sexta-feira, 29 de maio de 2009

Fraca demanda doméstica é um problema crônico na Europa

Mais um artigo de leitura obrigatória do Martin Wolf. Enquanto isso, no grande bananão temos que conviver com jornalistas econômicos mediocres e a turma de sempre.


Por que a União Europeia está sofrendo tanto em uma crise que teve início nos Estados Unidos? A resposta é encontrada em quatro fraquezas: primeiro, a Alemanha, a maior economia da UE, é altamente dependente dos gastos nos países estrangeiros; segundo, várias economias da Europa Ocidental estão sofrendo de colapsos na demanda pós-bolha; terceiro, partes da Europa Central e Oriental também estão sendo forçadas a cortar gastos; e, quarto, os bancos europeus provaram ser vulneráveis tanto à crise americana quanto às dificuldades mais próximas de casa. Dadas estas realidades, a recuperação provavelmente será lenta e dolorosa.

Segundo as mais recentes previsões de consenso, a economia da UE deverá sofrer uma retração de 3,6% neste ano e de 3,7% na zona do euro, enquanto a previsão de retração nos Estados Unidos é de apenas 2,9%. Logo, a crise pune os frugais mais do que os perdulários. Parece tão injusto. Mas não é: os frugais dependem dos perdulários.

Um comentário na previsão de primavera da Comissão Europeia chega ao âmago do problema: "Como as exportações geralmente são o primeiro componente para recuperação do ciclo de negócios na zona do euro", ela argumenta, "o panorama das exportações é a chave". A zona do euro é a segunda maior economia do mundo. Por que deveria depender da recuperação da demanda externa? A resposta está na Alemanha. A Comissão prevê que a queda líquida das exportações será responsável por 3/5 da retração econômica de 5,4% neste ano.

Uma forma de ilustrar o que está acontecendo é em termos de balanços setoriais -a diferença entre renda e gastos (ou poupança e investimento) nos três principais setores: governo, privado e exterior. Por definição, a soma deles é zero. Normalmente, as mudanças no balanço do setor privado movem a economia. Quando o setor privado reduz seus gastos, o déficit em conta corrente encolhe e o balanço fiscal deteriora. Qual dos dois predomina depende de como uma economia em particular funciona.

Nós podemos determinar balanços implícitos do setor privado a partir das previsões da Comissão. Dentro da zona do euro, a Holanda e a Alemanha tiveram enormes superávits privados em 2007, de 9,5% e 7,8% do produto interno bruto, respectivamente. Seus superávits em conta corrente foram de 9,8% e 7,6%% do PIB, respectivamente. No geral, entretanto, a zona do euro não teve quase nenhum superávit no setor privado e em conta corrente. Logo, os superávits da Alemanha e Holanda foram compensados por déficits em outros lugares. Os da Espanha foram os mais importantes: o déficit do setor privado alimentado pela bolha foi de 12,3% do PIB em 2007 e seu déficit em conta corrente de 10,1%. Mas Grécia, Irlanda e Portugal também tiveram grandes déficits no setor privado e em conta corrente.

Entre 2007 e 2009, os balanços dos setor privado dos países com bolha estão previstos para oscilar dramaticamente para o superávit, de 15,8% do PIB na Irlanda e 14% na Espanha. Em ambos os países, a principal compensação será uma enorme deterioração nas posições fiscais, mas os balanços exteriores também deverão melhorar, em 3,6% e 3,2% do PIB, respectivamente. A previsão para o balanço privado do Reino Unido é de que melhore em 8,9% do PIB, compensado pela enorme deterioração da posição fiscal. Nos Estados Unidos, a previsão é de que o balanço privado passe de um déficit de 2,4% do PIB para um superávit de 8,6% ao longo de dois anos, uma alteração de 11% do PIB.

Resumindo, nas economias pós-bolha o setor privado deverá gastar muito menos, em relação à renda, neste ano do que há dois anos. O impacto sobre os países com superávit, dependentes das exportações do setor manufatureiro, tem sido devastador. Na Alemanha, o balanço do setor privado pouco deverá mudar mas, sendo uma economia dependente das exportações, será terrivelmente afetado pelos declínios nos gastos em outros lugares.

O impacto da crise na Europa Central e Oriental também é notável. Segundo o mais recente Panorama Econômico Mundial, os fluxos de capital para a Europa emergente cairão de 9,5% do PIB em 2007 para -0,7% neste ano. A mudança forçará declínios imensos nos déficits externos e grandes recessões. Os números para os minúsculos países bálticos são extraordinários: as reduções nos déficits em conta corrente previstas pela Comissão são de 21% do PIB para Letônia, 17% para a Estônia e 13% para a Lituânia entre 2007 e 2009. Na Letônia, o balanço do setor privado deverá sofrer uma alteração de 32% do PIB em dois anos. Não é de se estranhar que a Comissão preveja que o PIB poderá encolher em 13% na Letônia, 11% na Lituânia e 10% na Estônia em 2009.

O setor bancário da Europa também foi terrivelmente danificado. Segundo o mais recente Relatório de Estabilidade Financeira Global do Fundo Monetário Internacional, as baixas esperadas nos ativos dos bancos em 2009 e 2010 são de US$ 750 bilhões na zona do euro e US$ 200 bilhões no Reino Unido, contra apenas US$ 550 bilhões nos Estados Unidos. Além disso, o capital necessário para reduzir a alavancagem dos bancos da zona do euro para 25 para 1 seria de US$ 375 bilhões e o dos bancos do Reino Unido de US$ 125 bilhões, contra US$ 275 bilhões para os bancos americanos. Os bancos ocidentais também estão altamente expostos na Europa Central e Oriental: como comentou a Comissão, "os bancos dos 'velhos' países membros representam cerca 950 bilhões de participação estrangeira nos 'novos' países membros e outros mercados emergentes europeus, em um total de cerca de 82% da participação estrangeira total. Em termos absolutos, as maiores exposições são dos bancos da Áustria, Alemanha, Itália e França".

Os detalhes podem parecer complexos. Mas o ponto fundamental não é: a economia europeia ganhou uma ilusão de saúde com gastos insustentáveis em países periféricos em seu oeste, sul e leste. As bolhas de preços dos ativos, o crescimento do crédito e booms de investimento que caracterizaram estes gastos todos sofreram colapso, ao mesmo tempo em que uma bolha ainda mais significativa estourou nos Estados Unidos. O timing não é, é claro, coincidência. O colapso devastou a atividade nos países dependentes de exportação, dentre os quais a Alemanha é o mais importante. Além disso, como resultado da má gestão de risco, muitos bancos europeus também foram seriamente atingidos.

A questão é se a economia europeia pode esperar retornar à saúde via uma recuperação normal liderada pelo setor privado. Infelizmente, nas economias pós-bolha uma recuperação dessas é improvável: seria preciso esperar pelo acúmulo de ainda mais dívida por parte dos já altamente endividados.

Isto deixa duas respostas europeias, uma provável mas indesejável, a segunda improvável mas desejável. A resposta provável é que a demanda será estimulada por expansões fiscais insustentáveis nas economias pós-bolha. A resposta improvável é que a demanda privada aumentará nas economias com crédito, particularmente na Alemanha. Na ausência de ambas, a Europa esperará pelos Estados Unidos gastarem até retornarem ao vigor (temporário). É um quadro triste, independente do que "os brotos verdes" possam parecer mostrar.