quarta-feira, 27 de outubro de 2010
Obama
Ótimo artigo do Martin Wolf do FT sobre Obama e a política econômica americana.
Uma ambulância para no acostamento para ajudar um homem com ataque cardíaco. Após medidas extremas, o paciente sobrevive. Dois anos depois, longe de mostrar-se agradecido, ele processa os médicos e paramédicos. Não fosse sua interferência, insiste o paciente, ele estaria como novo. Quanto ao ataque cardíaco, foi um evento menor. Ele teria ficado bem melhor, caso tivesse sido deixado sozinho.
Essa é a situação em que o dr. Barack Obama se encontra. Uma grande parte do povo americano esqueceu-se há tempos da gravidade do ataque cardíaco financeiro que atingiu os Estados Unidos no outono setentrional de 2008. Os republicanos convenceram muitos eleitores de que o atual mal-estar é explicado pela intervenção dos democratas e não pela catástrofe legada por George W. Bush. Isso é um golpe de propaganda.
O presidente Obama merece receber a culpa pelas repercussões? Não e sim. Não, porque em princípio o tratamento foi correto; sim, porque na prática foi demasiado cauteloso.
É essencial lembrar-se do contexto. Grandes crises financeiras provocam danos prolongados. Como ressaltaram Carmen Reinhart, da University of Maryland, e Kenneth Rogoff, da Harvard University, em uma atualização de seu trabalho anterior: "Com muita frequência, o cenário decorrente das crises financeiras tem três características em comum. Primeira, os colapsos dos mercados de ativos são profundos e prolongados (...) Segunda, vem acompanhado de profundos declínios na produção e emprego (...) Terceira, o valor real dos títulos de dívidas do governo tende a decolar." Como sempre, os riscos vão crescendo despreocupadamente no ciclo de alta e se materializam no de queda.
Como destacaram a professora Reinhart e Vincent Reinhart, do American Enterprise Institute, em artigo apresentado no simpósio de política econômica deste ano em Jackson Hole, os EUA tiveram em comum com vários outros países de alta renda (mais notavelmente, Espanha, Reino Unido e Irlanda) uma alta acentuada nos preços residenciais, no crédito e no balanço patrimonial do setor financeiro: entre 1997 e 2007, os preços reais das residências nos EUA subiram 87%, a taxa da dívida do setor financeiro em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) aumentou 52% e a taxa de endividamento privado total em comparação ao PIB cresceu 101%. Era um desastre esperando para acontecer. O que tornou administrar o colapso muito mais difícil foi o fato, demonstrado no artigo de Reinhart e Reinhart, de que esta foi, de longe, a maior crise financeira mundial desde a Segunda Guerra Mundial.
Então, como a economia dos EUA se saiu nesta crise? Bastante bem, em alguns aspectos, especialmente na produção econômica geral; não tão bem em outros, mais notavelmente o desemprego. Na média, o PIB real per capita (pela paridade do poder de compra) caiu 9,3% nas crises anteriores estudadas no trabalho dos professores Reinhart e Rogoff. Desta vez, a queda nos EUA foi de 5,4%. O índice de desemprego aumentou, em média, 7 pontos percentuais nas crises anteriores. Desta vez, o desemprego subiu 5,7 pontos percentuais.
Esse contraste, entre o fraco desempenho dos EUA no desemprego e um desempenho melhor na produção, em termos históricos, manifesta-se analogamente nas comparações entre os EUA e outros países grandes de alta renda. Apesar de ser o epicentro da crise, o EUA sofreram um declínio proporcional na produção per capita menor do que nos outros países grandes de alta renda, com exceção da França. Mas o desemprego aumentou bem mais nos EUA do que nos outros países. A explicação é que o crescimento da produtividade nos EUA foi excepcionalmente forte, especialmente em 2009.
O que, então, esse desempenho nos diz sobre a política econômica dos EUA? A resposta é que se saiu bem em termos do que realmente atacou, mas foi bem menos bem-sucedida em termos do que não atacou.
Como Lawrence Summers, principal assessor econômico do presidente, destacou em 7 de outubro na conferência "View from the Top", do "Financial Times", realizada em Nova York, o foco do governo estava no "retorno à estabilidade, confiança e fluxo de crédito, para dar suporte a uma recuperação forte". Os elementos eram: apoio ao sistema financeiro - por meio do programa governamental de recuperação de ativos problemáticos (Tarp, na sigla em inglês), herdado do governo anterior, por meio de garantias financeiras e dos "testes de estresse" sobre as instituições bancárias; os estímulos fiscais; e as ações do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) para sustentar o fluxo de crédito.
Por sua natureza, tais políticas funcionam ao sustentar a demanda e, portanto, a produção. Seu impacto no emprego (e desemprego) é indireto. Como se constatou depois, o crescimento na produtividade foi tão forte, que um desempenho não tão ruim na produção foi insuficiente para evitar o aumento no desemprego. Seria de se esperar que os defensores do livre mercado concluíssem que a economia dos EUA e, particularmente, seu mercado de trabalho continuam flexíveis, sob seu presidente "socialista". Seria de se esperar que concluíssem também que havia necessidade de mais estímulos. Afinal, foram bastante modestos: os estímulos fiscais foram inferiores a 6% do PIB e, portanto, representam menos de 20% dos déficits acumulados de 2009, 2010 e 2011, enquanto a política monetária está presa em uma armadilha de liquidez.
A verdade é que a política não fracassou nem foi imprudente, mas foi tímida e, portanto, não conseguiu ter êxito. Um grande erro foi não abordar o mercado de trabalho diretamente, talvez com o corte temporário da tributação sobre as folhas de pagamento. Houve outros erros: o esforço para reduzir o excesso de dívidas das famílias deveria ter sido mais forte.
Infelizmente, os republicanos foram bem-sucedidos em persuadir uma parte grande o suficiente do povo americano de que se o paciente tivesse sido deixado sozinho, hoje estaria em perfeito estado de saúde. Isso, certamente, é um conto de ficção. Mas os eleitores, naturalmente, prestam pouca atenção às calamidades evitadas. Eles se concentram apenas em saber até que ponto a experiência prática não chega ao que eles desejam. Obama não ganha crédito pelas calamidades evitadas e recebe grande parte da culpa pelo que não se evitou. As aspirações de sua retórica, sem dúvida, agravaram a decepção.
A disposição do presidente de pedir pouco acabou revelando-se um imenso erro estratégico. Permite a seus oponentes argumentar que os democratas receberam o que quiseram e que o que eles queriam acabou fracassando. Se o presidente não tivesse conseguido tudo o que havia pedido, ele poderia argumentar que o resultado não foi por sua culpa. Com a expectativa de que haverá um impasse político, novas ações agora serão bloqueadas. Uma década perdida parece bastante provável. Isso seria uma calamidade para os EUA - e o mundo.
Fonte: Valor