quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Investimento alivia uso da capacidade


Mais uma boa noticia e confirma que o céu continua sendo de brigadeiro.


A indústria de transformação produziu no primeiro semestre deste ano 1,1% a mais que no mesmo período de 2008, quando a economia também avançava a um ritmo forte, mas com um uso menor de sua capacidade produtiva. De janeiro a junho, a média do nível de utilização de capacidade instalada (Nuci) ficou em 84,6%, abaixo dos 86% dos primeiros seis meses de 2008, na série com ajuste sazonal da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

A maturação de investimentos e a recuperação mais modesta das exportações são fundamentais para explicar o comportamento mais moderado do uso da capacidade instalada, assim como a própria perda de fôlego da indústria a partir de abril. A trajetória mais tranquila do indicador é uma boa notícia para a inflação, por indicar que não há grandes gargalos produtivos na indústria.

O coordenador de sondagens da FGV, Aloisio Campelo, acredita que o Nuci mais baixo neste ano em relação ao de 2008 se deve, em sua maior parte, à expansão da capacidade produtiva da indústria. Depois de um primeiro semestre de 2009 fraco, marcado pela freada nos investimentos, muitas empresas retomaram os projetos para ampliar a oferta. Com a maturação de parte dos investimentos, o volume de produção cresceu sem que a utilização de capacidade voltasse aos picos atingidos em 2008. Depois de aumentar de 79,4% em junho de 2009 para 83,8% em dezembro do ano passado, o Nuci passou a avançar a um ritmo mais moderado em 2010. Nos últimos meses, tem oscilado na casa de 85%. É mais do que a média de 83,1% registrada desde 2003, mas ainda assim menor que os patamares atingidos em 2008.
Para Campelo, parte da indústria tratou de antecipar investimentos ao vislumbrar a perspectiva de crescimento mais forte da demanda em 2010. Ele considera que o Programa de Sustentação de Investimentos (PSI) do BNDES, com taxas bastante baixas para padrões brasileiros, ajudou a estimular um movimento de antecipação de projetos de aumento da capacidade instalada. "A sondagem trimestral de investimentos da FGV apontou uma forte concentração da intenção das empresas de investir neste ano", diz Campelo. .

O economista Rafael Bacciotti, da Tendências Consultoria Integrada, também vê a maturação de investimentos como uma das principais responsáveis pelo comportamento mais tranquilo do Nuci, mesmo num cenário em que o volume produzido está em níveis elevados. "A formação bruta de capital fixo [FBCF, medida do que se investe na construção civil e em máquinas e equipamentos] tem crescido com força", observa ele, que estima uma alta no segundo trimestre para a FBCF de 26,3% em relação ao mesmo período do ano passado. Para 2010, a aposta de boa parte dos analistas é de um crescimento da FBCF de 20%.

Para Bacciotti, o arrefecimento da produção industrial a partir de abril também contribui para explicar o comportamento do nível de utilização. Depois de atingir o patamar mais alto da série em março deste ano, a indústria de transformação recuou nos três meses seguintes. Na série com ajuste sazonal, está 2,6% abaixo do nível do fim do primeiro trimestre. Mesmo com esse desempenho, a alta acumulada de janeiro a junho é de 16,2% sobre igual período de 2009.

A recuperação ainda fraca das exportações também tem peso na trajetória recente do uso da capacidade. Campelo chama a atenção para o comportamento distinto da utilização de capacidade entre as empresas voltadas para o mercado interno e as que exportam muito. No caso das primeiras, em que as vendas externas equivalem a no máximo 10% do faturamento, a ocupação dos recursos disponíveis atingiu 83,4% em julho, mais do que a média de 82,1% registrada a partir de 2003, segundo números da FGV. No entanto, a capacidade instalada nessas companhias está em queda nos últimos meses, possivelmente pela maturação de investimentos feitos para atender a expectativa de uma demanda mais robusta.

No caso das empresas em que as vendas externas respondem por mais de 50% do faturamento, o uso da capacidade ficou em 81,3% em julho, abaixo da média histórica de 84,5%. A partir de junho, porém, o nível passou a subir nessas companhias. Para Campelo, é possível que isso se deva ao fato de que elas pouco investiram na ampliação da oferta, dadas as incertezas em relação à demanda externa. A recuperação das exportações, ainda que modesta, também pode explicar parte desse movimento de alta nos últimos dois meses.

Os números de utilização de recursos para a média da indústria de transformação parecem tranquilos, mas há setores com sinais de pressão. É o caso do segmento de material para construção, em que este nível fechou julho em 91,7%, o mais alto da série iniciada em 1993, indicando o risco de que gargalos.

Fonte: Valor