segunda-feira, 4 de maio de 2009

Bento XVI fala sobre a crise econômica mundial

O texto abaixo é uma " resposta dada pelo Papa a uma pergunta feita por um sacerdote, em seu encontro com o Clero de Roma (26 de Fevereiro de 2009)".

Esta questão [da crise econômica] toca o nervo dos problemas do nosso tempo. Eu distinguiria entre dois níveis. O primeiro é o nível da macroeconomia, que depois de realiza e vai até ao último cidadão, o qual sente as conseqüências de uma construção errada. Naturalmente, denunciar isto é um dever da Igreja. Como sabeis, há muito tempo que preparamos uma Encíclica sobre estes pontos. E no longo caminho vejo como é difícil falar com competência, porque se não for enfrentada com competência uma determinada realidade econômica não pode ser credível. E, por outro lado, é preciso falar também com uma grande consciência ética, digamos criada e despertada por uma consciência formada pelo Evangelho. Portanto é preciso denunciar estes erros fundamentais que agora são evidenciados pela queda dos grandes bancos americanos, os erros na base. No final, é a avareza humana como pecado ou, como diz a Carta aos Colossenses, avareza como idolatria. Devemos denunciar esta idolatria que vai contra o verdadeiro Deus e a falsificação da imagem de Deus com outro deus "dinheiro". Devemos fazê-lo com coragem, mas também concretamente. Pois os grandes moralismos não ajudam se não forem substanciados com conhecimentos da realidade, que ajudam também a compreender o que se pode fazer concretamente para mudar pouco a pouco a situação. E, naturalmente, para o poder fazer são necessários o conhecimento desta verdade e a boa vontade de todos.

Chegamos aqui ao ponto forte: existe realmente um pecado original? Se não existisse poderíamos fazer apelo à razão lúcida, com argumentos acessíveis a todos e incontestáveis, e à boa vontade que existe em todos. Só assim poderíamos progredir bem e reformar a humanidade. Mas não é assim: a razão também a nossa é obscurecida, vemo-lo todos os dias. Porque o egoísmo, a raiz da avareza, consiste em querer sobretudo a si mesmo e ao mundo para si. Existe isto em todos nós. É o obscurecimento da razão: ela pode ser muito douta, com maravilhosos argumentos científicos, mas, contudo, está obscurecida por falsas premissas. Deste modo vai em frente com grande inteligência e com grandes passos pelo caminho errado. Também a vontade está, digamos, inclinada, dizem os Padres: não está simplesmente disponível para fazer o bem mas procura sobretudo a si mesmo ou o bem do próprio grupo. Por isso encontrar realmente o caminho da razão, da razão verdadeira, já é uma coisa não fácil e dificilmente se desenvolve num diálogo. Sem a luz da fé, que entra nas trevas do pecado original, a razão não pode desenvolver-se. Mas precisamente a fé encontra depois a resistência da nossa vontade. Esta não quer ver o caminho, que constituiria também um caminho de renúncia a si mesmo e de uma correção da própria vontade a favor do outro e não para si mesmo.

Por isso é necessária, diria, a denúncia razoável e raciocinada dos erros, não com grandes moralismos, mas com razões concretas que se tornem compreensíveis no mundo da economia de hoje. A denúncia disto é importante, é um mandato para a Igreja desde sempre. Sabemos que na nova situação que se veio a criar com o mundo industrial, a doutrina social da Igreja, começando por Leão XIII, procura fazer estas denúncias e não só as denúncias, que não são suficientes, mas também mostrar os caminhos difíceis nos quais, passo a passo, se exige o consentimento da razão e da vontade, juntamente com a correção da minha consciência, à vontade de renunciar num certo sentido a mim mesmo para poder colaborar no que é a verdadeira finalidade da vida humana, da humanidade.

Dito isto, a Igreja tem sempre a tarefa de vigiar, de procurar ela mesma com as melhores forças de que dispõe, as razões do mundo econômico, de entrar neste raciocínio e iluminá-lo com a fé que nos liberta do egoísmo do pecado original. É dever da Igreja entrar neste discernimento, neste raciocínio, fazer-se ouvir, também nos diversos níveis nacionais e internacionais, para ajudar e corrigir. Este não é um trabalho fácil, porque muitos interesses pessoais e de grupos nacionais se opõem a uma correção radical. Talvez seja pessimismo, mas parece-me realismo: enquanto houver o pecado original nunca conseguiremos uma correção radical e total. Mas devemos fazer o possível para obter correções pelo menos provisórias, suficientes para fazer viver a humanidade e para impedir o domínio do egoísmo, que se apresenta sob pretextos de ciência e de economia nacional e internacional.

Este é o primeiro nível. O outro é o sermos realistas. E ver que estas grandes finalidades da macrociência não se realizam na microciência a macro-economia na micro-economia sem a conversão dos corações. Se não existem os justos, também não existe a justiça. Devemos aceitar isto. Portanto a educação para a justiça é uma finalidade prioritária, poderíamos dizer que é a prioridade. Porque São Paulo diz que a justificação é o efeito da obra de Cristo, não é um conceito abstrato, relativo a pecados que hoje não nos interessam, mas refere-se precisamente à justiça integral. Só Deus no-la pode dar, mas no-la concede com a nossa cooperação a diversos níveis, a todos os níveis possíveis.
Não se pode criar no mundo a justiça apenas com modelos econômicos bons, que são necessários. A justiça só se realiza se existem os justos. E os justos não existem se não há o trabalho humilde, quotidiano, de converter os corações. E de criar justiça nos corações. Só assim se expande também a justiça corretiva. Por isso o trabalho do pároco é muito fundamental não só para a paróquia, mas para a humanidade. Porque se não houver justos, como disse, a justiça permanece abstrata. E as estruturas boas não se realizam se se opõe o egoísmo também de pessoas competentes.

Este nosso trabalho, humilde, quotidiano, é fundamental para alcançar as grandes finalidades da humanidade. E devemos trabalhar juntos a todos os níveis. A Igreja universal deve denunciar, mas também anunciar o que se pode fazer e como se pode fazer. As conferências episcopais e os bispos devem agir. Mas todos devemos educar para a justiça. Parece-me que ainda hoje é verdadeiro e realista o diálogo de Abraão com Deus (cf. Gn 18, 22-33), quando o primeiro diz: deveras destruirás a cidade? Talvez haja nela cinqüenta justos, talvez dez. E dez justos são suficientes para fazer sobreviver a cidade. Mas, se faltam dez justos, com toda a doutrina econômica, a sociedade não sobrevive. Por isso devemos fazer o necessário para educar e garantir pelo menos dez justos, mas se for possível, muitos mais. Precisamente com o nosso anúncio fazemos com que haja muitos justos, com que esteja realmente presente a justiça no mundo.

Como efeito, os dois níveis são inseparáveis. Se, por um lado, não anunciamos a macrojustiça, a micro não cresce. Mas, por outro lado, se não fizermos o trabalho muito humilde da micro-justiça também a macro não cresce. E sempre, como disse na minha primeira Encíclica, com todos os sistemas que podem crescer no mundo, além da justiça que procuramos, permanece necessária a caridade. Abrir os corações à justiça e à caridade é educar na fé, é guiar para Deus.

Fonte: Núcleo de Fé e Cultura