Pois é,..., não demorou muito para aparecer a primeira resposta ao artigo do Wolf( post de ontem). Melhor dizendo, tentativa de resposta, já que o artigo do ex-professor da Gavea, parece desconhecer por completo o debate sobre os limites e problemas do sistema de metas de inflação. Enquanto Wolf está preocupado em abrir o debate sobre os problemas enfrentados pelo policy maker, o ex-professor, parece mais preocupado em reafirmar a "fé", desprovida de razão, em um dado modelo de política monetária.
"Entre as vítimas da atual crise estão as convicções sobre a racionalidade da política monetária que foi construída nos últimos 20 ou 30 anos. O celebrado articulista Martin Wolf, do Financial Times, publicou na edição de quarta-feira um artigo que é um bom exemplo de como convicções baseadas em camadas finas de reflexão quebram com facilidade e afundam as vítimas incautas nas águas geladas da confusão mental. Motivado pela saia-justa em que se encontra a maioria dos bancos centrais no mundo, o articulista afirma que a crise requer que se redesenhe a abordagem da estratégia de metas. Será?
Mesmo depois que a Grande Recessão tiver dado lugar à recuperação, a busca por uma "nova racionalidade" ressoará a música da tolerância inflacionária que sempre deleita os ouvidos dos governantes. Tempos de déficits salvadores, dívidas perdoadas, intervenções bem-intencionadas, redistribuições ferozes de renda e riqueza costumam ser sucedidos por novas dificuldades: Estados gestores, preços relativos distorcidos e conciliação via inflação. A alta de preços persistente é a "solução" para as distorções que não puderem ser conciliadas por mais impostos e outros sacrifícios direcionados.
Mas as instituições equipadas para evitar a desorganização inflacionária, os bancos centrais, estão sob fogo em toda parte. No centro do sistema, seus balanços explodem com ativos sem preços. Uma mistura de "afrouxamento quantitativo" com afrouxamento normativo e qualitativo. Na periferia do sistema os estragos apenas começam. Os balanços dos Tesouros são onerados por operações de salvamento e de generosas compensações, que terão, mais cedo ou mais tarde, de ser financiadas. Se a recuperação for rápida, a valorização dos ativos e as receitas tributárias diminuem os custos. Se demorar mais do que os governantes imaginam, como é mais provável, resta um processo potencialmente explosivo de acumulação de passivos públicos.
Uma linha curiosa de raciocínio leva à conclusão, como a de Wolf, de que os bancos centrais estão "presos a estratégias ultrapassadas". Não entendo. Afinal, se houve (e de fato houve) erros na condução da política monetária americana na era Greenspan, foram o julgamento sobre a eternidade da Grande Moderação e sobre a capacidade de autorregulação do sistema financeiro. Greenspan errou porque não reagiu a tempo aos excessos. Enquanto, no centro do sistema econômico global, os bancos centrais são culpados por terem agido de forma pró-cíclica, na periferia do sistema econômico global a insatisfação com os bancos centrais tem sido capitalizada pelos novos porta-estandartes de velhas ideias, brandindo suas espadas contra o dragão da maldade das taxas de juros contracíclicas.
Tal como os ludistas, que na revolução industrial investiam contra as máquinas que aumentavam a produtividade do trabalho, os modernos ludistas, que investem contra a lógica da política monetária, defendem políticas ainda mais expansionistas onde a crise é menos severa e menos expansionistas onde a recessão é mais devastadora. Os autos da fé antimonetarista onde são imolados os banqueiros centrais mostram saudade das virtudes da maleabilidade permitida pela inflação.
A confusão mental produz esse milagre. Mas não produz receita para uma política econômica coerente. A coerência exige que o banco central tenha capacidade e independência para interromper um ciclo de euforia, o que é naturalmente frustrante para os políticos que julgam produzir felicidade perene com crédito farto. Alan Greenspan só conseguiu fazer o bem e gerar baixos custos de investimento porque, antes dele, Paul Volcker não relutou em contrariar as expectativas de mercado e a vontade dos políticos.
O Banco Central celebra dez anos da estratégia de metas no Brasil. Essa estratégia tem sido um sucesso na manutenção da confiança. A política monetária foi mais pró-cíclica precisamente nos EUA, que não adotam as metas. Como mostrou John Taylor, o Fed praticou taxas de juros bem abaixo das que resultariam de uma regra de Taylor, uma regularidade empírica que consegue explicar o que fazem os bancos centrais bem-sucedidos, não importa muito o que dizem que fazem.
Aqui, como em todos os países onde foi adotada, a estratégia de metas não é o Santo Graal da política monetária, mas uma forma de organizar o debate econômico mundial em torno do que se pode esperar do Banco Central em termos minimamente racionais. "
*Dionísio Dias Carneiro, economista, é diretor da Galanto Consultoria e do IEPE/CdG
Fonte: O Estado