quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Martin Wolf e a reunião do G20


Uma visão mais otimista da reunião do G20. Gostei da analise do Martin Wolf, mas acho seu otimismo exagerado.


Eles vieram, viram e perderam. Essa é a reação ao que veio à tona do reequilíbrio global no encontro de cúpula dos países integrantes do G-20, ocorrido em Seul, na semana passada. Em público, os países superavitários persistem em apelar para os deficitários se desinflacionarem para obterem saúde econômica. As consequências dessa insensatez estão evidentes na zona do euro. No nível mundial, os EUA jamais aceitarão isso. Mas, por baixo do radar, é possível que esteja surgindo algo mais produtivo.

Essa perspectiva mais otimista pode ser deduzida dos textos da declaração dos líderes. Ele diz que "desequilíbrios persistentemente amplos, avaliados com base em diretrizes indicativas que serão acertadas pelos nossos ministros de Finanças e presidentes de bancos centrais, exigem uma avaliação da sua natureza e as causas dos impedimentos aos ajustes... Essas diretrizes indicativas compostas de uma variedade de indicadores poderão servir como um mecanismo para facilitar a identificação, em tempo hábil, de amplos desequilíbrios que exigem ações preventivas e corretivas". Feio, mas sensato. Junto com a conversa sobre a necessidade de os países superavitários dependerem mais da demanda doméstica, do monitoramento reforçado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e das taxas de câmbio, é possível que tenha aparecido um mandato de certa forma mais sólido.

Em público, naturalmente, o debate se concentrou nos pecados do afrouxamento quantitativo promovido pelo Federal Reserve (ou Fed, banco central dos EUA), com China e Alemanha loquazes em condenação. Por que um afrouxamento monetário tão modesto, no contexto de uma economia dos EUA fraca e do crescimento monetário estagnado, tenha causado tamanha histeria é difícil de entender.

A essência da condenação da China é que os EUA estão exportando seus problemas, ao empurrarem sua moeda deliberadamente para baixo. É fácil enxergar três objeções a esse ataque: primeiro, ele é falso. Segundo, o ajuste cambial é necessário. E terceiro, pelo contrário, esta é uma boa descrição da política cambial chinesa.

O Federal Reserve não está comprando moeda estrangeira, mas bônus domésticos. Ele age assim para sustentar a economia doméstica com a desalavancagem. É verdade, é possível que essa política, se os demais fatores se mantiverem iguais, também reduza o valor externo da moeda. Mas isso é desejável. Os EUA são um clássico exemplo de desequilíbrios internos e externos - desemprego elevado e um déficit estrutural em conta corrente. O manual de Economia sugere que uma depreciação da taxa de câmbio real é a resposta certa. Uma depreciação da taxa de câmbio nominal é a forma menos penosa de alcançar esse resultado.

Ao contrário dos EUA, porém, a China está de fato "imprimindo moeda", com o propósito de comprar divisas e proteger a competitividade externa. Até setembro de 2010, a China havia acumulado US$ 2,648 trilhões em reservas cambiais (perto de metade do Produto Interno Bruto, o PIB).

O argumento econômico decisivo, porém, é que o mundo precisa administrar um ajuste pós-crise, no qual os fluxos de capital circulam. Em essência, este é um processo real, não monetário. Os países ricos não podem absorver produtivamente o fluxo de capital que costumava fluir dos países pobres. Na verdade, jamais puderam. Aquilo que não podia continuar agora precisa mudar.

Os estrangeiros têm gasto sistematicamente menos que suas receitas e, consequentemente, criaram um superávit em conta corrente com os EUA. Até a crise, os déficits dos congêneres eram produzidos, de forma praticamente igual, pelos setores do governo e das famílias. Após a crise, os setores das famílias e das corporações reduziram gastos dramaticamente, em relação à receita. Com estrangeiros, famílias e o setor corporativo gerando superávits, o governo acabou ficando num enorme déficit.

O ponto crucial é que os EUA podem reduzir seus enormes déficits fiscais, sem empurrar o país na direção de uma profunda depressão, se e somente se os demais setores expandirem os gastos em relação às receitas. Uma boa parte do ajuste necessário deve vir a partir da expansão dos gastos estrangeiros em relação à receita - em outras palavras, uma redução no déficit estrutural em conta corrente.

Essa análise é um fator para qualquer discussão de ajuste global. Como demonstra o relatório do FMI sobre o "processo de avaliação mútua" no G-20, projeta-se que os déficits em conta corrente atuais dos países deficitários aumentem a níveis jamais vistos antes da crise. Enquanto isso, espera-se que os superávits se estabilizem. Mais importante, isso indica até que ponto o mundo está deixando de colocar o seu crescimento futuro sobre uma base sustentável.

Mudar esse quadro não serve apenas os interesses dos países deficitários. Se estes últimos forem incapazes de colocar as suas economias sobre uma base sustentável, existe uma boa probabilidade de que adotem métodos mais brutais para interromper o esgotamento gradual na demanda. Isso significa proteção, que prejudicaria a todos, no longo prazo.

Nenhuma dessas opções será fácil. Em política monetária, por exemplo, existe a possibilidade de um impasse temporário entre EUA e China: aquele pode produzir dólares sem limite, enquanto este último pode reagir criando yuans sem limite, com os quais comprará dólares. O "vitorioso" nessa luta poderá ser aquele afetado em segundo lugar pela inflação. Mas esse tipo de "guerra cambial" certamente seria uma tragédia, especialmente porque teria efeitos vastamente adversos sobre espectadores inocentes com taxas de câmbio relativamente flexíveis. Deve haver um caminho melhor do que esse. Na verdade, obviamente existe: um plano de ajuste de médio prazo. Seul pode não ter aproximado uma solução a esse ponto. Mas o caminho adiante foi traçado. Os líderes deveriam enxergar os seus próprios interesses ao transitarem vigorosamente ao longo dele.

Fonte: Valor