segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Por onde atacar a crise?

Bresser Pereira, aparentemente não tem grande objeções ao plano do Obama e parece acreditar no poder magico da redução dos impostos como estimulo ao consumo dos mais pobres. Em situações normais isto seria correto, mas não em um cenário em que as familias estão com passivo elevado. Neste caso a maior parcela do ganho obtido com a redução dos impostos será usada para pagar dívidas. É este aspecto que várias analistas parecem esquecer: o forte desequilibrio entre passivos e ativos das familias torna a redução de imposto pouco eficaz, sendo muito melhor focar nos gastos públicos.

A crise financeira de outubro de 2008 já se transformou em crise econômica global, todos os países desenvolvidos estão em recessão e a previsão é que seu PIB (Produto Interno Bruto) diminuirá 2% em 2009! A tese do desacoplamento dos países em desenvolvimento foi pelos ares, e em todos aumenta o desemprego. Dividem-se, porém, entre aqueles que rejeitaram a política de "crescimento com poupança externa", ou seja, de incorrer em déficits em conta corrente, não se endividaram; e aqueles que continuaram a acreditar nessa estratégia que seus concorrentes ricos lhes propõem. Os primeiros não estão agora ameaçados por crises de insolvência; já os segundos, entre os quais estão vários países da Europa central, enfrentam agora uma crise redobrada.
A crise financeira se transformou em crise econômica porque o pânico financeiro de outubro de 2008 atingiu os bancos e paralisou o financiamento às empresas, inclusive a mera rolagem das dívidas de empresas sadias; e também porque, diante do pânico bancário, os investidores e os consumidores de cada país suspenderam seus investimentos e seu consumo postergável, e os importadores fizeram o mesmo em relação às importações. Assim, a demanda agregada entrou em queda livre.
Para evitar o agravamento de um quadro gravíssimo, os governos estão procurando aumentar suas despesas, para, dessa forma, restabelecer a demanda agregada e a confiança. Os déficits fiscais deverão, em média, dobrar em 2009. A questão, agora, é saber quais despesas serão as mais eficientes para atingir os dois objetivos. Em relação aos bancos, o Estado, primeiro, elevou a liquidez; em seguida, forneceu recursos para aumento do capital; finalmente comprou ativos sem liquidez ("tóxicos"). Se essas medidas não foram suficientes e o banco continua ameaçado de quebra, o problema é de confiança, e a alternativa de criar um banco "lata de lixo" não resolverá o problema; solução mais econômica será, provavelmente, nacionalizá-los temporariamente. Com isso ninguém estará "implantando o socialismo", mas simplesmente salvando o capitalismo da distorção financeira de que foi vítima. No Brasil, felizmente, não há grandes bancos nessa situação.
Quanto ao estímulo aos consumidores e aos empresários para que voltem a consumir e investir, o governo pode realizar grandes obras de infraestrutura ou aumentar o poder de compra dos consumidores mais pobres por meio de redução de impostos e de mecanismos de transferência de renda. Os dois caminhos estão sendo seguidos (cerca de 50% para cada lado no pacote de Obama), mas a prioridade deve ser dada às transferências para consumo imediato. As obras de infraestrutura tomam tempo para serem planejadas e iniciadas, e, quando feitas às pressas, facilmente se revelam desnecessárias ou superdimensionadas. Já as transferências, como é no Brasil a Bolsa Família, e como são os sistemas de auxílio-desemprego nos países ricos, têm efeito imediato sobre o consumo e fazem a economia voltar a funcionar.
Tanto os aumentos dos gastos do Estado para financiar o consumo das famílias como os investimentos devem ser realizados com cuidado.
Essa crise mostrou como cada Estado é importante para sua nação -como essa instituição nacional é o único porto seguro com o qual os cidadãos contam. Para, entretanto, que assim se mantenha e conserve a confiança dos agentes econômicos, é essencial que não descuide de sua própria saúde financeira

L.C.Bresser Pereira