terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Fitoussi e a crise econômica


Ótimo artigo do Fitoussi, um economista frances pouco conhecido no grande bananão, sobre o day after da crise econômica.



Oscar Wilde disse certa vez que experiência é o nome que damos a nossos erros. No ano passado, tentamos analisar os erros que levaram o mundo a entrar na crise econômica. Agora, é hora de analisar os erros que cometemos ao tentar sair dela.

Quando o tamanho da crise ficou mais claro no ano passado, muitos estavam convencidos de que seria mal administrada. Talvez devamos ser gratos por, pelo menos, ela ter sido administrado de alguma forma. Ao contrário do ocorrido nos anos 30, as autoridades agiram com rapidez, ignorando os dogmas que alertavam contra intervenções rápidas.

Além disso, sabiam que, em contraste com o verificado no período entre as guerras, seria necessária uma coordenação internacional mais próxima. Em 2008 e 2009, a influência do G-20 aumentou, à custa do G-8. As pessoas ficaram cientes da necessidade de uma governança global autêntica. Surgiram, enfim, várias propostas com o objetivo de tornar tal governança realidade.

A experiência, afinal, não é apenas o nome que damos a nossos erros. Como mostrou a crise financeira, também é o processo que nos permite ampliar nossa compreensão e, em última análise, contemplar um novo mundo.

Infelizmente, no entanto, esse processo não foi longe o suficiente, permitindo que muitos bancos, governos e instituições internacionais voltassem aos "negócios de sempre". De fato, hoje, os incendiários da economia mundial tornaram-se procuradores e acusam os bombeiros de terem provocado uma inundação.

No auge da crise, os governos tiveram a oportunidade de criar uma nova infraestrutura financeira mundial. Mas a deixaram cair por entre os dedos. O fato de muitas economias ocidentais terem saído da recessão em 2009 não deveria nos enganar e levar a pensar que a crise foi apenas um breve interlúdio e que o mundo pós-crise pode voltar ao status quo pré-crise. Há pressões para reescrever a história da crise, descrevendo os efeitos como se fossem as causas e culpando os governos que administraram a crise como se a tivessem iniciado.

Um dos pontos mais baixos - talvez devêssemos dizer o ápice da incoerência - foi alcançado no ano passado, quando as agências avaliadoras de risco de crédito intensificaram sua vigilância sobre os títulos de dívidas governamentais e os mercados que foram vitimados pela incompetência e má-fé das agências ficaram obcecados em seguir suas avaliações. O Lehman Brothersostentava um "rating" elevado até as vésperas de seu desmoronamento e, ainda assim, agora as agências criticam os governos que tiraram a economia mundial do abismo por não seguir princípios contábeis.

Será que as agências de "rating" e os mercados são tão mal informados sobre os gastos públicos? De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), os países do G-20 destinaram, em média, 17,6% de seu Produto Interno Bruto (PIB) para respaldar seus sistemas bancários, embora tenham gastado, na prática, bem menos. Da mesma forma, os gastos para estimular a economia real somaram apenas 0,5% do PIB em 2008, 1,5% em 2009 e 1% neste ano. No total, os planos de recuperação dos países da União Europeia chegaram a apenas 1,6% do PIB, em comparação com os 5,6%, dos Estados Unidos.

Os governos tomaram as medidas corretas para salvar os bancos, mas ignoraram as consequências políticas. Ao repartir vastas quantias de dinheiro para resgatar o sistema financeiro, sem pedir garantias genuínas em troca, mostraram falta de capacidade de previsão. Admitir que as agências avaliadoras de crédito foram incompetentes sem fazer nada para regulamentá-las foi imperdoável.

Como resultado, os contribuintes poderão ter de pagar duas vezes, uma pelo pacote de resgate e de novo pela baixa qualidade das dívidas nas quais incorreram durante o resgate, como atestam os programas de austeridade anunciados na Europa. Paradoxalmente, a sensação cada vez maior de que uma catástrofe foi evitada alimenta uma crescente demanda para que os governos cortem gastos públicos e sociais e se abstenham de propor programas de investimento. As pessoas estão correndo de volta às políticas que originalmente provocaram a crise.

Os governos, no entanto, não são culpados de enganar o público; se forem culpados de algo é de terem agido de forma ingênua, e agora pagam o preço. Os governos realmente não têm opção: precisam assumir a responsabilidade e exercer o poder, mesmo se isso exigir nadar contra a maré da opinião pública - e especialmente se isso puder aliviar o sofrimento social trazido pela crise.

De fato, temos de lembrar-nos que o crescimento econômico foi sustentável apenas em países com sistemas de bem-estar social altamente desenvolvidos, como a França. Sim, esses países se recuperarão mais vagarosamente do que outros, mas os países que caíram em buracos mais profundos precisam trabalhar mais do que os que caíram nos mais rasos.

Talvez, ainda mais importante, o esforço por maior competitividade, independente do custo, apenas agravará a crise. Afinal, as políticas de crescimento puxadas pela exportação podem ser bem-sucedidas apenas quando outros países estão dispostos a ter déficits. Tendo em vista que os desequilíbrios globais que levaram à crise continuam não resolvidos, incrementar a competitividade será uma vitória enganosa, com grandes custos - uma vitória que cobrará um alto preço do consumo e dos padrões de vida domésticos.

Jean-Paul Fitoussi é professor de economia na Sciences-Po (Instituto de Estudos Políticos de Paris) e na Luiss (Universidade Livre Internacional de Estudos Sociais Guido Carli), em Roma.

Fonte: Valor