segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

O otimismo do Luiz Carlos Mendonça de Barros

Não compartilho seu otimismo em relação a economia americana, mas é sempre recomendável saber o que Luiz Carlos Mendonça de Barros esta pensando sobre a economia brasileira e a internacional.



Em breve estaremos comemorando um novo ano. Como sempre acontece nesse momento, cada um de nós vai usar uma referência com o passado para tentar qualificá-lo. Para muitos, 2011 pode ser identificado como o primeiro ano em que o presidente Lula não estará mais no comando da nação. Para outros, 2011 encerra um período ainda mais longo: 16 anos em que o Brasil decidiu romper com um passado de desorganização e trilhar com sucesso o caminho da responsabilidade na gestão da economia.

Independente da paternidade desse período de inequívoco sucesso na economia, os avanços alcançados estão à vista de todos. Por exemplo, sexta-feira, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou que a taxa de desemprego em novembro ficou bem abaixo da marca dos 6% da população economicamente ativa. Esse indicador é certamente a prova mais importante desses novos tempos que estamos vivendo.

De um lado o desemprego baixo só pode ser alcançado de forma perene por uma economia que funciona com eficiência e competitividade. De outro, é com níveis elevados de emprego que o cidadão recebe os benefícios do desenvolvimento econômico. E o desemprego menor do que 6% da população economicamente ativa como divulgou o IBGE - em dezembro este número pode chegar a 5% - é muito bom, principalmente em um país com carências de educação e formação como o Brasil.

Mas, para mim, o novo ano vai ter outra marca que pode fazer dele um período muito importante para a economia mundial. Estou convencido que em 2011 finalmente a maior economia do mundo voltará a viver dias de normalidade, rompendo com quase quatro anos de crise e incertezas. Os sinais são claros e sobre eles escrevi no nosso encontro de novembro passado. Hoje quero especular um pouco sobre os efeitos de curto prazo que essa normalização pode criar nos mercados nos próximos meses.

Quando se olha para a economia americana com uma visão mais otimista - um crescimento de 3,5% a 4% em 2011 e 2012 - o que mais chama a atenção é o descompasso entre a política monetária do Fed e essa nova dinâmica. Não sou monetarista histriônico, mas essa divergência claramente vai ser cobrada com razão pelos mercados no futuro próximo.

O início da normalização das condições monetárias nos EUA - interrupção do programa de compra de títulos do governo e especulações sobre o momento de elevação dos juros de curto prazo - vai ser o grande evento nos mercados financeiros no mundo todo, talvez ainda no primeiro trimestre do ano. E faço essa afirmação em função de três grandes ajustes que esse movimento da autoridade monetária americana vai provocar.

O primeiro virá com a volta dos juros americanos a níveis de normalidade, ou seja, algo entre 4% e 5% ao ano para os papéis de prazos mais longos. Além disso, com o risco de um novo mergulho na recessão definitivamente afastado e a economia dando sinais de que a recuperação da atividade pode se consolidar nos próximos anos, o Fed vai ter de enfrentar o desafio de quando iniciar o processo de normalização dos juros de curto prazo. Como o desemprego ainda será elevado por algum tempo e, em várias áreas, existe ainda uma razoável capacidade ociosa, este movimento deve ser suave. Mas sabemos como são os mercados: se o Fed errar no timing, as expectativas de inflação podem superar em muito os 2% ao ano, o que seria um evento traumático.

O segundo ajuste ocorrerá em função das mudanças nas condições de oferta e procura nos mercados de títulos de crédito. O aumento das emissões de papéis privados - bancários ou não - que se seguirá à volta do crescimento vai ocorrer em paralelo à grande oferta de títulos do governo por conta dos elevados déficits dos últimos anos e de um maior estoque de dívida pública em relação ao PIB que existe hoje. Essa concorrência por recursos poderá ser fonte de pressão altista nos juros mais longas.

A terceira alteração nas condições dos mercados poderá vir de um ajuste mais traumático nas carteiras de um grande número de investidores. A crise financeira já é bastante longa para moldar o comportamento dos investidores e levá-los a buscar alternativas mais especulativas e perigosas em seus investimentos. Os mecanismos para isso são conhecidos por todos nós. Compra de títulos de crédito com alavancagem elevada viabilizada pelo nível muito baixo dos juros de curto prazo. Um exemplo é a compra de papéis de sete a oito anos com financiamento de um ano com juros equivalentes à taxa interbancária de Londres (Libor).

Essa é uma combinação que já aconteceu no passado e que levou a crises sérias quando a bolha arrebentou. A combinação de uma correção no valor dos títulos de crédito por conta de juros maiores e a elevação das taxas de curto prazo pode gerar prejuízos expressivos. Tenho medo de que isso possa ocorrer novamente desta vez.

A normalização dos juros americanos pode provocar ajustes além dos que vão ocorrer nos mercados de títulos de crédito. Mais uma vez a crise nos Estados Unidos provocou uma migração expressiva de recursos para outros mercados, principalmente no chamado mundo emergente. Esse movimento valorizou as moedas desses países e levou os preços das ações de empresas locais a níveis elevadíssimos. Com a volta de parte desses recursos para os mercados americanos podemos ter um período difícil de ajuste.


Fonte: Valor