quinta-feira, 24 de julho de 2008

De súbito cessou a vida

De súbito cessou a vida.
Foram simples palavras breves.
Tudo continuou como estava.



O mesmo teto, o mesmo vento,
o mesmo espaço, os mesmos gestos,
Porém como que eternizados.



Unção, calor, surpresa, risos
tudo eram chapas fotográficas
há muito tempo reveladas.



Todas as cousas tinham sido
e se mantinham sem reserva
numa sucessão automática.



Passos caminhavam no assoalho,
talheres batiam nos dentes,
janelas se abriam, fechavam.



Vinham noites e vinham luas,
madrugadas com sino e chuva.
Sapatos iam na enxurrada.



Meninas chegavam gritando.
Nasciam flores de esmeralda
no asfalto! mas sem esperança.



Jornais prometiam com zelo
em grandes tópicos vermelhos
o fim de uma guerra. Guerra?...



Os que não sabiam falavam.
Quem não sentia tinha o pranto.
(O pranto era ainda o recurso
de velhas cousas coniventes.)



Nem o menor sinal de vida.
Tão-só no fundo espelho a face
lívida, a face lívida.


Henriqueta Lisboa