Ainda não li nenhum paper do Richard Koo, para ser honesto sequer o conhecia antes da menção ao seu nome em outro artigo do Wolf. Curiosamente, a leitura que ele faz da crise e o conceito de deflação do balancete, não é muito diferente da análise que apresentamos em outros posts: é o que defini como sendo um desequilibrio entre ativos e passívos, com o valor do primeiro despencando rapidamente e o do segundo mantendo-se praticamente constante. Neste cenário, como observa o Wolf so nos resta a política fiscal( aumento dos gastos públicos) e mesmo ela não é garantia de sucesso pois o período de tempo em que tem que ser mantida é muito longo em relação ao tempo na política. Este é o grande risco e foi o grande problema na política fiscal dos anos 30.
O que a "década perdida" do Japão nos ensinou? Mesmo há um ano, esta parecia uma pergunta absurda. O consenso geral da opinião informada era de que os Estados Unidos, o Reino Unido e outras economias ocidentais altamente endividadas não poderiam sofrer tanto quanto o Japão sofreu. Agora a pergunta está mudando para se estes países conseguirão se sair tão bem quanto o Japão. Bem-vindo ao mundo da deflação no balancete.
Como notei antes, a melhor análise sobre o que aconteceu no Japão é de Richard Koo, do Instituto Nomura de Pesquisa. O ponto principal que ele levanta, apesar de simples, é ignorado pela economia convencional: os balancetes importam. Ameaçado de falência, o superendividado lutará para pagar suas dívidas. Um colapso nos preços dos ativos comprados por meio de dívida terá um impacto bem mais devastador do que o mesmo colapso acompanhado por pouca dívida.
Grande parte do declínio nos gastos privados e tomadas de empréstimo japoneses nos anos 90 ocorreu, segundo Koo, não por causa do estado dos bancos, mas sim pelo de seus tomadores de empréstimo. Aquela foi uma situação na qual, nas palavras de John Maynard Keynes, as baixas taxas de juros - e as do Japão foram, por anos, as mais baixas possíveis - estavam "pushing on a string" (conseguindo mover algo em apenas uma direção). Os devedores continuaram pagando seus empréstimos.
Logo, o quanto este ponto de vista nos informa sobre o apuro em que estamos agora? Muito, é a resposta.
Primeiro, as comparações entre hoje e as profundas recessões do início dos anos 80 são completamente equivocadas. Em 1981, a dívida privada americana era de 123% do produto interno bruto; no terceiro trimestre de 2008 ela era de 290%. Em 1981, a dívida dos lares era de 48% do PIB; em 2007, era de 100%. Em 1980, a taxa de intervenção do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) alcançou entre 19% e 20%. Hoje, é quase zero.
Quando as taxas de juros caíram no início dos anos 80, a tomada de empréstimos saltou. As chances de provocar um aumento nos empréstimos agora são próximas de zero. Uma recessão causada pela determinação do banco central de conter a inflação é bem diferente daquela causada pelo endividamento excessivo e pelo colapso do valor líquido. No primeiro caso, o banco central causa a recessão. No segundo, ele está se esforçando para evitá-la.
Segundo, aqueles que argumentam que a expansão fiscal do governo japonês fracassou estão, de novo, enganados. Quando o setor privado tenta pagar sua dívida ao longo de muitos anos, um país tem três opções: deixar o governo tomar o empréstimo; expandir a exportação líquida; ou deixar a economia sofrer o colapso em um mergulho em parafuso de falência em massa.
Apesar de uma perda de riqueza equivalente a três vezes o PIB e uma mudança de 20% do PIB no balanço financeiro do setor corporativo, de déficits para superávits, o Japão não sofreu uma depressão. Isso foi um triunfo. A explicação foi os grandes déficits fiscais. Quando, em 1997, o governo Hashimoto tentou reduzir os déficits fiscais, a economia sofreu um colapso e os déficits fiscais na verdade cresceram.
Terceiro, reconhecer as perdas e recapitalizar o sistema financeiro são elementos vitais, mesmo se, como argumenta Koo, a não disposição de tomar empréstimo for ainda mais importante. Os japoneses conviveram com bancos zumbis por quase uma década. A explicação foi um impasse político: a hostilidade pública em relação aos banqueiros tornou impossível a injeção de dinheiro do governo em grande escala, e o poder dos banqueiros impossibilitava a nacionalização das instituições insolventes. Por anos, as pessoas fingiram que o problema era a queda do preços dos ativos. No final, a implosão financeira forçou a mão do governo japonês. O mesmo vale para o último trimestre do ano passado americano, mas a oportunidade de uma reestruturação plena e recapitalização do sistema foi perdida.
Nos Estados Unidos, o estado do setor financeiro pode ser bem mais importante do que foi no Japão. Os grandes acúmulos de dívida americanos não foram pelas corporações não-financeiras, mas pelos lares e pelo setor financeiro. A dívida bruta do setor financeiro saltou de 22% do PIB, em 1981, para 117% no terceiro trimestre de 2008, enquanto a dívida das corporações não-financeiras saltou apenas de 53% para 76% do PIB. Logo, o desejo das instituições financeiras de encolher os balancetes poderá ser uma causa ainda maior de recessão nos Estados Unidos.
Mas quanto a experiência geral do Japão é relevante para o que está acontecendo hoje?
A boa notícia é que as bolhas de preços de ativos em si foram bem menores nos Estados Unidos do que no Japão. Além disso, o banco central americano foi bem mais rápido em reconhecer a realidade, cortando rapidamente as taxas de juros até próximo de zero e buscando uma política monetária "não convencional".
A má notícia é que o debate em torno da política fiscal nos Estados Unidos parece bem mais neanderthal do que no Japão: não pode ser destacado mais fortemente que em uma deflação no balancete, com taxa de juro oficial zero, a política fiscal é tudo o que temos. O grande risco é que será feita uma tentativa de reduzir o déficit fiscal prematuramente, com resultados terríveis. De novo, as propostas do governo americano para uma parceria público/privada, para compra dos ativos tóxicos, parecem insuficientes. Mesmo que consiga funcionar operacionalmente, os preços provavelmente serão baixos demais para encorajar os bancos a vender ou para representar um grande subsídio do contribuinte aos compradores, vendedores ou ambos. Bem mais importante, é improvável que aumentos modestos de preços para uma série de ativos ruins serão capazes de recapitalizar as instituições em dificuldades. No final, a realidade vira à tona. Mas poderá ocorrer após um longo tempo.
Mas o que está acontecendo dentro dos Estados Unidos está longe de ser a pior notícia. Esta é uma crise de alcance global. O Japão pôde depender das exportações para uma economia mundial animada. Esta crise é global: as bolhas e booms de gastos associados se espalharam por grande parte do mundo ocidental, assim como a mania financeira e as compras de ativos ruins. As economias diretamente afetadas respondem por quase metade da economia mundial. As economias afetadas indiretamente, por meio da queda da demanda externa e do colapso financeiro, representam o restante. Os Estados Unidos, está claro, continuam sendo o centro da economia mundial.
Como resultado, nós estamos diante de uma deflação no balancete que, apesar de bem menor do que no Japão nos anos 90, tem um alcance muito maior. Por este motivo, é irreal imaginar um retorno rápido e forte do crescimento global. De onde virá a demanda? Dos consumidores ocidentais excessivamente endividados? Dificilmente. Dos consumidores dos países emergentes? Improvável. Da expansão fiscal? Apenas até certo ponto. Mas isso ainda parece muito fraco e desequilibrado, com muito vindo dos Estados Unidos. A China está ajudando, mas a zona do euro e o Japão parecem paralisados, enquanto a maioria das economias emergentes agora não pode correr o risco de uma ação agressiva.
O ano passado marcou o fim de uma era esperançosa. Hoje, é impossível descartar uma década perdida para a economia mundial. Isto tem que ser impedido. A posteridade não perdoará os líderes que fracassarem diante deste grande desafio
Martin Wolf