sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Steven Levitt

Boa reportagem com/sobre Steven Levitt, o microeconomista co-autor do best-seller "Freakeconomics" e número um na lista dos livros execrados pelo marxismo talebã.



Não é fácil imaginar que uma plateia de quase 3 mil pessoas mantenha por 1h30 a atenção fixa na fala de um especialista em fenômenos microeconômicos. Sozinho sobre o palco vazio de 20 metros de largura, reproduzido e amplificado em quatro telões dispostos ao redor do auditório, traduzido simultaneamente por intérpretes de português e espanhol, Steven Levitt não é uma figura imponente. Seria difícil apostar que o economista americano de 43 anos, voz macia e camisa lilás cative sua audiência, mas Levitt tem a autoridade de quem vendeu 5 milhões de exemplares de seus dois best-sellers, "Freakonomics" (2005) e "Superfreakonomics" (2009), escritos em parceria com o jornalista Stephen Dubner e editados no Brasil pela Campus/Elsevier.
O sucesso do jovem economista condiz com a celebridade de alguém cujos livros sobre o comportamento econômico de pessoas comuns ganharam, no início deste ano, uma versão em documentário. Mas o palestrante não pertence ao mesmo universo de sua audiência, formada por executivos e aspirantes que, em plena segunda-feira, trocaram o escritório por uma apresentação no auditório de um centro de exposições em São Paulo, onde ocorreu a feira de negócios HSM ExpoManagement.

O economista busca atrair a atenção do público com histórias tiradas da própria vida e anedotas do mundo da pesquisa, habitado por estudantes de graduação e macacos de laboratório. Levitt se apressa em advertir que é um peixe fora d'água entre seus ouvintes, explicando que seus livros se tornaram sucessos na categoria "administração" graças à ideia "de algum marqueteiro genial da editora". O público responde com risadas e o palestrante se solta, caminhando e gesticulando enquanto desfia ideias, exemplos e histórias.

Em seguida à palestra, o economista falou com exclusividade ao Valor sobre sua maneira pouco usual de fazer economia, suas influências e a aplicação dos conceitos microeconômicos sobre a vida cotidiana. O mundo corporativo não saiu de pauta. "As pessoas devem levar um choque quando digo que não entendo nada de negócios. Tenho ouvido todo tipo de perguntas, sempre começando com 'o que um economista diria sobre...' Acho que muita gente que diz saber muito sobre negócios, na verdade não sabe nada", afirma.

Levitt tampouco se considera, por modéstia ou ironia, um "economista de verdade". No subtítulo de "Freakonomics", o autor se apresenta como "rogue economist". O termo "rogue" pode ser traduzido como malandro, pilantra, fora da lei. O verdadeiro economista, que ele chegou a sonhar em ser quando era um jovem estudante iludido, é representado pela figura de Alan Greenspan, ex-presidente do Federal Reserve, o banco central americano. Uma pessoa que, "quando comete um erro, faz o mundo inteiro entrar em colapso". Mas não demorou a ficar claro que Levitt jamais seria Greenspan.

O motivo é que, ao contrário de seus pares, que se esforçam para produzir artigos com conteúdo fortemente matematizado e não raro hermético, Levitt declara ser péssimo com números, a ponto de ter passado o primeiro ano de sua graduação sem saber o que é "derivada parcial", conceito de cálculo crucial para economistas. Para se manter na profissão com uma deficiência tão gritante, foi necessário usar uma estratégia drástica: dedicar-se a temas pelos quais nenhum outro economista teria interesse. Levitt pôde então encontrar os fenômenos econômicos por detrás da cortina de equações. "No fundo, a análise econômica não é muito matemática. Os cursos são matemáticos, mas a pesquisa em si, não. A matemática é uma barreira completamente arbitrária, porque existem muitas pessoas querendo ser economista e é preciso encontrar um jeito de deixá-las de fora."

Mas a inserção no universo das publicações científicas em economia exigiu algumas adaptações. "Um jeito de publicar em economia sem ser bom em matemática é encontrar coautores. Tem milhões de pesquisadores fortes em matemática e dispostos a colaborar." Apesar da heterodoxia metodológica, Levitt leciona na Universidade de Chicago, um dos principais centros de ciência econômica do mundo, reconhecido por sua ortodoxia neoclássica e pelo volume significativo de ganhadores do Prêmio Nobel que já abrigou, como Milton Friedman, Robert Fogel e Richard Posner. Além de autor de sucesso, Levitt é cotado para receber o Prêmio Nobel de sua disciplina, desde que foi agraciado, em 2004, com a John Bates Clark Medal, condecoração que premia o economista "mais influente" com menos de 40 anos nos EUA. Existe, para empregar um termo do vocabulário econométrico, uma correlação entre economistas agraciados com a medalha e, depois, com o prêmio sueco. Foram 12 ganhadores de ambos, entre eles Milton Friedman, Joseph Stiglitz e Paul Krugman.

Levitt conta que, graças ao sucesso de seus livros, foi chamado para aconselhar grandes e pequenas companhias nos Estados Unidos, mas também profissionais liberais. Um exemplo que o economista cita com humor é o de uma garota de programa em Chicago, que conseguiu aumentar sua renda com a aplicação de princípios simples da microeconomia. A assessoria acabou se virando contra o assessor. O economista convidou a garota de programa para falar a seus alunos sobre o mercado da prostituição de alta classe e combinou de pagar sua tarifa regular. Mas se esqueceu de que ele mesmo tinha lhe ensinado como valorizar seu trabalho e cobrar mais caro por ele. Quando a conta chegou, o susto foi proporcional ao orgulho de tê-la ajudado em sua profissão.

É surpreendente, para Levitt, que os profissionais liberais sejam incapazes de traçar suas curvas de demanda. Isto é, pessoas que vivem de vender seus serviços deveriam saber estabelecer o valor que maximize seus rendimentos, segundo os preços que os clientes estejam dispostos a pagar. "Com que frequência os jornais telefonam para você?", pergunta. "Faça o teste, peça um pagamento um pouco maior, veja se eles aceitam", prossegue o professor.

As grandes empresas, por outro lado, revelaram-se arredias quando Levitt lhes deu consultoria. "Tem um abismo entre os economistas e o mundo corporativo que não faz o menor sentido. Trabalho muito com companhias com mais de 10 mil empregados. Nas reuniões, o presidente diz: 'Quero que nosso economista esteja presente'. Que mundo é este, onde uma companhia de 10 mil pessoas que tem somente um economista! Então a economia não é relevante para os negócios?", pergunta.

O mesmo desdém existe entre políticos. Levitt comenta, assombrado, que certas leis votadas pelo Senado são contraintuitivas, como a lei americana de proteção de espécies ameaçadas. Essa lei oferece uma moratória de um ano para construções em áreas de proteção, enquanto as autoridades avaliam as ameaças à fauna. "Quando as leis são feitas, ninguém pensa em como os indivíduos vão reagir à mudança. Assim que as dados começam a ser levantados, os construtores passam a trabalhar o mais rápido que podem, porque sabem que dali a um ano não vão mais poder construir. O efeito da lei de espécies ameaçadas é ameaçar espécies!"

Trabalhando sobre temas como prostituição, tráfico de drogas, aborto e até as cobranças de pênalti, Levitt atingiu a notoriedade que lhe valeu a condecoração e a oportunidade de escrever seus best-sellers. Seu trabalho pertence a uma corrente que busca aplicar as formas microeconômicas de pensar sobre questões que, a princípio, cairiam em outras ciências sociais. Essa tendência, que tem na "Escola de Chicago" seu epicentro, começou com o Prêmio Nobel Gary Becker, ídolo e, de certa forma, mentor de Levitt. Becker estudou o comportamento das famílias, estimou como seria um mercado de órgãos para transplantes e sugeriu que as políticas de repressão à imigração fossem substituídas por uma taxa, de forma que o livre mercado regulasse o fluxo migratório. "Meu trabalho é uma continuação lógica de Gary Becker, sem querer soar imodesto. Ele mostrou que é possível aplicar a economia a qualquer coisa. Com isso, ele libertou a minha geração."

Para quem considera os trabalhos de Becker e Levitt como um passo da microeconomia para além de seus domínios, o economista tem uma resposta. "O mundo acadêmico é como um mercado, em que se negociam perguntas e respostas. Nos últimos 30 anos, a economia tem ganhado campo nesse mercado", observa. Ao mesmo tempo, o economista se diz satisfeito de colaborar com sociólogos, politólogos e antropólogos. Por outro lado, uma das ganhadoras do Prêmio Nobel de economia de 2009 foi a cientista política americana Elinor Ostrom, e Levitt reconhece que o universo dos economistas não abriu as portas para ela. "Não li seu trabalho e duvido muito que algum economista tenha lido."

A investida mais recente do economista é a Greatest Good, empresa de consultoria que visa a ensinar grandes doadores a tornar sua filantropia mais eficiente. Fundada em 2009, em sociedade com outros oito acadêmicos - incluindo Gary Becker -, a companhia tem tido sucesso, segundo Levitt, mas não da maneira como os donos esperavam. "Quando mostramos a um bilionário que podemos tornar suas doações mais eficazes, ele pergunta se podemos tornar seus negócios mais eficazes." O ato de doar parece ser mais importante do que a doação em si, comenta Levitt, que desconfia de uma perspectiva voltada mais para o marketing do que para a solução dos problemas. "Estou certo, porém, de que podemos mostrar que há benefícios também em conseguir curar a malária, erradicar o analfabetismo, salvar as florestas..."

Fonte: Valor