O Cintra está certo: o problema é e sempre foi o spread. A questão é saber como resolve-lo e, antes, qual a sua origem.
Sim. Em julho de 2003, publiquei outro artigo com esse mesmo título em "O Estado de S. Paulo", no qual afirmei, com Michel Etlin, que a discussão sobre os altos juros no Brasil estava desfocada. O debate não devia se ater exclusivamente à taxa Selic, mas prioritariamente ao "spread", ou seja, a diferença entre o que os bancos pagam para captar recursos e o que cobram nos empréstimos que fazem.
O objetivo daquele texto foi colocar em debate a atuação oligopolística dos bancos, que permite a cobrança de "spreads" superiores a cinco vezes a média dos praticados em outros países emergentes e, na média, 11 vezes os praticados nos países desenvolvidos, como mostrado neste domingo pela Folha.
A taxa Selic tem efeito limitado no custo final do crédito no Brasil. A Selic, ainda elevada apesar da redução, estimula a poupança, atrai recursos externos de curto prazo e eleva os custos de carregamento da dívida pública. Mas está longe de explicar os extorsivos juros cobrados dos tomadores de crédito no Brasil na ponta final do consumidor ou do produtor.
Se sobre a Selic de 12,75% fosse aplicado um "spread" normal de 40% sobre o custo de captação, como ocorre mais comumente nos mercados financeiros mundiais, os tomadores de crédito no Brasil teriam a felicidade de pagar um "spread" ao redor de seis pontos percentuais, em vez de pagar os 30 pontos percentuais que são cobrados atualmente.
Voltei a publicar outros artigos retratando a questão do "spread" e do cartel dos bancos no Brasil. Em um deles mostrei que as abusivas tarifas bancárias haviam aumentado impressionantes 740%, devendo, portanto, eliminar o efeito dos custos administrativos dos bancos na formação dos "spreads". A Febraban (Federação Brasileira de Bancos) contestou raivosamente.
Mas, felizmente, o foco das discussões sobre os juros no Brasil foi mudando. Colunistas, técnicos e instituições internacionais passaram a ressaltar a necessidade de maior competição bancária e de redução dos "spreads" como condição fundamental para o país contar com juros que estimulem o crescimento.
A atual crise econômica intensificou a convicção sobre a necessidade de reduzir os juros como forma de fortalecer o mercado interno. Mas o impacto mais significativo da recente redução da Selic não será no custo do crédito no país. Ficará restrito ao custo da dívida pública, que será reduzido em cerca de R$ 7 bilhões com o recuo da taxa de 13,75% para 12,75%.
Quanto aos juros finais, a Anefac (associação de executivos de finanças) estima que a taxa média cobrada dos consumidores cairia de 7,49% ao mês para 7,41%, e, para as empresas, passaria de 4,35% para 4,27%. Ou seja, impacto praticamente imperceptível para os tomadores de crédito. Conclui-se que o juro primário pode ser reduzido em quatro ou cinco pontos percentuais pelo Copom e, mesmo assim, os juros finais continuarão inviabilizando as atividades produtivas se os "spreads" não caírem substancialmente.
Em países emergentes como China, Argentina, Coreia, Chile e Malásia, os "spreads" estão na casa de seis pontos percentuais, contra os 30 pontos, em média, no Brasil.
Se a intenção for utilizar os juros como instrumento de defesa contra a crise mundial, estimulando o consumo e os investimentos por meio de sua redução na ponta, é indispensável enfrentar o cartel bancário e reduzir impostos sobre o setor, de tal forma que os "spreads" sejam trazidos para níveis próximos dos praticados pelos demais países emergentes.
Atividade bancária é uma forma de concessão pública e deve ser rigorosamente acompanhada pelo governo para combater abusos.
Ademais, no artigo "Cartel, juros e "spreads" bancários", publicado pela Folha em 21/8/2006, afirmei que uma forma de enfrentar o oligopólio bancário seria o governo usar a CEF, o Banco do Brasil e outras instituições financeiras públicas como referências para criar um ambiente mais competitivo nesse mercado.
Um adágio inglês diz que "coragem exige olhos atentos e armas eficazes".
Os fatos estão ficando a cada dia mais visíveis, e os bancos públicos podem ser poderosos instrumentos para ampliar a concorrência e reduzir os custos do crédito.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE