segunda-feira, 14 de janeiro de 2013
Modenesi e o tripé da política econômica
A semana começa com grande espaço no Valor aos desenvolvimentistas: o artigo abaixo, do Modenesi procura encontrar alguma lógica no conjunto de medidas adotadas pelo Governo, meu colega, Lacerda,da Católica de SP, em entrevista procurar fazer o mesmo. Movimento articulado? Não sei. É, sem dúvida, muito bem vindo...mas confesso que não compartilho o ótimismo dos dois.
A manutenção (ou abandono) do tripé de política econômica tem sido alvo de intenso debate. Os mais ortodoxos já velaram e rezaram missa para o sacramentado tripé. Calcados na crença de que há uma única forma (quase mágica) de se conduzir a política econômica eles selaram nosso destino: se não reconstituirmos rapidamente o tripé, vamos voltar aos velhos tempos de alta inflação, baixo crescimento, descontrole das contas públicas etc. O debate não se deve reduzir a essa polarização superficial e simplória. Não há apenas duas opções disponíveis: a correta (tripé) e a incorreta (abandono do tripé). Como já defendi neste espaço (Valor, 13/junho), o governo Dilma tem promovido uma reorientação gradual na política econômica. Trata-se de um processo que - apesar de lento e, em larga medida, limitado - representa um avanço, particularmente no tratamento da inflação, como exposto a seguir.
Primeiro, ressalte-se o bem sucedido esforço de diversificação dos instrumentos de política monetária: a redução sem precedentes da Selic não desviou a inflação drasticamente de sua média, como previram os mais alarmistas. É verdade que esse verdadeiro feito - a ser talvez o principal legado da presidente Dilma - contou com crucial ajuda externa, materializada tanto no desaquecimento global quanto em agressiva flexibilização da política monetária por parte dos principais bancos centrais, como o Fed (banco central americano), Banco da Inglaterra (BoE) e o Banco do Japão (BoJ). No entanto, a despeito da importância dos condicionantes externos da inflação, não se pode creditar o sucesso do Banco Central brasileiro apenas ao ambiente externo benigno ou deflacionário.
O uso de medidas macroprudenciais e de controle de crédito mostrou-se acertado. O resultado é que o BC - ao reconhecer, ainda que tacitamente, a limitada eficácia da Selic no combate à inflação - agora dispõe de um conjunto mais amplo de instrumentos. Nesse sentido, ele se tornou mais apto a cumprir a meta de inflação do que quando usava apenas a Selic, seguindo de forma cega o princípio de Taylor.
Segundo, verificou-se uma atuação mais ativa do Ministério da Fazenda (MF) - sobretudo mais coordenada com o BC - no combate à inflação. O MF tem contribuído de diversas formas para a flexibilização da política monetária. A mudança na regra de remuneração da poupança é exemplo notório. A presidente Dilma, diferentemente de Lula, teve a coragem de remover um dos pisos que dificultava a queda da Selic. Mais recentemente, é possível identificar outro importante avanço na estratégia de estabilização de preços: uma mudança tanto no diagnóstico quanto na estratégia de combate à inflação. Passou-se a reconhecer que as pressões conjunturais de demanda são apenas um dos componentes da inflação - e que, portanto, não cabe apenas ao BC a tarefa de cumprir a meta. Ao mesmo tempo, já se admite a relevância de pressões inflacionárias estruturais advindas do lado oferta - a serem combatidas pelo MF com instrumentos não monetários.
O ataque direto às pressões de custo é inovação sem precedentes na história brasileira contemporânea, notadamente após o Plano Real. A medida mais impactante foi a revisão das tarifas do setor elétrico - anunciada, explicitamente, como uma medida de combate à inflação. No mesmo sentido vão as demais desonerações tributárias, com destaque para a redução da contribuição patronal sobre a folha salarial visando diminuir o custo da mão de obra. Assim, ataca-se a chamada inflação de impostos que, ao onerarem excessivamente a produção, potencializa a alta dos preços.
A desindexação dos ativos financeiros - resíduo anacrônico do período de alta inflação - é outro importante passo dado pelo governo. Por um lado, a parcela da dívida pública indexada à Selic (LFT) foi reduzida expressivamente (para menos de 30%). Concomitantemente, a maturidade média da dívida pública foi elevada. Por outro, o governo estuda medidas para fomentar o mercado privado de capitais, com o objetivo de "desindexar a indústria de fundos do DI e da taxa de câmbio e alongar os prazos dos investimentos" (Valor, 4/setembro). Essas medidas potencializam a política monetária e, portanto, favorecem a queda da Selic sem ameaçar a estabilidade de preços.
Para além do debate quanto à manutenção do regime de metas de inflação (pilar hierarquicamente superior do tripé), destaca-se importante mudança no tratamento dado à inflação. Apesar dos variados alarmes, o compromisso com a estabilidade de preços não foi flexibilizado, mas sim, reforçado. Primeiro, por que o BC está melhor municiado para cumprir a meta de inflação, ao dispor de um conjunto mais amplo de instrumentos - e, portanto, não se fiar exclusivamente na Selic, cuja eficácia no combate à inflação é comprovadamente baixa. Segundo, por que o governo tornou-se aliado do BC, agindo de forma coordenada com ele, na manutenção da estabilidade. O reconhecimento de que a inflação no Brasil não depende tanto do nível de atividade econômica (ou da demanda) é um avanço. O combate às pressões estruturais de custo e a desindexação dos ativos financeiros facilitam o trabalho do Banco Central.
Em suma, constata-se um aprimoramento institucional do regime de política econômica. Trata-se de uma reorientação ainda em andamento e que, dada a complexidade dos processos decisórios subjacentes à condução da política econômica em sociedades democráticas, é lenta por natureza. O passo seguinte deveria ser uma nova rodada de desindexação, para reduzir o peso do componente inercial da inflação. Uma revisão dos preços administrados - não apenas pelo governo federal, mas, também, pelos governos subnacionais - é imprescindível. Quanto aos preços livres, a eliminação da indexação - formal e informal - em base anual, altamente difundida no país, deve ser perseguida.
André de Melo Modenesi é professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ), pesquisador do CNPq e diretor da Associação Keynesiana do Brasil (AKB).
Fonte: Valor