quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Martin Wolf e a zona do euro



Mais um ótimo artigo do Martin Wolf sobre a zona do euro.



Será que a zona do euro sobreviverá em sua forma atual? Para abordar essa questão, precisamos considerar três aspectos mais precisamente. Em primeiro lugar, qual a probabilidade de uma onda de inadimplência? Em segundo, implementará a zona do euro as mudanças necessárias para evitar isso? Em terceiro lugar, poderá a zona do euro sobreviver a elas? Minhas respostas, respectivamente, são: muito provavelmente; provavelmente, não; e talvez - mas não com certeza.

O que vem acontecendo é algo familiar a especialistas em países emergentes: é uma "parada súbita". Antes de 2007, havia crédito disponível em condições fáceis a ponto de financiar bolhas nos preços de ativos, construção civil e consumos privado e público. Então, repentinamente, os mercados adotaram um comportamento de sobriedade: os financiamentos secaram, os preços dos imóveis caíram, a construção civil sofreu um colapso, governos passaram a garantir dívidas de sistemas financeiros no vermelho, economias entraram em recessão e déficits fiscais explodiram.

Como observam Carmen Reinhart, da Universidade de Maryland, e Kenneth Rogoff, de Harvard, assinalaram em um documento divulgado neste ano, "numa crise, frequentemente é trazida ao primeiro plano a carga de endividamento público, expondo problemas de solvência aos quais o público parecia abençoadamente alheio". Assim tem acontecido na periferia da zona do euro. A Grécia ocultou sua verdadeira posição fiscal. Na Irlanda e na Espanha (como nos EUA e no Reino Unido), o "boom" encobriu um vasto montante de passivo fiscal. Também surpreendente foi a medida em que o risco dos bancos revela-se correlacionado com os riscos soberanos. Os países estão em apuros, em parte, porque alguns bancos são grandes demais para que sua falência seja tolerada e grandes demais para poderem ser salvos.

A questão é se esses países podem evitar uma reestruturação da dívida soberana. Sobre isso, o professor Rogoff, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), é pessimista. Em nota recente, ele argumentou que "em última instância, uma reestruturação significativa da dívida privada e/ou pública é provavelmente necessária em todos os países endividados na zona euro. Já sofrendo crescimento lento antes da imposição de austeridade fiscal, [Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha] enfrentam a perspectiva de uma "década perdida", similar à que a América Latina viveu nos anos 80. O renascimento da América Latina e uma moderna dinâmica de crescimento realmente só começou a surgir depois que o "Plano Brady", de 1987, orquestrou uma enorme abatimento da dívida em toda a região. Uma reestruturação semelhante é, certamente, o cenário mais plausível na Europa".

Por que deveríamos ser tão pessimistas? A característica marcante de empréstimos a governos é a ausência de garantias. Assim, a segurança dos credores depende da capacidade dos governos de venderem dívida a terceiros a preços razoáveis. Se essa confiança desaparece, a liquidez seca e os soberanos tornam-se inadimplentes. O que, então, determina a confiança? A resposta, em suma, é: sustentabilidade. Isso, por seu turno, depende da relação entre a perspectiva de crescimento econômico futuro e a taxa real de juros. Quanto menor o crescimento e maior os juros, maior precisa ser o superávit fiscal primário (antes do pagamento de juros) - e, portanto, maior será o custo político de assegurá-lo. Quanto maior esse custo, menos confiantes ficarão os investidores e maiores serão os juros.

Vulneráveis países periféricos na zona euro agora sofrem as consequências de sistemas financeiros em apuros, déficits fiscais elevados, rápida ascenção da relação entre índices de endividamento e Produto Interno Bruto (PIB), juros elevados, fracas perspectivas de crescimento e ausência de um banco central convicto de que terá condições de assegurar liquidez ao mercado de dívida. As rarefeitas perspectivas de crescimento, por sua vez, são, em parte, devido a uma perda de competitividade. Em caso de aplicação desses indicadores a países emergentes normais, inadimplência pareceria inevitável.

Isso nos leva à segunda questão: será que a zona do euro fará as mudanças necessárias para evitar inadimplência? A resposta é: provavelmente, não. Uma razão é que os credores as desejam. É verdade que a Alemanha sugeriu que isso deva ser aplicável apenas a endividamento futuro. Mas, nos mercados de capitais, o futuro é sempre agora. Além disso, os recursos agora disponibilizados não são suficientes para financiar todos os países debilitados durante tempo suficiente para evitar a inadimplência, especialmente tendo em vista que estes precisarão desinflar e reestruturar seu caminho de volta ao crescimento. Assim como Desmond Lachman, do American Enterprise Institute, argumentou em recente artigo no Londres Legatum Institute, o crucial é o potencial de crescimento. Mas, na ausência de flexibilidade cambial e em presença de juros elevados, cortar na carne do próprio déficit fiscal poderá agravar o desquecimento econômico.

Isso conduz à minha pergunta final: poderá a zona do euro sobreviver a uma onda de reestruturações de dívida? Aqui, a questão imediata é que a crise poderá ser enorme, pois parece certo que uma reestruturação disparará outras. Além disso, o sistema bancário seria profundamente afetado: no fim de 2009, por exemplo, os bancos franceses e alemães, em conjunto, eram credores dos quatro membros mais vulneráveis em 16% e 15% dos respectivos PIBs. Para os bancos europeus, como um grupo, a exposição total equivalia a 14% do PIB. Assim, qualquer risco sério de reestruturação soberana acarretaria o risco de provocar fugas dos credores e, na pior das hipóteses, mais uma etapa da crise financeira global. Mais injeções de capital oficial em bancos também seriam necessárias. É por isso que os irlandeses foram "persuadidos" a socorrer os credores prioritários de seus bancos à custa do contribuinte nacional.

No entanto, mesmo uma crise assim não implicaria uma dissolução da união monetária. Ao contrário, é perfeitamente possível que uniões monetárias sobrevivam a crises financeiras e à inadimplência do setor público. A questão é de vontade política. O que há pela frente é uma mistura de transferências fiscais dos países que gozam de credibilidade com austeridade entre os insolventes. Quanto maiores forem as transferências fiscais, menor será a austeridade. Essa tensão poderia ser administrável se uma rápido retorno à normalidade fosse plausível. Mas não é. Há uma boa chance de que essa situação persistirá a longo prazo.

Ainda pior: depois que um país tiver sido obrigado a reestruturar sua dívida pública e também ver uma parte substancial de seu sistema financeiro desaparecer, os custos adicionais do restabelecimento de sua moeda deverão parecer algo menores. Isso, também, precisa ficar claro para os investidores. Novamente, esses temores aumentam as chances de fuga à exposição a dívida dos países mais frágeis.

Para os céticos, o cerne da questão sempre foi até que ponto pode ser robusta uma união monetária entre diversas economias com solidariedade mútua menos do que ilimitada. Apenas uma crise poderá responder a essa pergunta. Infelizmente, a crise que temos é a maior em 80 anos. Será que a zona euro conseguirá acordar em fazer o suficiente para mantê-la coesa? Não sei. Mas saberemos, todos nós, em futuro relativamente próximo.

Fonte: Valor