to obey. But of the arguments he advances for the purpose, some are timeless – this, he says, is what human beings have always been like, and always will be – whereas others are self-evidently parochial to his own time and place. Successive generations of commentators have puzzled over Hobbes’s views about religion, and it is hard to see how they will ever establish either what exactly he was doing in, or what exactly he expected to achieve by, Parts Three (“Of a Christian Commonwealth”) and Four (“Of the Kingdome of Darknesse”). But whether the arguments in those chapters are good or bad, Leviathan remains independently of them a classic text of Western political philosophy because the timeless arguments are good enough to keep it there. Or might there be some other criterion of assessment by which it doesn’t matter so much if they aren’t quite as good as all that?

Hobbes argues that in the absence of an effective sovereign, human beings will revert to a perpetual state of war of all against all. But if he believed that our ancestors did originally live in such a state, he is mistaken. In the Palaeolithic hunting and foraging bands from whose members we are all descended, there were no doubt some individuals who were liars, bullies, thieves, free-riders, and cheats, while there were others who were reliable, generous, and kind. But they managed well enough to hold together, to collaborate for common purposes, to form ongoing relationships with other bands, and to respect each other’s personal autonomy without having to be forcibly restrained by a ruling person or group. It is a matter of dispute among palaeoanthropologists how far the ethnographic evidence for the behaviour of hunter-gatherers observed in the present licenses inferences about human behaviour in the Stone Age. But the ethnography provides abundant examples of how the liars, bullies, thieves, free-riders, and cheats can be adequately disciplined by ridicule, ostracism, the formation of counter-dominant coalitions, and occasional recourse to physical violence. Nor is it true that people cannot make credible and effective commitments to collaborate in exploiting their natural environment without a coercive external authority: Elinor Ostrom has recently been awarded a Nobel Prize for showing how they can. That does not mean that in present-day Britain, any more than in Hobbes’s day, the government can dispense with the practices and institutions through which behaviour socially defined as unlawful is physically monitored, restrained, and punished. But it does mean that Hobbes’s central thesis is a bad one to the extent that it attributes to human beings a universal psychology inherited from a common past from which he derives a generalisation which is demonstrably false.

The same holds for his argument that sovereignty is indivisible. That is trivially true if a sovereign who shares power is by definition not a sovereign. But it is a sociological fact that there are societies in which order is successfully maintained under constitutions which explicitly allow for a separation of powers. Hobbes is unwilling to accept that the risk of descent into civil war might actually be lower in a society where the citizens accept the authority of separate political institutions no one of which dominates the rest. He does not believe that the citizens might be more, not less, likely to live in harmony with one another if they could see their interests being represented in, and safeguarded by, a number of autonomous bodies which co-exist alongside, as opposed to above and below, one another. For Hobbes, any power delegated by the sovereign must be revocable, because otherwise the members of those bodies and the citizens who acknowledge their authority will have a divided loyalty. But the urge to rebel can be all the stronger when a single sovereign has a monopoly of power and allegiance to any other institution is not merely disloyal but seditious. Hobbes again draws from his own chosen examples a generalisation which cannot be sustained.

These are only two of the arguments in Leviathan which have been exhaustively analysed by Hobbes’s commentators. But if these two are central to his purpose, and they are not good enough to sustain the conclusions he draws, what then? Can Leviathan’s enduring reputation be justified? The answer to which I was led by my re-reading was that what Hobbes is most importantly doing in Leviathan is done so well that it continues to set the agenda for any sociologist or philosopher who wishes to devise a form of political organisation which will enable human beings to live together in lasting order and harmony. He is both warning his readers just how difficult that is and voicing the hope that, if only his warnings could be heeded, it might one day be achieved after all.

On this interpretation, Hobbes’s sociology should be construed as “optative” sociology, as it were, a sociology of wishes or hopes. Hobbes is not telling his readers what is going to happen. Nor is he telling them what ought to happen. He is telling them how much more comfortable a world it would be if only certain things could be made to happen. It is unlikely that they will, since human nature is what it is. But there are lessons to be learned from historical events which would make less likely the kind of civil war which he had witnessed at first hand. His warning goes on being as deserving of attention as ever because the dangers which alarm him continue to be as serious as ever. If he were with us, he might concede to Elizabeth Ostrom that there can be “covenants without the sword”. He might acknowledge that there can be such a thing as a loyal opposition, that not all forms of protest against the decisions of government are inherently subversive, that unorthodox political opinions are not always treasonable, and that a constitution in which the judiciary is not an arm of the executive can increase rather than diminish popular respect for the law. But he would be right to insist that competition for power is endemic in human societies, that no society can continue in being with a total absence of coercive sanctions, that unchecked rivalry between alternative contenders for power threatens the stability of the society as a whole, that ideological intolerance leads all too easily to internecine political conflict, that disinterested rationality all too often gives way to self-serving prejudice, that both rulers and their subjects would always like to have more power than they do, and that liars, bullies, thieves, free-riders, and cheats will continue to get away with what they can. If some of his arguments about power and sovereignty can be shown to be bad ones, it does not follow that his hopes for a more harmonious and orderly future, or his warnings of the obstacles in the way of their being realised, have lost either their illocutionary force or their perlocutionary effect.

W.G. Runciman is fellow of Trinity College Cambridge and author of Great Books, Bad Arguments (Princeton University Press).

Fonte: TPM

domingo, 26 de dezembro de 2010

sábado, 25 de dezembro de 2010

Mensagem de Natal da CNBB

“E a Palavra se fez carne e veio morar entre nós” (Jo 1,14)

Aproximando-se a festa do nascimento de Jesus Cristo, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) dirige-se ao povo brasileiro para desejar que as bênçãos de Deus sejam derramadas abundantemente no coração de todos.

A contemplação e celebração do nascimento de Jesus fortalecem a fé em Deus que vem até nós e que nos oferece a possibilidade do encontro com seu Filho. Ele é o caminho para que em nossas famílias, nas comunidades e na sociedade vivamos o amor, a reconciliação e a paz.

Mesmo sabendo que o nosso país tem mostrado sinais de progresso econômico, persistem, ainda, em nosso meio situações de miséria e de empobrecimento, de fome, de violência organizada, de degradação do meio-ambiente, dentre outras realidades que ameaçam a vida e geram insegurança nas mais variadas formas. Essa realidade é fruto do individualismo e do egoísmo que orientam a organização da sociedade atual na lógica da concentração de bens e riquezas e da exclusão social.

O Natal lança luzes e questionamentos sobre o nosso modo de ser e de viver o Evangelho em meio às realidades que interpelam a nossa consciência e prática cristãs e eclesiais. Jesus Cristo, que assumiu a humanidade com suas fragilidades, limites e pecados e a redimiu, nos convida a seguir os seus passos. A exemplo de Cristo, a Igreja no Brasil assume as angústias e tristezas do povo brasileiro, bem como suas esperanças, a fim de que, animada pelo Espírito, possa realizar sua missão no horizonte da gratuidade, da solidariedade e da alegria.

Celebremos o Natal com gestos de partilha, proclamando a presença de Jesus Salvador, reconhecendo e afirmando o valor da dignidade da pessoa, participando da vida da comunidade e comprometendo-nos com a construção de uma sociedade pacífica e sem exclusões. Desse modo, estaremos respondendo melhor ao amor de Deus presente no Verbo que se fez carne e habita entre nós, fortalecendo nossas esperanças para o Ano Novo.

A todos, desejamos um feliz e santo Natal e um abençoado Ano Novo.

Brasília, 1º de dezembro de 2010.

Dom Geraldo Lyrio Rocha
Arcebispo de Mariana
Presidente da CNBB

Dom Luiz Soares Vieira
Arcebispo de Manaus
Vice-presidente da CNBB

Dom Dimas Lara Barbosa
Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro
Secretário Geral da CNBB

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Roubini e a zona do euro

Nouriel Roubini tem fama de ser um pessimista exagerado, mas este não é o caso da sua analise sobre a zona do euro. Os cenários me parecerem corretos e bem realistas.



DEPOIS DAS crises grega e irlandesa e da expansão do contágio financeiro a Portugal, Espanha e possivelmente à Itália, a zona do euro agora enfrenta séria crise. Existem três possíveis cenários: seguir aos trancos e barrancos, mantendo a atual abordagem de esperar e rezar; dissolução, com uma reestruturação ordenada de dívidas e a possível saída dos membros mais fracos; e maior integração, o que implicaria alguma forma de união fiscal.
O cenário que envolve deixar as coisas como estão, com financiamento aos países em crise (condicionado a ajustes fiscais e a reformas estruturais), na esperança de que estejam solventes, ainda que desprovidos de liquidez, representa um desequilíbrio instável.
O fato é que a situação atual pode conduzir a uma situação de dissolução desordenada, se reformas institucionais e outras políticas integradoras de crescimento na periferia da zona do euro não forem implementadas em breve.
Ninguém vai resgatar os países europeus de maior porte caso se provem insolventes. Assim, a estratégia de empurrar o problema para a frente em breve atingirá seus limites, e um plano diferente será necessário para salvar a zona do euro.
A primeira reforma institucional tomará a forma de uma maior disponibilidade de recursos oficiais, o que significaria uma quase união fiscal. Os recursos oficiais no momento bastam para resgatar Grécia, Irlanda e Portugal, mas não para prevenir uma corrida aos títulos soberanos de curto prazo e aos passivos financeiros espanhóis e de outros membros da zona do euro potencialmente sujeitos a crises; com isso, o medo de uma crise na verdade será causa de crise.
Caso não seja promovida uma unificação fiscal plena -ou uma variante dessa ideia, na forma de títulos de dívida emitidos coletivamente pela zona do euro-, a elevação dos recursos oficiais poderia ocorrer por meio de um programa de estabilidade financeira bastante expandido e de um compromisso maior do Banco Central Europeu quanto à aquisição de títulos de longo prazo e operações de liquidez em apoio aos bancos.
Como uma união fiscal parcial implica que as economias centrais da zona do euro poderiam terminar envolvidas em resgate sistemático das economias periféricas, apenas uma perda formal de soberania fiscal seria capaz de superar a atual resistência política na Alemanha e em outros países. Mas nem uma maior disponibilidade de recursos oficiais bastaria para resolver os problemas de Grécia, Irlanda e possivelmente Portugal e Espanha.
Assim, um segundo conjunto de políticas e reformas institucionais requereria que todos os credores não garantidos de bancos e outras instituições financeiras aceitassem prejuízos em suas dívidas a receber.
Isso é necessário para impedir a transferência de montantes ainda maiores de dívidas privadas para os balanços dos governos, o que causaria um colapso fiscal.
De forma semelhante, os países de maior porte não podem continuar saindo em resgate dos países menores que estejam sofrendo de insolvência, e não de crises de liquidez. Assim, a Europa também precisa implementar reestruturações ordeiras e antecipadas de títulos de dívida pública sujeitos a calote.
Esperar até 2013 para implementar essa reestruturação, como propõe a chanceler alemã, Angela Merkel, destruirá a confiança. Reestruturações ordenadas e baseadas em princípios de mercado, conduzidas por meio de conversão de títulos, precisam estar disponíveis em 2011.
Por fim, a Europa precisa de políticas que restaurem a competitividade e o crescimento na periferia da zona do euro, onde o PIB continua a se contrair (Grécia, Espanha e Irlanda) ou cresce pouco (Portugal e Itália). O BCE deveria adotar uma política monetária muito mais frouxa para fazer com que o crescimento pegue no tranco, e um euro mais barato ajudaria a estimular a competitividade da periferia.
Nos próximos meses, ficará claro se as autoridades econômicas europeias são capazes de chegar a um acordo e implementar reformas que reduzam a ameaça de uma dissolução da zona do euro.

Fonte: FSP

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Entevista com Edmar Bacha


Excelente entrevista com o melhor economista brasileiro, Edmar Bacha.



Valor: Com o atual ritmo de crescimento do PIB, câmbio valorizado, inflação acima da meta do BC e financiamento externo elevado, como é possível se alterar esse modelo sem que se bata em um gargalo?

Edmar Bacha: A economia tem limites, apesar do Antônio Delfim Netto achar que não existe produto potencial. Claramente estamos trabalhando nos limites. Como sair disso sem aumentar a poupança interna? Com produtividade. O que temos a oferecer para aumentar a produtividade? Os avanços tecnológicos não caem do céu, é preciso ir atrás deles e isso vai na contramão da tese de desindustrialização, afinal estamos importando mais tecnologia, justamente para ampliar a produtividade.

Valor: O sr. então refuta a ideia de que o Brasil está se desindustrializando?

Bacha: Estamos em pleno emprego, que desindustrialização é essa? A verdade é que por estar em pleno emprego e a mão de obra em escassez, e por estarmos nos especializando em serviços, comércio e construção civil, a indústria não consegue concorrer na disputa pelo trabalhador.

Valor: Por isso os indicadores de produção industrial estão tão fracos desde abril?

Bacha: No Brasil, nunca olhamos direito para a questão do emprego, mas sempre para a utilização da capacidade produtiva. Acho que é uma novidade o que está ocorrendo. Nunca tivemos uma taxa de desemprego tão baixa. A indústria se anima porque a demanda está mais alta e tenta contratar mais mão de obra, e aí o preço sobe. O próprio Valorfez uma matéria chamando atenção para os acordos salariais recordes neste ano. Isso representa aumento do custo da mão de obra e consequentemente reduz a rentabilidade da indústria. Então a indústria não tem por quê produzir mais. Não há pressão sobre a capacidade instalada, mas sobre mão de obra. E não é só na indústria, o pessoal de construção civil também. Não tem engenheiro e também não tem pedreiro.

Valor: Essa dificuldade em produzir, então, facilita a entrada de importados?

Bacha: Ao tentar produzir mais o salário sobe, e com isso diminui a rentabilidade, então ela não produz além de certo patamar. Aumentamos as importações não porque a indústria não tem condições de concorrência, mas porque ela está plenamente empregada.

Valor: Onde isso pode chegar?

Bacha: Essa falta de mão de obra pode extravasar para aumento da inflação ou um déficit não financiável nas transações correntes. Esse é que é o problema, não é a desindustrialização.

Valor: Não estamos dependendo muito da demanda chinesa por commodities?

Bacha: A ideia de que os preços estão em alta e podem cair e gerar um problema é exagerada. Se daqui a cinco anos a China parar de consumir, a Índia assume a demanda. Vivemos uma mudança estrutural profunda, semelhante a que ocorreu na passagem do século XIX para o XX, quando o país líder era consumidor de commodities, a Inglaterra, e passou a ser os Estados Unidos, um país produtor de commodities. Passamos, então, cem anos com os preços das commodities no chão, o que deu caminho para a industrialização. Agora está saindo dos EUA e indo para China e Índia, que, como a Inglaterra antigamente, demandam commodities.

Valor: O Brasil, então, continuará sendo o país do futuro?

Bacha: Não temos um terço da humanidade, como têm China e Índia. Mas temos diversos desafios vencidos, o que é ótimo, o que deixa o caminho aberto. Superamos a ideia de que o Brasil só crescia de maneira estável com ditadura, primeiro com a industrialização induzida por Vargas e depois com os militares. Superamos essa fase, podemos ser uma economia que não vai por saltos, mas cresce e com democracia. Depois a ideia de que a única maneira de crescer era com inflação. Eu me lembro do Celso Furtado dizendo que 17% de inflação é mais ou menos igual a zero nos países desenvolvidos. Superamos isso também. A terceira questão é a esquerda no Brasil, e essa é a importância do Lula.

Valor: Como assim?

Bacha: Até dezembro de 2001, quando o PT teve o manifesto de Olinda e ignorou o fim da Guerra Fria, ninguém poderia saber como seria um governo de esquerda. Aí vem o Lula e joga com todos os velhos vícios da política brasileira. Nós passamos por esse teste.

Valor: O que falta, então?

Bacha: Faltava demanda por recursos naturais, mas até isso superamos, com o surgimento da Ásia, com forte demanda pelos produtos que os latino-americanos têm à oferecer. Nossos problemas agora não têm a dramaticidade que tinham quando as questões eram hiperinflação, ditadura, a perspectiva de um governo de esquerda e a falta de demanda por nossas commodities. Isso é passado.

Valor: O Brasil está mais complexo. Mas ainda não superou todos os problemas do passado, como a desigualdade de renda...

Bacha: Concordo. Continuamos com um problema de distribuição de renda, que é coisa que precisa sempre ser priorizada. Mas não é só isso, temos outros problemas, antigos, que não foram resolvidos. Temos uma produtividade ainda fraca, o setor público ainda abocanha uma parcela muito grande do produto e não entrega no mesmo nível, o sistema político é um horror, o sistema tributário é uma vergonha e a Previdência, se não for reformada, vai quebrar o país em 2050. Uma quantidade enorme de problemas que precisam ser atacados, mas nós temos o know-how.

Valor: Este é o momento para discutir essas questões?

Bacha: Nas épocas eleitorais claramente não é. Quando você vê o nível do debate que tivemos em 2010 dá vontade de correr. Especialmente quando o principal debate se deu em torno do aborto. Temos um problema aí com essa emergência da classe média, que todo mundo está achando uma maravilha, mas ela não necessariamente tem uma face bonita, basta ver nos EUA com o Tea Party. Acho que está fora de cogitação pensar que essa classe média pode pensar em ditadura, mas estará ela disposta a discutir a fundo esses diferentes problemas? Em alguns temas já formamos consensos, como na questão dos tributos, que foi levantada depois das eleições, quando falaram sobre o financiamento da saúde.

Valor: O sr. concorda com o retorno da CPMF?

Bacha: É claro que não concordo. Acho absurdo pensar em criar mais um imposto quando o governo está arrecadando barbaridades. É preciso arrumar os gastos, não a arrecadação.

Valor: O caso da Previdência é um exemplo?

Bacha: Exatamente. Gastamos 11% do PIB com Previdência quando o normal seria 5%. Dentro da Previdência, o equivalente a 3,5 pontos percentuais são gastos com pensões, quando o normal seria 1% do PIB. Temos esses privilégios adquiridos que têm uma força enorme e representam uma parcela muito grande dos impostos.

Valor: Mas programas como o Bolsa Família são baratos, não?

Bacha: Sim, o Bolsa Família atinge 12 milhões de famílias e custa apenas 0,4% do PIB. O Loas, que atinge quantidade enorme de idosos, custa só 0,6% do PIB. Então, quando o governo fala em financiar os programas sociais, não pode estar se referindo a esses, que são muito baratos. O que ocorre é uma usurpação dos gastos sociais, dando a todo tipo de gasto o nome de social.

Valor: Dê um exemplo, por favor.

Bacha: Na educação, o grosso dos gastos públicos vai para universidades gratuitas. Não tem a mínima razão para as universidades serem gratuitas no Brasil.

Valor: Nenhuma?

Bacha: Não, nenhuma. Desde que se tenha uma política de bolsas, não precisamos ter universidades gratuitas.

Valor: Então seria possível privatizar as universidades públicas?

Bacha: Eu não gosto dessa palavra "privatizar", há mecanismos em que os beneficiários dos gastos públicos têm co-participação desde que tenham renda para tal, seja por bolsa, seja por empréstimos escolares. Os argumentos que estão por trás desses privilégios, tanto na Previdência quanto na educação superior, vêm da Constituição, que prevê que o ensino deve ser universal e gratuito. É gratuito, mas não pode ser universal e nem pode ser, e o dia que for o país arrebenta, porque não dá para atender todo mundo de graça. Essa é a dificuldade do PT para comandar o próximo passo.

Valor: E esse passo seria qual?

Bacha: O processo que vêm pela frente está baseado na eficiência do setor público e na equidade nos gastos, porque eles não gostam de falar em privatização.

Valor: O país deixaria então de ser a "Belíndia"?

Bacha: Se continuarmos no ritmo desses últimos dez anos, daqui a 15 anos estaremos perto dos Estados Unidos de hoje. O índice de Gini do Brasil passou de 0,65 para 0,56, mas o padrão americano é de 0,40, e o europeu é de 0,25, então ainda há muito a ser feito. Temos trilhado esse caminho, mas as coisas vão ficar mais difíceis. Os desafios que temos hoje na área social são mais caros e mais complexos. Uma coisa era resolver o problema da vacinação e da mortalidade infantil, algo razoavelmente simples, mas dar SUS para todos é muito mais complicado. Com educação, uma coisa era colocar todo mundo na escola, agora é preciso fazer as crianças aprender alguma coisa.

Valor: E o Estado consegue dar conta de tudo?

Bacha: Claro que não. Boa parte do desafio agora é encontrar formas de maior participação do setor privado nessa área social. E aí tem esse grande entrave do PT. A pior coisa do governo que termina foi ter demonizado a ideia de privatização. Nós não conseguimos resolver o problema dos aeroportos porque qualquer coisa que mexe com privatização é travado. Isso é terrível porque nessa nova fase o setor público não consegue dar conta, seja do ponto de vista administrativo, seja do lado financeiro. Talvez a Dilma nos surpreenda.

Valor: Você acha que ela vai surpreender?

Bacha: Não sei. Até agora o ministério é muito velho, não? Não vejo uma cara de estar preparado para uma nova fase, parece quatro anos do mesmo.

Valor: A inflação deve fechar o ano em torno de 6%, acima da meta de 4,5% do Banco Central. Em 2002, quando a inflação dobrou, o sr. defendeu uma meta mais branda. O que acha hoje?

Bacha: Naquela época tivemos um choque de oferta, não era a economia trabalhando a mil, como hoje. Com choque de oferta se justifica um tratamento mais brando na hora de trazer inflação para a meta. Não é que o BC não tenha de atacar a inflação, mas atacar de forma compatível com o problema. Em 2010 é outra história, é basicamente demanda. Tem um ciclo de alimentos, que ajudou por três meses a inflação e agora está incomodando.

Valor: Isso quer dizer que a maior taxa de juros do mundo vai subir ainda mais?

Bacha: Seria ótimo que o lado fiscal ajudasse, mas não acho que isso vai acontecer. Quem dera que o "neomanteguismo" me surpreenda com um ajuste fiscal forte, mas vai sobrar para o BC. O que é ruim, porque já temos a maior taxa de juros do mundo.

Valor: Mas o PIB deve crescer fortemente nos próximos anos, não? Não só pelo carry-over de 2010, mas também pela perspectiva de pré-sal, Copa do Mundo, Olimpíada etc.

Bacha: Não acho que o PIB vá crescer tudo isso que está sendo projetado pelo governo e pelo mercado.

Valor: Por quê?

Bacha: Porque não temos poupança para isso.

Valor: Mas podemos continuar ampliando nosso déficit em transações correntes para sustentar o crescimento, não?

Bacha: Podemos, claro, nessa hipótese o PIB crescerá mesmo, e imitaremos a Austrália, que cresce há muitos anos, mesmo com um endividamento externo elevado, de 5% a 7% do PIB. Mas se chegarmos nesse nível o mercado pode achar que somos mais Hungria que Austrália, e a confiança se esvai rapidamente.

Valor: Como tornar o crescimento sustentável, como incentivar poupança?

Bacha: É mais fácil ter um diagnóstico da poupança do setor público que do privado. O setor público já chegou a poupar 7% do PIB, hoje poupa 1,5%. Quando se controla o gasto corrente sobra mais para poupar e investir, não tem muito mistério nisso. A questão do setor privado é mais complexa. Pense na China. O problema deles não é como aumentar a poupança, mas diminuí-la. Sabe como?

Valor: Como?

Bacha: Dê a eles um sistema universal de saúde, educação e previdência. A poupança das famílias, das empresas e do Estado vai embora rapidinho. Precisamos pensar além da poupança, os EUA nunca pouparam muito. Precisamos pensar na inovação, essa foi a razão do sucesso dos americanos.

Valor: O que deve fazer o Estado?

Bacha: Precisa fazer coisas básicas, como ocupar o Morro do Alemão (RJ). Esse é um caso quase patético de como o Estado deve agir. É como quando acabamos com a inflação, havia todo um nundo novo à nossa frente.

Valor: Que balanço o sr. faz do governo Lula?

Bacha: Teve dois grandes méritos. O PT nasceu longe das bases comunistas e populistas, mais ligado à social-democracia, a um sindicalismo mais avançado, às bases da Igreja. O que vai ser quando chegar no poder? O discurso era péssimo, assustador. Mas chegou lá e demonstrou que é possível ter governo de esquerda no Brasil. Outra coisa é o pragmatismo do Lula. Começou a atacar a pobreza com o Fome Zero. Quando viu que o programa era ruim, foi para o Bolsa Família, que deu muito certo.

Valor: E o que o sr. avalia mal?

Bacha: Um dos erros nem foi propriamente do Lula, que foi o caso do mensalão, quando o governo resolveu fazer as reformas do começo de governo, reformas difíceis de fazer e de passar pelo Congresso e resolveram utilizar o método tradicional, mais fácil, de comprar os parlamentares. A partir daí [quando estouraram as denúncias], Lula resolveu desistir de passar reformas. Ter abandonado as reformas foi algo muito ruim. Outro problema foi a demonização da privatização. Como Lula ganhou em 2006 do Alckmin com essa plataforma, percebeu que esse ideário funciona, é eleitoralmente impotente. É uma coisa muito ruim isso, porque o Brasil não vai conseguir fazer a Copa do Mundo do jeito que os aeroportos estão. Quantas PPPs o governo fez? Não sei se a Dilma vai ter a capacidade de fazer as coisas de outra forma.

Fonte: Valor

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

O IPEA é de todos?


O IPEA deveria ser de todos e não desta ou daquela instituição do Rio, SP ou qualquer outro Estado do grande bananão. Infelizmente, isto nunca foi o caso e melhor seria transferi-lo definitivamente para Brasilia, reduzir o número de profissionais de seu quadro e aumentar o financiamento de projetos externos.




Nos corredores e salas de pesquisadores do Ipea no Rio há duas expectativas em relação ao tratamento que será dado ao órgão pelo futuro titular da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República, Wellington Moreira Franco. A primeira tem viés regional: por ser Moreira um político de origem carioca, espera-se uma valorização do braço local do instituto de pesquisa que, segundo essa avaliação, perdeu muito prestígio sob a presidência do paulista Marcio Pochmann, oriundo da Universidade de Campinas (Unicamp).
Historicamente, o Rio concentrou as principais divulgações de trabalhos do Ipea, especialmente os dados de conjuntura que tinham divulgação mensal. Hoje, embora a diretoria de estudos macroeconômicos permaneça na sede fluminense do instituto, a periodicidade da divulgação é trimestral e seu novo formato retirou muito do interesse que o boletim de conjuntura do Ipea despertava no mercado, pois fazia previsões de indicadores macroeconômicos importantes.

Há como pano de fundo da questão regional também uma disputa ideológica. Durante muitos anos a hegemonia do pensamento macroeconômico no Ipea esteve com os setores mais alinhados com a chamada visão ortodoxa, caracterizada pela tendência a preconizar políticas fiscal e monetária apertadas, sempre ajustadas a que as forças do mercado tenham liberdade para definir os rumos da economia.

A PUC-Rio e a Fundação Getúlio Vargas (FGV) são os maiores mananciais de cérebros ligados a essa corrente que predominou no governo Fernando Henrique Cardoso e no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com a chegada de Pochmann à presidência do órgão chega também a vez dos economista heterodoxos, cuja ênfase no papel do Estado como indutor do crescimento econômico supera as preocupações com o controle dos gastos públicos e com o ajuste da taxa de juros.

Unicamp, em São Paulo, e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), do atual diretor de Estudos Macroeconômicos do Ipea, João Sicsú, no Rio, são os dois principais núcleos nacionais dos economistas alinhados a essa última corrente.

Mas em um ponto bem distante do infinito as duas linhas aparentemente paralelas convergem: no horror a que uma indicação puramente política possa colocar na presidência do Ipea um nome divorciado das suas características de órgão de pesquisa e de planejamento, com a consequente perda da reputação adquirida em mais de 45 anos de história.

Alguns avaliam que a transferência do Instituto do comando do Ministério do Planejamento para o da SAE, ocorrido neste governo, potencializa esse risco. Como a SAE tem sido recentemente desaguadouro de nomes pouco prestigiados no núcleo central do poder, o prestigio do próprio Ipea estaria sendo também progressivamente minado.

A luta pelo retorno do Ipea ao guarda-chuva do Planejamento é defendida de forma consensual pelos funcionários do instituto. Mas no momento, a questão é mais de sobrevivência, de evitar que essa casa de excelência das pesquisas econômicas seja conspurcada pelo oportunismo político. Economistas de renome no contexto nacional estão deveras preocupados com o que possa vir a acontecer ao Ipea e já expressaram sua aflição à presidente eleita Dilma Rousseff.

A direção do Ipea, em nota oficial divulgada ontem, informou que não comentaria nada sobre o assunto.

Fonte: Valor

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

O otimismo do Luiz Carlos Mendonça de Barros

Não compartilho seu otimismo em relação a economia americana, mas é sempre recomendável saber o que Luiz Carlos Mendonça de Barros esta pensando sobre a economia brasileira e a internacional.



Em breve estaremos comemorando um novo ano. Como sempre acontece nesse momento, cada um de nós vai usar uma referência com o passado para tentar qualificá-lo. Para muitos, 2011 pode ser identificado como o primeiro ano em que o presidente Lula não estará mais no comando da nação. Para outros, 2011 encerra um período ainda mais longo: 16 anos em que o Brasil decidiu romper com um passado de desorganização e trilhar com sucesso o caminho da responsabilidade na gestão da economia.

Independente da paternidade desse período de inequívoco sucesso na economia, os avanços alcançados estão à vista de todos. Por exemplo, sexta-feira, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou que a taxa de desemprego em novembro ficou bem abaixo da marca dos 6% da população economicamente ativa. Esse indicador é certamente a prova mais importante desses novos tempos que estamos vivendo.

De um lado o desemprego baixo só pode ser alcançado de forma perene por uma economia que funciona com eficiência e competitividade. De outro, é com níveis elevados de emprego que o cidadão recebe os benefícios do desenvolvimento econômico. E o desemprego menor do que 6% da população economicamente ativa como divulgou o IBGE - em dezembro este número pode chegar a 5% - é muito bom, principalmente em um país com carências de educação e formação como o Brasil.

Mas, para mim, o novo ano vai ter outra marca que pode fazer dele um período muito importante para a economia mundial. Estou convencido que em 2011 finalmente a maior economia do mundo voltará a viver dias de normalidade, rompendo com quase quatro anos de crise e incertezas. Os sinais são claros e sobre eles escrevi no nosso encontro de novembro passado. Hoje quero especular um pouco sobre os efeitos de curto prazo que essa normalização pode criar nos mercados nos próximos meses.

Quando se olha para a economia americana com uma visão mais otimista - um crescimento de 3,5% a 4% em 2011 e 2012 - o que mais chama a atenção é o descompasso entre a política monetária do Fed e essa nova dinâmica. Não sou monetarista histriônico, mas essa divergência claramente vai ser cobrada com razão pelos mercados no futuro próximo.

O início da normalização das condições monetárias nos EUA - interrupção do programa de compra de títulos do governo e especulações sobre o momento de elevação dos juros de curto prazo - vai ser o grande evento nos mercados financeiros no mundo todo, talvez ainda no primeiro trimestre do ano. E faço essa afirmação em função de três grandes ajustes que esse movimento da autoridade monetária americana vai provocar.

O primeiro virá com a volta dos juros americanos a níveis de normalidade, ou seja, algo entre 4% e 5% ao ano para os papéis de prazos mais longos. Além disso, com o risco de um novo mergulho na recessão definitivamente afastado e a economia dando sinais de que a recuperação da atividade pode se consolidar nos próximos anos, o Fed vai ter de enfrentar o desafio de quando iniciar o processo de normalização dos juros de curto prazo. Como o desemprego ainda será elevado por algum tempo e, em várias áreas, existe ainda uma razoável capacidade ociosa, este movimento deve ser suave. Mas sabemos como são os mercados: se o Fed errar no timing, as expectativas de inflação podem superar em muito os 2% ao ano, o que seria um evento traumático.

O segundo ajuste ocorrerá em função das mudanças nas condições de oferta e procura nos mercados de títulos de crédito. O aumento das emissões de papéis privados - bancários ou não - que se seguirá à volta do crescimento vai ocorrer em paralelo à grande oferta de títulos do governo por conta dos elevados déficits dos últimos anos e de um maior estoque de dívida pública em relação ao PIB que existe hoje. Essa concorrência por recursos poderá ser fonte de pressão altista nos juros mais longas.

A terceira alteração nas condições dos mercados poderá vir de um ajuste mais traumático nas carteiras de um grande número de investidores. A crise financeira já é bastante longa para moldar o comportamento dos investidores e levá-los a buscar alternativas mais especulativas e perigosas em seus investimentos. Os mecanismos para isso são conhecidos por todos nós. Compra de títulos de crédito com alavancagem elevada viabilizada pelo nível muito baixo dos juros de curto prazo. Um exemplo é a compra de papéis de sete a oito anos com financiamento de um ano com juros equivalentes à taxa interbancária de Londres (Libor).

Essa é uma combinação que já aconteceu no passado e que levou a crises sérias quando a bolha arrebentou. A combinação de uma correção no valor dos títulos de crédito por conta de juros maiores e a elevação das taxas de curto prazo pode gerar prejuízos expressivos. Tenho medo de que isso possa ocorrer novamente desta vez.

A normalização dos juros americanos pode provocar ajustes além dos que vão ocorrer nos mercados de títulos de crédito. Mais uma vez a crise nos Estados Unidos provocou uma migração expressiva de recursos para outros mercados, principalmente no chamado mundo emergente. Esse movimento valorizou as moedas desses países e levou os preços das ações de empresas locais a níveis elevadíssimos. Com a volta de parte desses recursos para os mercados americanos podemos ter um período difícil de ajuste.


Fonte: Valor

domingo, 19 de dezembro de 2010

sábado, 18 de dezembro de 2010

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

John Newman

Resenha do Eamon Duffy de um trabalho interessante sobre um dos meus herois, o Cardeal Newman, anglicano convertido ao catolicismo, grande intelectual e autor de vários textos memoráveis. Um autor, infelizmente, ainda pouco conhecido no grande bananão.



Newman’s Unquiet Grave: The Reluctant Saint
by John Cornwell
Continuum, 273 pp., $24.95


On October 2, 2008, a group of clergy, workmen, police officers, and health officials assembled behind steel screens in a small private cemetery in a suburb of Birmingham, England. They had come to exhume the body of the Victorian theologian, preacher, and writer Cardinal John Henry Newman, in preparation for his beatification (the final stage before canonization as a saint of the Catholic Church) by Pope Benedict XVI. Newman’s remains were to be removed for more convenient veneration as relics to the church that he had founded in Birmingham, where a casket of green Italian marble had been prepared to receive them.

The announcement of the proposed exhumation set off weeks of prurient media controversy. At his own insistence, Newman had been buried in the grave of his disciple and lifelong companion, Father Ambrose St John. A member of the gay rights organization OutRage!, Peter Tatchell, provoked a public furor by denouncing the transfer of relics as a sinister homophobic ploy by the Vatican, designed to conceal the true relationship between these two Victorian priests who had chosen to be buried together. Tatchell insisted that their friendship was homosexual, and suggested that Newman’s epitaph, “ex umbris et imaginibus in veritatem,” “out of shadows and phantasms into the truth,” was a coded self-outing from beyond the grave. He conceded, however, that given their religious beliefs and the social mores of the time, the friendship had probably never been sexually consummated.

It soon emerged that Newman had settled the matter of relics in his own way. Though an unwavering convert to Catholicism from the Anglican Church, he never warmed to the more extravagantly material manifestations of Catholic piety, and he was dismissive of suggestions of his own sanctity. “I have no tendency to be a saint,” he told one admirer. “Saints are not literary men…. I may be well enough in my own way, but it is not the ‘high line.’”

It now appeared that he had taken practical steps to ensure that there would be no veneration. Though the grave was excavated to a depth of eight feet, no human remains whatever were discovered. The cardinal had been buried in a simple wooden coffin, and on his instructions the grave had been filled with a soft mulch designed to speed decomposition; the wet clay of the Lickey hills had done the rest. The crestfallen relic-hunters had to content themselves with a few pieces of corroded metalwork and the tassels from Newman’s ceremonial cardinal’s hat.

John Cornwell’s lively new life of Newman takes this bizarre episode as its point of departure. The “unquiet grave” of his title alludes of course to the exhumation and the row over Newman’s sexuality that it provoked. Cornwell devotes a good deal of space to scrutiny of Newman’s relationship to the circle of disciples and admirers whom the popular historian Geoffrey Faber scathingly dismissed in 1933 as his “escort of hermaphrodites.” The possessive intensity of some of these relationships with younger men can still disconcert a modern reader. “You ask me to give my heart,” Newman wrote reproachfully to one of them, Henry Wilberforce, who had got engaged to be married without telling Newman, “when you give yours to another.”

But this was an age, Cornwell argues, in which intense but platonic friendships between men were accepted and valued, most famously that between the poet Tennyson and Arthur Hallam, whose early death inspired Tennyson’s elegiac masterpiece In Memoriam. Cornwell is alert to the submerged erotic charge such relationships might carry, but he argues convincingly for the crassness of recent attempts to force on them an overtly sexualized and anachronistic “gay” template.

But if Cornwell absolves the Vatican of trying to conceal the potentially embarrassing sexuality of a candidate for sainthood, he is inclined to think that the beatification of Newman may nevertheless represent an attempt by an authoritarian church to tame a troublesome and unconventional intellect, and to neutralize Newman’s usefulness to critics of current Vatican policy. Newman was, by nineteenth-century Catholic standards, a deeply unconventional theologian. Soaked in the writings of the Early Church Fathers, he disliked the rigidly scholastic cast of mind that cramped the Catholic theology of his day. He was one of the first theologians to grasp the historical contingency of all theological formulations. Accordingly, he resisted doctrinaire demands for unquestioning obedience to contemporary Church formulae as if they were timeless truths. He was an ardent defender of the legitimate autonomy of the theologian and of the dignity of the laity as custodians of the faith of the Church. He was scathingly critical of the authoritarian papacy of Pope Pius IX (Pio Nono), who held the office between 1846 and 1878, and he opposed the definition of papal infallibility in 1870 as an unnecessary and inappropriate burden on consciences. “We have come to a climax of tyranny,” he wrote. “It is not good for a Pope to live 20 years…. He becomes a god, [and] has no one to contradict him.”

The appetite of the pro-papal “Ultramontane” party for new dogmatic definitions seemed to Newman the sign of a lack of intellectual integrity, “the act of a man who will believe anything because he believes nothing, and is ready to profess whatever his ecclesiastical, that is his political, party requires of him.” Such credulity flowed from intellectual shallowness, not true faith: “A German who hesitates may have more of the real spirit of faith than an Italian who swallows.”

The First Vatican Council, in 1878, was the apotheosis of much that Newman deplored in the Catholicism of his day. By contrast, it has become a theological truism that the Second Vatican Council, summoned in 1962 by John XXIII, with its reforming impulses, its outreach to other churches and faith traditions, its emphasis on the role of the laity, and its move away from papal and clerical authoritarianism, was “Newman’s Council,” the moment when many of the ideas he first championed became the basis for a radical reimagining of what it was to be Catholic. The Vatican, however, is currently backing a campaign to downplay claims that the council marked a decisive break with the Church’s recent past, and Pope Benedict XVI has condemned such claims as proceeding from a “hermeneutic of discontinuity and rupture.” Cornwell asks, therefore, whether the raising of Newman to the altars of the Church represents not the validation of his true intellectual legacy but an attempt to douse the incendiary potential of his ideas with buckets of holy water, “the taming and enfeebling of his legacy by the resisters of Vatican II.”

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quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Mais um rebento....

Mais um rebento da conhecida escola de equivocos em política econômica, o novo secretário de política econômica da Fazenda, é, também, como se pode inferir na entrevista abaixo, um adepto da tese de desindustrialização mas, felizmente, sua posição em relação ao Bacen não parece ser diferente da maioria da profissão. O que, alias, não deixa de ser curioso. Seria esta a nova imagem, pública, do Country Club da Rua Itapeva?


Mineiro, formado pela Universidade Federal de Uberlândia, Holland tem mestrado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), doutorado pela Unicamp e pós-doutorado pela Universidade da Califórnia, em Berkeley, nos EUA. A seguir, os principais trechos da entrevista, concedida ao Valor no começo da noite de ontem:

Valor: Em entrevista ao Valor em janeiro deste ano, o senhor disse: "Não podemos perpetuar essa discussão centrada em Copom, metas de inflação e taxas de juros. Precisamos discutir se queremos continuar crescendo como uma economia primária exportadora." Esse continua um dos grandes desafios do país?

Márcio Holland: Continua. O Brasil já tem dez anos de regime de metas de inflação, nos quais o BC tem mostrado alta credibilidade em controlar a inflação. Mas o Brasil tem que ir além da discussão "copomista". Oito vezes por ano, só se fala de juros. Temos que ir além de intensificar as exportações de produtos primários. Se você estudar os países mais e menos vulneráveis a choques internacionais, verá que os menos sujeitos a eles têm menor concentração de exportações. As exportações de commodities são importantes e muito bem vindas, mas os preços são mais voláteis que os preços de manufaturados. É importante ficar menos exposto a essa volatilidade, estimulando setores que produzem manufaturados e intensivos em tecnologia. O governo deve promover políticas de indução à inovação tecnológica e políticas educacionais bem direcionadas.

Valor: Boa parte dos analistas defende desaceleração do ritmo de alta dos gastos públicos em 2011 para ajudar no controle da inflação. Como o senhor vê essa questão?

Holland: O Brasil pode fazer isso, mas não deve cair na velha linha de que o ajuste fiscal por si só é suficiente. Não deve haver um corte linear de gastos. Alguns podem ser adiados e a sociedade tem que escolher, dada as restrições, o que se deve manter e o que se deve cortar. Eu prefiro não falar em ajuste fiscal, mas sim na questão da qualidade dos gastos. É importante avançar nesse sentido, de avaliar a qualidade da gestão pública.

Valor: Mas não é necessário reduzir o ritmo de gastos em 2011?

Holland: Se no ano que vem haverá mais dificuldade de arrecadação, já que a economia não deverá crescer 8% como neste ano, por definição contábil terá que haver uma desaceleração dos gastos para ter superávit primário.

Valor: Muitos economistas dizem que o país já passa por um processo de desindustrialização. O senhor concorda?

Holland: A hipótese da desindustrialização está colocada na mesa. A participação da indústria de transformação no valor adicionado está em queda no Brasil. Ao mesmo tempo, com o desenvolvimento e a urbanização, é natural o aumento da participação do setor de serviços. Mas o Brasil é um país de renda per capita ainda baixa, e é importante um emprego industrial forte, que tem um efeito multiplicador na economia.

Valor: Essa perda de participação da indústria de transformação se deve ao câmbio valorizado?

Holland: Não é só o câmbio que conta. Há também as questões da educação, do baixo volume de investimento em pesquisa e desenvolvimento, dos problemas de infraestrutura. O país também ficou muitos anos sem crescer. O tecido industrial fica comprometido, tendo que ser recomposto. O câmbio é importante, mas se se restringir o problema a ele, você pode dar incentivos perversos no tempo. E não dá para desatar sozinho o nó do câmbio, o do juro, da dívida, o da conta corrente. A concertação da política econômica é um grande desafio. É um passo a mais importante que precisa ser dado. É fundamental um maior diálogo entre os gestores da política fiscal e da política monetária.

Valor: O senhor já escreveu artigos com Edmar Bacha, mais ortodoxo, e com Luiz Carlos Bresser Pereira, de linha desenvolvimentista. O senhor é ortodoxo ou desenvolvimentista?

Holland: Eu sou um desenvolvimentista fiscalista, se é que isso existe A economia tem ser tratada sem princípios previamente estabelecidos. Eu digo que sou desenvolvimentista porque não consigo imaginar deixar o Brasil crescer menos que 5% ao ano. Temos que ter criatividade para conseguir isso. Também acho que é importante evitar a apreciação cambial e convergir os juros reais para o nível internacional. Ao mesmo tempo, acredito que o Banco Central tem feito um trabalho excelente e que o regime de metas de inflação tem sido muito importante, assim como as metas fiscais. Sou fiscalista porque sou a favor de se mensurar a qualidade do gasto e também acho que é importante ter superávit primário para alongar a dívida. Eu acredito em restrições.

Fonte: Valor

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

O novo Bob Fields

O WikiLeaks tem prestado grande ajuda na clarificação da posição de alguns notáveis do grande bananão sobre questões importantes relacionadas ao interesse nacional. A visão do Jobim já era conhecida e a confirmação na era necessária, o mesmo não se aplica a uma outra figura histórica cantada em verso e prosa anos atras pelas esquerdas e que na recente eleição presidencial liderou a coalizão, derrotada, da velha e da nova direita. Sim , ele mesmo, ainda um "darling " de alguns nacionalistas e da turma do marxismo talebã, é comprovadamente, a reencarnação do velho bob fields de triste memória, a figura mor do entreguismo no grande bananão. Naturalmente sem a verve e a competência do primeiro, um reacionário de corpo e alma.

Curiosamente um velho e querido nacionalista da velha guarda nunca, ao que consta, deixou o barco furado da triste figura relegada ao lixo da história.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Dani Rodrik e a zona do euro


Bom artigo do Dani Rodrik sobre a zona do euro. Concordo que a reestruturação da divida é inevitável e que a saida dos países com dificuldades da zona do euro tornaria menos dolorosa a recuperação de suas economias. No entanto, como ele mesmo reconhece o problema esta na esfera política e por isto mesmo a sua solução não pode ser somente técnica. O que a crise demonstra é a necessidade de maior integração e esta me parece ser a melhor opção.




Quando a Grécia foi ajudada por um pacote conjunto de socorro da zona euro e do Fundo Monetário Internacional (FMI), em maio, ficou claro que o acordo tinha comprado um alívio apenas temporário. Agora, caiu a outra ficha. Os problemas na Irlanda estão ameaçando contaminar Portugal, Espanha e até a Itália, e por isso é hora de repensar a viabilidade da união monetária europeia.

Estas palavras não me vêm com facilidade porque não sou eurocético. Ao contrário de outros, como Martin Feldstein, meu colega de Harvard, que argumentam não ser a Europa uma área monetária natural, acreditei que a união monetária fez sentido no contexto de um amplo projeto europeu que enfatizou - como ainda o faz - uma construção político-institucional ao lado de integração econômica.

A infelicidade europeia foi ter sido atingida pela pior crise financeira desde a década de 1930 a meio caminho em seu processo de integração. A zona do euro é integrada demais para que repercussões transfronteiriças não provocassem caos nas economias nacionais, mas não suficientemente integrada para dispor da capacidade institucional necessária para administrar a crise.

Quando bancos no Texas, Flórida ou na Califórnia tomam más decisões sobre empréstimos que ameacem sua sobrevivência, o Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) em Washington está pronto para agir como emprestador de última instância. Se forem considerados insolventes, permite-se sua falência ou passam ao controle das autoridades federais, ao passo que os depositantes são garantidos pela Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC).

O governo federal compensa boa parte da queda nas receitas do Estado mediante transferências ou redução de impostos. Funcionários (dos bancos) que, apesar disso, vêm-se em situação pior, podem migrar facilmente para Estados com melhor desempenho sem preocupações sobre as diferenças de idioma ou choques culturais. Quase tudo isso acontece automaticamente, sem negociações prolongadas e controversas entre governadores estaduais e autoridades federais, sem ajuda do FMI ou pondo em questão a existência dos EUA como entidade político-econômica unificada.


Assim, o problema real na Europa não é que a Espanha ou a Irlanda tenham tomado grandes empréstimos ou que muita dívida espanhola e irlandesa esteja nos balanços patrimoniais de bancos em outros países da Europa. Afinal de contas, quem se importa com o déficit em conta corrente da Flórida - ou mesmo sabe o que isso significa? Não, o problema real é que a Europa não criou instituições abrangentes em nível da União como um todo que um mercado financeiro integrado exige.

Isso reflete a ausência de instituições políticas centrais adequadas. A União Europeia nos ensinou lições valiosas ao longo das últimas décadas: primeiro, que a integração financeira exige a eliminação da volatilidade entre moedas nacionais; que a erradicação de riscos cambiais demanda a eliminação total das moedas nacionais; e agora nos mostra que a união monetária é impossível entre democracias sem união política.

Deveria ter sido de esperar que o lado político da equação levaria tempo para se encaixar. É fácil culpar os políticos europeus por falta de liderança. Não subestimemos, porém, a magnitude da tarefa que os governos europeus assumiram.

Na verdade, a analogia mais próxima desse cenário é a própria experiência americana da construção de sua república federativa. Como mostra a longa luta americana pelos "direitos de cada Estado" - e, com efeito, a própria Guerra Civil - a criação de uma união política baseada numa coleção de entidades autogovernadas não é um processo tranquilo e rápido.

Estados, naturalmente, prezam sua soberania. Pior ainda: a própria união econômica pode atiçar os fogos do nacionalismo e colocar em perigo a integração política. Isso cria tensões nas instituições de cada país (vistas na pressão sobre os Estados de bem-estar europeus), gera ressentimento contra estrangeiros (basta ver o êxito recente dos partidos anti-imigração) e torna crises financeiras originadas no exterior mais prováveis e mais onerosas (como a situação atual deixa extremamente claro).

Infelizmente, agora pode ser tarde demais para a zona euro. A Irlanda e os países da Europa meridional precisam reduzir sua dívida e melhorar significativamente a competitividade de suas economias. É difícil ver como eles podem atingir os dois objetivos permanecendo na zona euro.

Os socorros à Grécia e à Irlanda são apenas paliativos temporários: em nada contribuem para reduzir o endividamento, e a ajuda não deteve o contágio. Além disso, a austeridade fiscal que receitam retarda a recuperação econômica. A ideia de que reformas estrutural e no mercado de trabalho podem produzir crescimento rápido não passa de uma miragem. Assim, a necessidade de reestruturação da dívida é uma realidade inevitável.

Mesmo se os alemães e outros credores concordarem com uma reestruturação - e não a partir de 2013, como pediu a chanceler alemã Angela Merkel, mas já - existe o problema adicional do restabelecimento da competitividade. Esse problema é compartilhado por todos os países deficitários, mas é agudo na Europa meridional. Manterem-se na mesma zona monetária que a Alemanha condenará esses países a anos de deflação, desemprego elevado e turbulência política interna. Sair da zona do euro pode ser neste momento a única opção realista para uma recuperação.

A dissolução da zona do euro não significa condená-la para sempre. Os países podem voltar a participar, e fazê-lo com credibilidade, quando os pré-requisitos fiscais, normativos e políticos estiverem assegurados. Por ora, a zona do euro pode muito bem ter chegado ao ponto em que um divórcio amistoso é uma opção melhor do que anos de declínio econômico e atrito político.

Fonte: Valor

domingo, 12 de dezembro de 2010

sábado, 11 de dezembro de 2010

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010




Como sempre controversa e influente, principalmente entre os que formataram as diretrizes curriculares do curso de economia o que, alias, explica porque é um curso que atrai um numero cada vez menor de alunos.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Propostas, por favor...

Como esperado, o juro não foi alterado e isto, naturalmente, deixa muitos descontentes, principalmente os defensores de uma queda brusca da taxa de juros. É claro que o juro alto não é uma opção masoquista da autoridade monetária, mas uma necessidade imposta pela dinamica da economia brasileira e, sabemos, que no futuro próximo será dificil não subir, novamente os juros. Afinal, ninguem gosta de inflação e a base eleitoral da nova administração por ser a que mais perde em períodos inflacionários, tem uma aversão ainda maior pelo conhecido monstro.

Alguns economistas heterodoxos reclamam, com razão dos juros altos , mas ainda não li/ouvi nenhum proposta concreta para solucionar o problema. Há muita retórica, apreço pela HPE, mas uma ausência, lamentável, do "que fazer", de uma proposta concreta de política econômica alternativa. Digo lamentável, porque, apesar da linha teorica, reconheço que são bons economistas. Desnecessário lembrar que entre eles não incluo o marxismo talebã.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Martin Wolf e a zona do euro



Mais um ótimo artigo do Martin Wolf sobre a zona do euro.



Será que a zona do euro sobreviverá em sua forma atual? Para abordar essa questão, precisamos considerar três aspectos mais precisamente. Em primeiro lugar, qual a probabilidade de uma onda de inadimplência? Em segundo, implementará a zona do euro as mudanças necessárias para evitar isso? Em terceiro lugar, poderá a zona do euro sobreviver a elas? Minhas respostas, respectivamente, são: muito provavelmente; provavelmente, não; e talvez - mas não com certeza.

O que vem acontecendo é algo familiar a especialistas em países emergentes: é uma "parada súbita". Antes de 2007, havia crédito disponível em condições fáceis a ponto de financiar bolhas nos preços de ativos, construção civil e consumos privado e público. Então, repentinamente, os mercados adotaram um comportamento de sobriedade: os financiamentos secaram, os preços dos imóveis caíram, a construção civil sofreu um colapso, governos passaram a garantir dívidas de sistemas financeiros no vermelho, economias entraram em recessão e déficits fiscais explodiram.

Como observam Carmen Reinhart, da Universidade de Maryland, e Kenneth Rogoff, de Harvard, assinalaram em um documento divulgado neste ano, "numa crise, frequentemente é trazida ao primeiro plano a carga de endividamento público, expondo problemas de solvência aos quais o público parecia abençoadamente alheio". Assim tem acontecido na periferia da zona do euro. A Grécia ocultou sua verdadeira posição fiscal. Na Irlanda e na Espanha (como nos EUA e no Reino Unido), o "boom" encobriu um vasto montante de passivo fiscal. Também surpreendente foi a medida em que o risco dos bancos revela-se correlacionado com os riscos soberanos. Os países estão em apuros, em parte, porque alguns bancos são grandes demais para que sua falência seja tolerada e grandes demais para poderem ser salvos.

A questão é se esses países podem evitar uma reestruturação da dívida soberana. Sobre isso, o professor Rogoff, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), é pessimista. Em nota recente, ele argumentou que "em última instância, uma reestruturação significativa da dívida privada e/ou pública é provavelmente necessária em todos os países endividados na zona euro. Já sofrendo crescimento lento antes da imposição de austeridade fiscal, [Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha] enfrentam a perspectiva de uma "década perdida", similar à que a América Latina viveu nos anos 80. O renascimento da América Latina e uma moderna dinâmica de crescimento realmente só começou a surgir depois que o "Plano Brady", de 1987, orquestrou uma enorme abatimento da dívida em toda a região. Uma reestruturação semelhante é, certamente, o cenário mais plausível na Europa".

Por que deveríamos ser tão pessimistas? A característica marcante de empréstimos a governos é a ausência de garantias. Assim, a segurança dos credores depende da capacidade dos governos de venderem dívida a terceiros a preços razoáveis. Se essa confiança desaparece, a liquidez seca e os soberanos tornam-se inadimplentes. O que, então, determina a confiança? A resposta, em suma, é: sustentabilidade. Isso, por seu turno, depende da relação entre a perspectiva de crescimento econômico futuro e a taxa real de juros. Quanto menor o crescimento e maior os juros, maior precisa ser o superávit fiscal primário (antes do pagamento de juros) - e, portanto, maior será o custo político de assegurá-lo. Quanto maior esse custo, menos confiantes ficarão os investidores e maiores serão os juros.

Vulneráveis países periféricos na zona euro agora sofrem as consequências de sistemas financeiros em apuros, déficits fiscais elevados, rápida ascenção da relação entre índices de endividamento e Produto Interno Bruto (PIB), juros elevados, fracas perspectivas de crescimento e ausência de um banco central convicto de que terá condições de assegurar liquidez ao mercado de dívida. As rarefeitas perspectivas de crescimento, por sua vez, são, em parte, devido a uma perda de competitividade. Em caso de aplicação desses indicadores a países emergentes normais, inadimplência pareceria inevitável.

Isso nos leva à segunda questão: será que a zona do euro fará as mudanças necessárias para evitar inadimplência? A resposta é: provavelmente, não. Uma razão é que os credores as desejam. É verdade que a Alemanha sugeriu que isso deva ser aplicável apenas a endividamento futuro. Mas, nos mercados de capitais, o futuro é sempre agora. Além disso, os recursos agora disponibilizados não são suficientes para financiar todos os países debilitados durante tempo suficiente para evitar a inadimplência, especialmente tendo em vista que estes precisarão desinflar e reestruturar seu caminho de volta ao crescimento. Assim como Desmond Lachman, do American Enterprise Institute, argumentou em recente artigo no Londres Legatum Institute, o crucial é o potencial de crescimento. Mas, na ausência de flexibilidade cambial e em presença de juros elevados, cortar na carne do próprio déficit fiscal poderá agravar o desquecimento econômico.

Isso conduz à minha pergunta final: poderá a zona do euro sobreviver a uma onda de reestruturações de dívida? Aqui, a questão imediata é que a crise poderá ser enorme, pois parece certo que uma reestruturação disparará outras. Além disso, o sistema bancário seria profundamente afetado: no fim de 2009, por exemplo, os bancos franceses e alemães, em conjunto, eram credores dos quatro membros mais vulneráveis em 16% e 15% dos respectivos PIBs. Para os bancos europeus, como um grupo, a exposição total equivalia a 14% do PIB. Assim, qualquer risco sério de reestruturação soberana acarretaria o risco de provocar fugas dos credores e, na pior das hipóteses, mais uma etapa da crise financeira global. Mais injeções de capital oficial em bancos também seriam necessárias. É por isso que os irlandeses foram "persuadidos" a socorrer os credores prioritários de seus bancos à custa do contribuinte nacional.

No entanto, mesmo uma crise assim não implicaria uma dissolução da união monetária. Ao contrário, é perfeitamente possível que uniões monetárias sobrevivam a crises financeiras e à inadimplência do setor público. A questão é de vontade política. O que há pela frente é uma mistura de transferências fiscais dos países que gozam de credibilidade com austeridade entre os insolventes. Quanto maiores forem as transferências fiscais, menor será a austeridade. Essa tensão poderia ser administrável se uma rápido retorno à normalidade fosse plausível. Mas não é. Há uma boa chance de que essa situação persistirá a longo prazo.

Ainda pior: depois que um país tiver sido obrigado a reestruturar sua dívida pública e também ver uma parte substancial de seu sistema financeiro desaparecer, os custos adicionais do restabelecimento de sua moeda deverão parecer algo menores. Isso, também, precisa ficar claro para os investidores. Novamente, esses temores aumentam as chances de fuga à exposição a dívida dos países mais frágeis.

Para os céticos, o cerne da questão sempre foi até que ponto pode ser robusta uma união monetária entre diversas economias com solidariedade mútua menos do que ilimitada. Apenas uma crise poderá responder a essa pergunta. Infelizmente, a crise que temos é a maior em 80 anos. Será que a zona euro conseguirá acordar em fazer o suficiente para mantê-la coesa? Não sei. Mas saberemos, todos nós, em futuro relativamente próximo.

Fonte: Valor

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Delfim e o Bacen

Bom artigo do esforçado economista da ditadura e "darling" da esquerda de higienopolis.


O O dr. Meirelles está encerrando muito bem a sua octaetéride à frente do Banco Central do Brasil. Com as últimas medidas deixou claro que o objetivo de manter hígido e eficiente o sistema financeiro com adequadas políticas prudenciais é tão importante quanto o de perseguir a meta inflacionária. No que diz respeito ao primeiro, depois do Proer (1997) e as medidas mais recentes feitas com o apoio do setor financeiro privado, podemos afirmar que estamos no "estado da arte" e somos um modelo a ser copiado e adaptado mesmo por países ditos "desenvolvidos".

No segundo, as dúvidas manifestadas há pelo menos seis meses pelo Banco Central sobre a estabilidade e precisão dos parâmetros exigidos pela atual política monetária (defasagem entre o aumento do juro real e seu efeito sobre a demanda global, nível da taxa de juro neutra e o produto potencial), primeiro numa ata do Copom e confirmadas no Relatório de Inflação, são mais do que esclarecedoras. Esse estado de dúvida será um ingrediente muito importante no aperfeiçoamento e no reconhecimento dos limites da política monetária, até aqui imposta como produto de uma suposta "ciência", da qual se supõem portadores alguns "analistas" do mercado. Para dizer o mínimo, tal "ciência" ignorava até 2009 o "crédito" e os "intermediários financeiros"!

As primeiras manifestações de tal aperfeiçoamento são as recentes medidas do Banco Central: 1) um aumento geral dos depósitos compulsórios; 2) diferenciação do compulsório de acordo com o prazo do financiamento; e 3) limitações para a transferência de carteiras de crédito. É preciso reconhecer que tal aperfeiçoamento está sendo procurado em todas as economias do mundo, onde seus bancos centrais tentam recuperar velhos e criar novos instrumentos de controle do crédito (e da demanda global), além da manipulação da taxa de juro real de curto prazo.

É o caso do aumento dos compulsórios sobre os depósitos bancários e a exigência de mais "reserva prudencial" com relação ao prazo dos financiamentos. Aliás, tais diferenciações já existem e são universalmente aplicadas com relação à classificação do "risco" do tomador do empréstimo (sob controle, no nosso caso, de fiscalização do BC).

Ninguém discute que a manipulação da taxa de juros, ao primeiro sinal de desvio da taxa de inflação com relação à "meta", tem efeitos mais gerais sobre a economia, principalmente sobre o valor dos ativos. O que se discute é se ela é, necessariamente, melhor, diante das imensas incertezas que sempre envolverão a indispensável vigilância monetária. E, também, ninguém pode ignorar que a "diferenciação" da política monetária num ambiente financeiro tão complexo tem efeitos muito diferentes, de acordo com a dimensão dos bancos, sobre a natureza de suas operações e sobre outros mecanismos de financiamento (isentos de depósitos compulsórios), que cobram taxas de juros escorchantes. Talvez seja essa a razão pela qual o Banco Central tenha elevado o nível do crédito protegido de R$ 60 mil para R$ 70 mil, que agora cobre 99% dos clientes.

Nada é mais significativo dessa busca de aperfeiçoamento das políticas monetárias simplistas e equivocadas, que informaram desde os anos 70 do século passado os bancos centrais, do que o que disse o dr. Meirelles na apresentação das medidas: "A experiência dos bancos centrais sugere que há uma equivalência importante entre as ações macroprudenciais, que aferem as condições de crédito e a liquidez, e as ações convencionais de política monetária".

As novas medidas deverão produzir dois efeitos: uma redução sobre a expectativa da taxa de juros de curto prazo e um aumento dessa expectativa no prazo mais longo. Aparentemente, o BC comprou fôlego para esperar mais um pouco o comportamento da taxa de inflação sem sacrificar a sua credibilidade, que está posta em risco por uma expectativa de inflação claramente acima da "meta". Há razões para esse comportamento. Em primeiro lugar, há incertezas sobre o excesso de demanda interna. O déficit comercial não é um indicador confiável devido à enorme supervalorização do real, produzida pela imensa taxa de juro real que violenta a economia brasileira. Em segundo lugar, é claro que (mesmo com o câmbio valorizado) boa parte da pressão (produzida mais pela especulação dos "hedge funds" do que pelos "fundamentais") vem do exterior, como mostra o aumento da inflação em vários emergentes. Em terceiro lugar, pela imensa volatilidade de alguns preços internos produzidos por choques de oferta. O feijão, por exemplo, estava em R$ 69 a saca em dezembro de 2009, pulou para R$ 135 em junho de 2010, saltou para R$ 200 em setembro e agora está em torno de R$ 90!

O BC está passando por profundo processo de humilde aprendizado e merece um voto de confiança, mesmo daqueles economistas que continuam a acreditar que são portadores de uma "ciência". Para apaziguar a alma dos que ainda acreditam que as medidas recentemente tomadas são sinais de "heterodoxia" ou "obsoletismo", basta lembrar que, diante delas, a recém-eleita presidente Dilma Rousseff declarou: "Façam o que tiver de ser feito para manter a inflação sob controle". Será preciso ainda maior demonstração de ortodoxia e confiança no Banco Central operacionalmente autônomo?

Fonte: Valor

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

domingo, 5 de dezembro de 2010

sábado, 4 de dezembro de 2010

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Um balde de água fria

"In a jolting surprise to the economic recovery and market expectations, the United States economy added just 39,000 jobs in November, and the unemployment rate rose to 9.8 percent, according to the Department of Labor"(NYTimes on line). Surpresa???, provavelmente está, também, deverá ter sido a reação de um jovem colega, economista, com quem conversei, recentemente, sobre o estado da economia americana. Demonstrei meu pessimismo-realismo de sempre e ele, para minha surpresa, estava otimista com alguns resultados recentes,os mesmos, alias, que levou o mercado a acreditar em um cenário melhor para a economia do Imperio.

Números, alertava Ricardo, são perigosos, quando nos leva a colocar de lado a velha e boa teoria econômica. Naturalmente, que comportamento oposto, também não é recomendável e é tipico da turma do relogio quebrado. Neste caso, não se trata de apreço pela teoria econômica, mas dificuldade em trabalhar e interpretar os números e, naturalmente, filiação a uma equivocada filosofia da historia já relegada ao merecido esquecimento pela comunidade acadêmica.

O fato é que a economia americana continua patinando e este cenário deverá manter-se por algum tempo.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

O novo porto seguro

O mercado da Zona do Euro anda sedento de sangue e vai aos poucos incorporando novos membros na sua lista de possíveis presas a serem abatidas. Portugal e Espanha agora recebem a companhia de Italia e Belgica. No caso da penultina não há nenhuma surpresa e ate demorou demais para ser incluida na lista. Se o ataque vai ou não se materializar é dificil de saber, mas a probabilidade que ele ocorra tem aumentado significativamente.

Neste cenário de complicações na Zona do Euro e fragilidades da economia americana, somada a incerteza política gerada com a vitoria dos repúblicos, não é surpresa alguma a revisão sobre onde mora o risco. Os emergentes deixaram de ser bicho papão a serem evitados e tornaram-se porto seguros para os capitais temerosos da ambiente do chamado mundo desenvolvido. Ironico, sem dúvida, mas escolha lógica e com bom fundamento econômico.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Martin Wolf e a Irlanda

Ótimo artigo do Martin Wolf sobre a Irlanda e a Zona do Euro.

As rachaduras na plataforma da união monetária são reveladoras. A promessa era que a zona do euro protegeria seus membros de crises cambiais. Mas eu, assim como outros, alertei: sejam cautelosos com o que vocês desejam - crises de crédito substituiriam crises cambiais e essas provavelmente se agravariam ainda mais.

Porque uma união monetária provocaria crises de crédito? Uma resposta é que as discrepâncias nos custos relativos provocam desequilíbrios comerciais estruturais - vastos déficits externos quando as economias menos competitivas estão próximas da produção potencial. Os setores privado ou público então devem gastar mais do que as suas rendas para sustentar o pleno emprego. Esse gasto excessivo deve, por sua vez, ser financiado a partir do exterior. No fim essa concessão de empréstimo desaparecerá. Se a concessão de empréstimo for via setor bancário, como na Irlanda ou na Espanha, primeiro haverá uma crise financeira. Se ocorrer por intermédio do setor público, como na Grécia, a crise acontecerá primeiro nas finanças do Estado.

Uma resposta mais profunda é que a taxa de juros comum parecerá muito baixa em alguns países-membros. Na zona do euro, esse efeito foi exacerbado pelo fato de as taxas de juros globais estarem baixas e a demanda nas economias principais estarem fracas. Essas taxas de juros ultrabaixas provocaram bolhas de preços de ativos e expansões de crédito nas economias periféricas. Essas, por sua vez, estimularam forte crescimento no setor de construção. Nessas circunstâncias, o que o falecido John Kenneth Galbraith chamava de "bezzle" (a duração da fraude, quando reina uma sensação de riqueza) - o repertório de crimes financeiros - aumenta, para despontar na quebra. À medida que o sistema financeiro implode, a economia desmorona e as finanças públicas, aparentemente sólidas na expansão econômica, mudam radicalmente para pior.

O resultado é uma enorme crise de crédito. Num regime de câmbio flutuante, parte da pressão seria aliviada por uma taxa de câmbio em alta na expansão e numa taxa em queda na retração econômica. Com uma taxa ancorada, o colapso da moeda normalmente restabeleceria a competitividade e o crescimento, como aconteceu com os países asiáticos mais duramente atingidos no fim da década de 90. Numa união monetária, essas válvulas de segurança se perdem. Em vez disso, temos uma crise conjunta de crédito e de competitividade. A solução para a perda de competitividade é uma queda acentuada nos preços. Mas isso piora a crise de crédito: isso, então, é deflação de dívida, como a Irlanda conhece.


Esse é um aspecto em que a crise cambial é menos ruim que uma crise de dívida. Mas um calote soberano também abala a confiança no Estado, que é o alicerce da ordem política e jurídica. Uma crise do setor bancário é quase tão prejudicial. Uma crise cambial, por si só, simplesmente não é.

Esse é o contexto em que a crise da zona do euro deve ser entendida. Nos velhos dias do Sistema Monetário Europeu, poderiam ter ocorrido crises cambiais nos países periféricos, em consequência das quais as moedas grega, irlandesa, portuguesa, espanhola, italiana e, possivelmente, outras moedas, teriam desabado ante o velho marco alemão. Isso já aconteceu com a libra esterlina. Se a Irlanda ainda estivesse na região da libra esterlina, o punt teria caído junto com ela.

Em vez disso, a zona do euro precisa lidar com as suas crises de crédito. Ela não está se saindo bem. Apesar de improvisos heroicos, os indicadores de risco sobre a dívida soberana dos países menos confiáveis atingiu níveis elevados. Os mercados ignoraram os riscos na expansão e se voltaram barbaramente contra os créditos mais fracos na retração.

A dinâmica subjacente é, mais uma vez, similar ás das crises cambiais. Nessa, os governos se sentem obrigados a oferecer taxas de juros altas a ponto de minar, em vez de aumentar, a sua credibilidade. Nas crises de crédito, os mercados mais uma vez impõem taxas insuportáveis. Um país confiável desfruta taxas de juros baixas que reforçam a confiança. Um país que carece de tal credibilidade enfrenta taxas de juros que minam a confiança. As expectativas são auto-realizáveis. Isso é o que está despontando agora no crédito da zona periférica do euro: países com baixas taxas de crescimento com enormes déficits fiscais não podem prometer aperto monetário suficiente, dadas as altas taxas de juros, para reforçar a sua credibilidade. A austeridade poderá fracassar em proporcionar a credibilidade que promete.

O Estado irlandês deveria ter salvado a si mesmo através da drástica reestruturação dos passivos dos bancos. Dívida bancária simplesmente não pode ser dívida pública. Se a dívida bancária se tornar esse tipo de dívida, os banqueiros devem ser considerados funcionários públicos e os bancos, departamentos do governo. Certamente, os credores devem ser atingidos pelo golpe, em vez disso.

Isso deixa os soberanos. O que precisamos aqui, como os líderes da zona do euro reconhecem, é uma combinação de provisão de recursos generosa com reestruturação: a primeira se destina a reverter o pânico autorrealizável; a última, para reconhecer as realidades da insolvência. Administrar essa combinação pode ser uma tarefa muito espinhosa.

Além disso, a condição de membro da união monetária transformou a posição financeira dos membros, que estão privados de um banco central moderado e de flexibilidade cambial. Consequentemente, é muito mais provável que sejam levados ao calote cabal em relação ao que costumavam, como os mercados constatam. As únicas opções de saída seriam que o Banco Central Europeu comprasse a dívida pública, ou uma união fiscal, com a capacidade de resgatar membros em dificuldade. Ambas são inconcebíveis. A Alemanha certamente seria a primeira a sair.

Portanto, a grande questão agora é se a zona do euro pode evitar uma onda de crise fiscal junto com uma crise financeira. A questão é se a união sobreviverá. O artigo dessa semana, de José-Ignacio Torreblanca do Conselho Europeu de Relações Estrangeiras em Madrid, com suas queixas sobre atitudes alemãs, indica que a resposta pode ser: não.

Esse é um tema de natureza mais política do que econômica. É possível que uma união monetária sobreviva a calotes soberanos. A pergunta é, em vez disso, se os membros acreditam que o esquema continua sendo benéfico. A dificuldade para os países superavitários é que eles devem financiar os países deficitários, aceitar ajustes externos ou empurrar a zona do euro a um superávit externo. A dificuldade para os países deficitários é que o custo de deixar a zona do euro é enfrentar crises de dívida. Se elas já tiverem ocorrido, os custos parecerão menores. Se eles pensam que substituíram crises cambiais por crises de crédito, que nem mesmo restabelecem a competitividade e o crescimento, eles poderão considerar a união como um mau negócio. A cola política poderá derreter. Essas calamidades realmente acontecem. Agora depende dos países-membros assegurar que não aconteçam.

Fonte: Valor